Na terça feira, 20 de agosto, o Parlamento ucraniano aprovou o decreto-lei para banir a Igreja Ortodoxa Russa, da Ucrania. O Presidente da Ucrania, Volodymir Zelensky, sancionou a Lei no dia 24 de agosto. Neste artigo vamos articular um pouco as consequências desta decisão.
A decisão é bem mais que mais que uma questão religiosa, tem forte peso na influência russa no país ucraniano, não só em aspectos religiosos, senão históricos e culturais. Em 2019, o Patriarca Kirill disse que Jerusalém é para o cristianismo o que Kiev é para a Igreja Ortodoxa russa. A Ucrania é um país basicamente ortodoxo, oito de cada dez ucranianos são ortodoxos. E está é uma forma de influência cultural russa naquele país. Por isso a decisão entre as igrejas é algo transreligioso.
Mykyta Poturaiev, um membro do Parlamento que patrocinou o projeto afirma que “o objetivo desta lei é proibir as atividades do Patriarcado de Moscou na Ucrânia “que é um instrumento de influência e propaganda russa” e que “O Patriarcado de Moscou não é uma inspiração, mas um participante da guerra”.
Vladimir Putin, Presidente da Rússia, que é muito próximo ao Patriarca Kirill, usa do poder da Igreja Ortodoxa para fins políticos, e um apoia o outro em suas posições. Não à toa, Putin, ao chegar ao poder na Rússia, buscou fazer acordos com a Igreja para assim conseguir se manter no poder (GALVÃO, 2018).
A Igreja Ortodoxa Russa é uma das instituições religiosas mais antigas do mundo. Remete ao século X, no governo do príncipe Vladimir, o Grande. Antes disto a Rússia era dominada por tribos pagãos. Daí em diante, a Igreja desempenhou um papel crucial na história e cultura do país. A Igreja não era responsável somente pela espiritualidade do povo, senão, por influenciar a cultura e política russas.
Atualmente, a Igreja Ortodoxa é a maior denominação cristã na Rússia, depois da perseguição soviética à Igreja, ela experimentou o renascimento de sua influência no país, desta forma, Kirill, tem desempenhado um papel ativo na vida política russa e na promoção dos valores ortodoxos na sociedade, apoiando, por exemplo, e até abençoando, o exército russa na invasão à ucrânia. E, com esta ação, a relação entre as igrejas dos países entrou em conflito.
Desde o início da invasão à Ucrania, e com esta atitude do Patriarca, vários padres e bispos ortodoxos expressaram total rejeição a Kirill. muitos cristãos ortodoxos, por exemplo, pararam de orar para seu líder, o que é visto como o maior símbolo de desobediência no mundo ortodoxo. O que gerou a busca por separação e que culminou na lei assinada por Zelensky.
A Igreja Ortodoxa, em sua tradição e doutrina, considera-se a guardiã da fé ortodoxa. Ela acredita que preserva a sucessão apostólica e os ensinamentos originais dos apóstolos, mantendo a pureza da fé cristã. A Igreja Ortodoxa também desempenha um papel importante na preservação das tradições litúrgicas, sacramentais e espirituais que remontam aos primeiros séculos do cristianismo. Sua autoridade é baseada na sucessão dos bispos e na comunhão com outros patriarcados ortodoxos.
A Igreja Ortodoxa Russa, em sua doutrina, se considera a guardiã da fé ortodoxa. Para ela, é a responsável por preservar a sucessão apostólica e os ensinamentos dos apóstolos, na visão da Igreja, eles mantêm a pureza da fé cristã. Com isso, por exemplo, eles acreditam, que são os responsáveis por proteger e levar a fé ortodoxa mundo afora. Uma pequena digressão: nos livros dos grandes escritores russos, como Dostoievski, se percebe, desde sempre, na Rússia, a igreja Ortodoxa é sinônimo de expansão da cultura e do poder russo.
Com esse discurso, normalmente, Putin usa da fé ortodoxa do país para intervir externamente, como no caso da Síria, que um dos motivos citados para que a Rússia se “preocupasse” com a Guerra Civil naquele país, era a população de cristão ortodoxos gregos, que, na época da guerra, era a maior comunidade de cristãos no Oriente Médio (GALVÃO, 2018).
Na Ucrania não foi diferente, a Igreja Ortodoxa usou de sua influência no país em favor da invasão russa. Para Thomas Bremer, professor de teologia ecumênica e pesquisador da Igreja Ortodoxa Russa na Universidade de Münster, na Alemanha: "O patriarca russo vê a guerra na Ucrânia como uma espécie de guerra cultural entre uma concepção ocidental de vida e uma concepção oriental".
É importante ressaltar aspectos geográficos da Ucrania: A Ucrania só existe como país há pouco mais de 30 anos. Sempre foi região de conflito. Não à toa, segundo SEGRILLO, o nome Ucrânia deveria da palavra eslava Krajina, que quer dizer fronteira. E sempre esteve como zona de influência do lado ocidental, pelos cristãos protestantes ocidentais, e do outro lado, o oriental, dos cristãos ortodoxos orientais (GALVÃO, 2019). Essa divisão é uma base interessante para entender o conflito atualmente e as palavras supracitadas do Patriarca. A luta por influência cultural na Ucrânia, sempre esteve, também, ligado à igreja.
Esse é um processo muito delicado, a Ucrânia é o terceiro maior país de população de cristãos ortodoxos, alguns desses cristãos tem fortes traços com a fé e cultura russa através da Igreja. É uma decisão tão forte quanto o rompimento da Igreja Católica Romana com a própria Igreja Ortodoxa. Ou, uma revolução mais ocidental: a da Igreja Católica com o protestantismo. E por isso é algo que até o Papa Francisco criticou.
Genildo Pereira Galvão
Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB. Cursou um semestre do seu curso na Universidad Autónoma de Guadalajara, México. Conquistou essa oportunidade em um programa de bolsas do Programa Santander Universidades, no qual ficou entre os 9 selecionados do processo seletivo de 2017. Iniciou uma Licenciatura em História, em 2021, que trancou para iniciar uma em Filosofia que segue cursando. Trabalhou no Ministério da Educação como Analista Jurídico Júnior pela THS Tecnologia.
REFERÊNCIAS
GALVÃO, Genildo Pereira. RÚSSIA, EM BUSCA DE SEU ESPAÇO NO NOVO CONTEXTO INTERNACIONAL. 2018. Monografia (Graduação em Relações Internacionais) - Campus Norte, Centro Universitário do Instituto de Educação Superior de Brasília - Iesb (IESB), Brasília, 2018. DOI 10.29327/41.1288.
留言