Luis Augusto M. Rutledge
Analista de Geopolítica e Energia
A recente crise energética e a necessidade urgente de transição para fontes renováveis fizeram aumentar o valor de minerais críticos, commodities essenciais para alimentação de sistemas de geração de energia limpa. E, o aumento da demanda por esses minerais para atender aos objetivos de desenvolvimento líquido zero e sustentável, colocou a África no centro das atenções. Entretanto, existe uma dicotomia entre riquezas energéticas e desenvolvimento socioeconômico no continente africano.
A África contém 30% das reservas minerais do mundo, além de nações ricas em reservatórios de óleo e gás natural e, no entanto, não consegue converter as riquezas naturais em prosperidades para o continente. Segundo a Agência Internacional de Energia, mais de 600 milhões de africanos, equivalente a 43% da população, não possuem acesso à energia elétrica. Infelizmente, o potencial energético da África é inversamente proporcional à capacidade instalada de energia elétrica. A transição energética é uma oportunidade para a transição da África.
E, somente o desenvolvimento da infraestrutura energética do continente saneará a alta demanda regional e posicionará a África como peça importante no xadrez da geopolítica da transição energética global.
Lítio, cobre, alumínio níquel, cobalto, manganês e grafite essenciais para baterias e turbinas eólicas, representam riquezas minerais crítica da África e peças-chaves para a transição energética global.
Atualmente, os minerais críticos africanos são exportados na forma de minérios ou concentrados. Namíbia e Zimbábue, países exportadores de lítio, planejam viabilizar a exportação deste mineral somente processado, muito mais rentável que na condição de matéria-prima. A República Democrática do Congo contém cerca de 70% das reservas mundiais de cobalto, mineral usado para a produção de veículos elétricos. África do Sul e Gana também se destacam nas produções de platina, manganês e bauxita.
E, no campo geopolítico, é natural observar movimentos da União Europeia, EUA e da China no aproveitamento de matérias-primas africanas. Neste sentido, o crescente interesse da União Europeia e dos Estados Unidos em correr com acordos estratégicos para a produção de minerais críticos vai de encontro com as intensões chinesas.
De forma clara, a transição energética apresenta uma disputa por minerais críticos entre a China e a União Europeia, apoiada pelos EUA. E, no continente africano, não causa estranheza que potências estrangeiras estejam usando de suas influências política e econômica para explorar os minerais com fins estratégicos. A África compreende a cobiça estrangeira e buscará lucrar com seus ricos reservatórios.
Vale destacar que embora os investimentos chineses na África sejam significativos, as empresas de mineração chinesas representam apenas 8% da produção total da África contra o dobro da participação anglo-americana no setor. A amplitude dos investimentos e influência dos chineses vai muito além das reservas de minerais críticos. Em termos gerais, a África representa apenas 4% do comércio global chinês. O engajamento chinês no continente africano se concentrou nos últimos anos em setores estratégicos, principalmente em infraestrutura e ajudas humanitárias.
Na construção da transição energética global, correm em paralelo as estratégias políticas dos europeus e norte-americanos para conter a crescente influência chinesa em determinados países africanos. O envolvimento da China, principalmente ao norte e na região Subsaariana do continente africano, através de investimentos vultosos, está preocupando as principais referências políticas da União Europeia.
No fim de 2021, a União Europeia anunciou o Plano Global Gateway. O plano tem por objetivo mobilizar até 300 bilhões de euros em financiamentos em infraestrutura, energia e segurança alimentar para regiões da Ásia e África. A proximidade geográfica e o histórico colonial, apesar da crise de Níger, fazem a parceria entre União Europeia e África parecer natural.
Desta forma, a União Africana (UA), órgão composto por 55 Estados-membros do continente, e a União Europeia identificaram recentemente os corredores estratégicos para o desenvolvimento de cadeias de valor no setor energético africano. Outro plano, a Iniciativa Verde África-União Europeia já se encontra em andamento.
Acima dos acordos de cooperação, está a crescente preocupação dos líderes europeus e de setores do governo norte-americano sobre a cada vez maior receptividade africana aos avanços político-ideológico dos russos e chineses.
A preocupação quanto à simpatia africana aos russos procede. Um exemplo deste comportamento pôde ser comprovado este ano quando alguns países africanos não votaram a favor da resolução da ONU para dar fim à guerra da Ucrânia. Madagascar, Moçambique, África do Sul e Zimbábue são exemplos de países que se abstiveram na importante votação realizada na ONU.
Quanto à China, os países africanos historicamente desempenham importantes papéis na expansão e influência global chinesa. Votos africanos foram decisivos em várias resoluções importantes para Pequim.
Desde 1971, quando os votos africanos foram decisivos em votação da ONU nas questões relacionadas à Taiwan, até recentemente, em 2020, quando “Pensamentos Xi Jinping” foram adicionados ao texto de direitos humanos da ONU, o alinhamento com países africanos tem sido fundamental aos interesses chineses. Atualmente, a estratégia global chinesa é a tão propalada Nova Rota da Seda. O projeto tem, entre vários objetivos, a ambição de conectar o comércio da China ao resto do mundo.
Concluindo, aos países africanos, detentores das riquezas energéticas, fica a oportunidade única do crescimento socioeconômico e político na esfera global. Os investimentos em mineração dos EUA, União Europeia e China poderão trazer enormes benefícios em geração de emprego e renda, infraestrutura, transferência de tecnologia e, principalmente, segurança ao continente africano. Investimentos em mineração e petróleo são aplicações de capital de longo prazo e seguiram para acompanhar o desenvolvimento.
No equilíbrio geopolítico, a África tem o árduo dever de implementar políticas de cooperação com EUA, União Europeia, China e Rússia sem favorecimentos explícitos, apenas para o povo africano.
*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e analista de geopolítica e
energia. É pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no setor de
energia. Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal e consultor
do CERES - Centro de Estudos das Relações Internacionais. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Especialização em Relações Internacionais pelo Ibmec. É comentarista de geopolítica energética do site Mente Mundo Relações Internacionais, colunista de Geopolítica Energética no Jornal Zambeze de Moçambique e colaborador de colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área. Contato: rutledge@eq.ufrj.br
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