A diplomacia cultural brasileira perdeu sua principal ferramenta
Durante a minha infância pude verificar que a principal referência brasileira no exterior se chamava Pelé. O país do rico repertório nas artes, nos esportes e das imensas belezas naturais possuía no futebol a sua principal ferramenta de exposição no exterior. A imagem da alegria, da irreverência e acima de tudo da alta capacidade técnica se transfigurava no jogador de futebol brasileiro. Sim, uma imagem de excelência.
Por muito tempo, de forma proposital ou não, o futebol brasileiro foi a ferramenta de soft power mais fácil de se utilizar por transmitir uma imagem positiva e conectar o Brasil com o mundo. Sem muitos esforços a magia do futebol brasileiro se transportava para os gramados europeus e sul-americanos e, desta forma, ganhávamos a simpatia mundial.
Quando ganhamos a copa de 1970 em meio à ditadura militar do governo Médici, o futebol e Pelé foram explorados de forma exagerada para encobrir as mazelas de um governo imposto contra a vontade popular. A conquista no México serviu para que os porões da ditadura transmitissem, não ao mundo, mas ao povo brasileiro que tudo corria bem. O futebol brasileiro, que já era considerado um fenômeno cultural por conquistas anteriores, serviu de ferramenta para unir o povo brasileiro no pior período de sua história.
Na Copa da Argentina de 1978, a imagem positiva que se buscou apresentar surtiu efeito contrário. A forte presença de jornalistas estrangeiros num país sob o regime militar serviu para pressionar o mundo e divulgar as atrocidades cometidas naquele país contra seu próprio povo. Até os dias de hoje, muitos consideram a conquista argentina uma vitória da ditadura de Videla e não dos jogadores argentinos. Após a Copa a imagem do país estava mais arranhada do que nunca.
O tempo passou e outras grandes conquistas vieram no futebol e brilhantemente representadas pela alegria e irreverência de fenômenos do futebol. Porém, atualmente o brilhantismo e, principalmente, a simpatia com os brasileiros se dissipou. As seguidas eliminações em mundiais, a imagem de jogadores mais preocupados com o seu brilho próprio e o pouco comprometimento profissional, não passam despercebidos aos olhos estrangeiros e grandes patrocinadores internacionais.
Hoje, artistas como Anitta ou Wagner Moura, cada um em seu palco, representam o país como exemplos de profissionais completos, e mais ainda, engajados nas grandes preocupações mundiais. Sejam através de sua arte ou simplesmente como cidadãos.
O futebol brasileiro demonstrou nesta copa e durante sua preparação a clara dicotomia entre a seleção brasileira e o povo brasileiro. E, portanto, não pode servir à diplomacia cultural como exemplo do país no exterior. Utilizar o futebol brasileiro de hoje como exemplo de soft power é um gol contra.

*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e analista de Geopolítica Energética. Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal e Membro do CERES - Centro de Estudos das Relações Internacionais. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduando em Relações Internacionais pelo Ibmec. Atua como colunista e comentarista de geopolítica energética do site Mente Mundo Relações Internacionais. Colaborador de colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área. Contato: rutledge@eq.ufrj.br