A disputa pela última fronteira econômica – a geopolítica do Ártico
Há cerca de uma década analistas geopolíticos advertiram que a região do Ártico tinha diversos componentes – leiam-se recursos naturais e posicionamento “estratégico” – para se converter ao longo das décadas seguintes em um importante centro de disputa de grandes potências intra e extra-região. Embora, até o presente momento a administração política e econômica da região não tenha alcançado um extremo de conflito de maior extensão, algumas disputas territoriais ocorreram, principalmente entre os países que compõem o Ártico – como é o caso da disputa entre a Noruega e a Rússia pelo Mar de Barents, que foi resolvido de forma pacífica –, a militarização da região e o questionamento formal (junto à Organização das Nações Unidas) acerca de uma extensão da chamada Zona Econômica Exclusiva (ZEE), para garantir o direito de explorar recursos, tornaram-se realidade.
O derretimento do gelo polar ártico, acontecimento este ocasionado por conta do aumento de temperatura – estimado que tenha a sua velocidade até três vezes mais rápida do que a média – é parte de um processo maior que diz respeito às mudanças climáticas, reforçou as preocupações geopolíticas e trouxe uma série de questionamentos de estudiosos acerca dos desafios políticos e econômicos emergentes na região.
Entre tais desafios destacam-se: a disputa entre países da região (tais como Canadá, Estados Unidos – através de seu território do Alasca –, Dinamarca –através da Groelândia –, Noruega, Rússia e Dinamarca) e países de fora dela pelo controle e ou exploração do potencial econômico do Ártico, notadamente a abertura de novas rotas marítimas (principalmente para o comércio), o vasto depósito de recursos naturais – leia-se petróleo, estimado em cerca de 20% do total do petróleo não descoberto no mundo, gás natural e minérios (níquel e ferro) –, e as rotas de pesca.
Entre o potencial econômico e a administração da região
A administração do ártico é realizada através da combinação de três aspectos principais, a saber:
o aspecto nacional, representado pelas leis e os regulamentos domésticos de cada Estado da região;
o aspecto regional, representado pelo denominado Conselho do Ártico, que é um fórum intergovernamental desenhado para promover a cooperação, coordenação e interação ente os Estados do Ártico, garantindo o envolvimento dos povos indígenas da região, e áreas como desenvolvimento sustentável, proteção ambiental e segurança;
o aspecto internacional, representado pela atuação da Organização das Nações Unidas (ONU), através da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, e pela celebração de acordos bilaterais e internacionais. Tal administração da região é fundamental para compreender os desdobramentos relacionados ao interesse – de Estados da região e fora dela – pelo potencial econômico da mesma e os reflexos de tal interesse na segurança regional.
Embora os Estados do Ártico tenham firmado ainda no ano de 2008, através da Declaração de Iluisat, algumas disputas entre os seus membros, sobretudo aquelas relacionadas ao tráfego em determinadas regiões – questionadas como águas internacionais por uns e nacionais por outros – e a busca pela expansão da Zona Econômica Exclusiva (ZEE), para garantir o direito de explorar recursos. A Rússia, por exemplo, contesta que uma rota marítima acima da Sibéria deve ser considerada água interna russa, fato que restringiria o acesso de embarcações estrangeiras à referida rota.
A atitude de alguns dos Estados da região em firmar posição em áreas que vêm sendo questionadas tem como estímulo o aclamado – porém dificilmente explorado – potencial econômico do ártico. Do ponto de vista econômico, alguns fatores podem deter ou apenas conter o entusiasmo regional e internacional relacionado ao referido potencial energético, sendo que entre eles se destacam:
a recente “revolução do gás do xisto” e seu potencial de desviar os investimentos e atenção para a sua exploração;
a complexidade da decisão de investimento em petróleo;
a falta de infraestrutura da região para acessar recursos como petróleo existente em áreas mais profundas e minerais
o caráter especulativo acerca do desenvolvimento futuro de algumas regiões – talvez o aspecto mais importante – como é o caso da Groenlândia, que ainda não comprovou a existência de tais reservas e limitou suas atividades no setor de hidrocarbonetos à concessão de licenças para perfuração e exploração futuras.
De certa maneira, conforme apontou o relatório especial do Instituto de Estudos de Segurança da União Europeia (2015), os aspectos acima estão interconectados e conduzem a um caminho principal: determinar, considerando as possibilidades e os riscos, a sustentabilidade dos investimentos na região. As oscilações no preço do barril de petróleo, o caráter de longo termo dos projetos que envolvem o Ártico, sobretudo por conta da falta de infraestrutura da região – que inclui a perfuração, produção e formas de comércio e distribuição da produção fóssil –, fizeram com que as principais vozes da indústria petrolífera se dividissem em dois movimentos principais:
conter as atividades de perfuração e adiar as datas previstas para a produção em algumas localidades, como a empresa Shell que adiou as atividades no nordeste do Alasca e a empresa Chevron que arquivou seus planos de perfurar regiões do Ártico canadense;
apostar em um mercado cujos investimentos podem demorar a serem convertidos em lucros, como é o caso da empresa italiana ENI que busca ser a primeira produtora de petróleo no Ártico norueguês.
Além do potencial econômico relacionado à exploração de recursos naturais, a retração do gelo polar do Ártico também permitiu a discussão acerca dos benefícios da descoberta e utilização – por parte de países exportadores – de novas rotas comercias. Dois casos de alternativas de caráter sazonal ilustram muito bem as novas possibilidades de navegação: a Passagem do Noroeste e a Rota do Mar do Norte da Rússia. No primeiro caso, a rota marítima que liga os oceanos Atlântico e Pacífico através da parte superior da Eurásia, antes poderia ser acessada apenas através de uma porção de ilhas do Canadá e utilizando embarcações de grande porte, ao longo do verão ártico – o que facilitaria desbravar o gelo; porém, a partir da de 2005 a rota chamou atenção internacional ao demonstrar ser uma boa alternativa de navegação que alcançava os dois oceanos. Já o segundo caso, a rota que está inserida em águas do Ártico e faz parte da Zona Econômica Exclusiva da Rússia, foi utilizada poucas vezes ao longo dos últimos anos e os estudiosos passaram a divergir acerca dos custos e benefícios de sua navegação. Por um lado, a experiência das embarcações que transitaram pela rota indica que através desta é possível diminuir o tempo despendido, visto que diferentemente da tradicional via pelo Canal de Suez a nova rota possui menos fluxo de embarcações de forma geral, bem como os custos relacionados à remessa e combustível, além de evitar – no caso de saídas provenientes de províncias chinesas – águas que sofrem com a atividade de piratas, como no Estreito de Malaca, nas proximidades da Indonésia e Malásia.
O contínuo derretimento do Ártico trouxe aos Estados pertencentes à região a necessidade de buscar soluções para uma série de desafios econômicos, políticos e de segurança. A atual tendência ao multilateralismo ou a busca de soluções pacíficas para as eventuais disputas territoriais, como foi o clássico caso da disputa entre a Rússia e a Noruega pelas águas do Mar de Barents, sobretudo tendo como base a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, parece firmar-se na região. Desta forma, no topo da lista de prioridades dos Estados- membros e observadores do Conselho do Ártico, devem constar – ao menos nos próximos anos – as discussões para a celebração de acordos acerca das possibilidades e da administração das regiões contestadas, sobretudo no que diz respeito à extensão da Zona Econômica Especial de países do litoral ártico – tais como o Canadá, Noruega, Dinamarca, Rússia – e das novas rotas marítimas.
Referências Bibliográficas
WORLD ECONOMIC FORUM. Demystifying the Artic. Global Agenda Councils. Switzerland, January 2014. Disponível em: <http://reports.weforum.org/demystifying-the-arctic-info/>. Acesso em : 13. fev. 2016.
COUNCIL OF FOREIGN RELATIONS. Artic Council: Iqaluit Declaration 2015. Disponível em: <http://www.cfr.org/arctic/arctic-council-iqaluit-declaration-2015/p36498#>. Acesso em: 13. fev. 2016.
JOKELA, Juha (ed.). Artic security matters. ISSUE, Report nº24, European Union Institute for Security Studies, 2015.
Imagem: Um trecho do ártico norueguês. Fonte: UN photo/ Rick Bajornas
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