Os famigerados dizeres que reforçaram socialmente que política e mesmo a religiosidade não seriam alvos de discussões acaloradas ou diálogos simplórios foram eliminados do campo dos ditados populares brasileiros, atentando para o contemporâneo emprego de ambos os conteúdos, de maneira corriqueira ou planejada, fazendo da defesa de valores intrínsecos aos mesmos, um padrão identitário demonstrável. Já não mais se crê em um princípio para que o priorize sem que o mesmo não seja dado como verdade universal e politizada. E da mesma maneira, não mais se pondera a moralidade de outrem como uma particularidade do outro, sem que se reivindique a sua “conversão” como obrigatoriedade.
A intersecção desses dois assuntos, a política e a religiosidade, estouram cotidianamente as “bolhas” construídas pelas mídias sociais ou grupos seletos e privativos de afinidade, proporcionando uma visão escancarada do que se publicamente defende. E são cobrados posicionamentos de maneira concomitante, não para que sejam alinhadas expectativas com relação à governabilidade e reverberações morais, mas para que rivalidades sejam reforçadas e círculos possam moldar-se pelas rígidas preferências. Em diálogos familiares ou descontraídas conversas, o ideal da escolha de um lado não proporciona que crenças sejam relativizadas ou convicções mescladas, demandando a recorrência da polarização.
Hoje, enxerga-se que a radicalização da defesa dos próprios princípios concede poderes à uma personalidade que, conscientemente, manobra massas para que sua conservadora influência proporcione governabilidade. E mesmo que não siga copiosamente os valores apregoados aos "fiéis" credores de sua imagética figura, a ideia de que alguém possa defendê-los na esfera política minimiza os deslizes cometidos ao longo do processo, o que concede perigo à reverberação de uma narrativa única, moldada para alcance dos que, inclusive, não faziam ideia de que governo e prerrogativas religiosas se conectariam, ou que uma figura pública possuiria apreço pela sua fé incondicional, mas condicionada.
No Brasil, investiga-se a ocorrência da polarização de identidades e opiniões políticas. Todavia, compreende-se que além da contemporaneidade, o assunto é historicamente uma raridade no Estado, levando em consideração o ideal de que o conflito seria como a oposição ao pensamento brasileiro, confeccionado na ideia do homem cordial fundado na aversão da guerra e radicalização. O rompimento desse ethos brasileiro é conteúdo de pesquisas acadêmicas e ainda instiga sociais considerações: seria ele a consequência de dois processos de impeachment, de escancaradas desigualdades sociais, da ampliação e popularização de ideais à extrema direita, além de desmedidas crises socioeconômicas?
A polarização política no contexto brasileiro, dada como a raridade do campo acadêmico, político e ainda midiático, adquiriu devida evidência com as eleições presidenciais no ano de 2014, na qual protagonizou a ex presidenta Dilma Rousseff e a figura pública estadista de Aécio Neves. Inaugurou-se assim um histórico acirramento de competições eleitorais, com enfoque no protagonismo partidário do PT e do PSDB, reverenciados no momento mencionado como os maiores partidos políticos brasileiros, constatando-se uma narrativa de vinte anos de poderes intercalados e/ou rivalizados. E dessa maneira, enxerga-se que o processo de polarização foi iniciado nessa ótica construída de petistas versus tucanos.
Todavia, a série de ocorrências que sucederam a eleição presidencial discorrida, como o escândalo da Operação Lava Jato, as reivindicações populacionais com as manifestações que desencadearam publicamente o processo de impeachment no ano de 2016 e, mesmo a expressiva ascensão da extrema direita que elegeu o ex presidente Jair Bolsonaro, são hoje porquês para as indagações de um fenômeno hodierno: o partidarismo negativo. Em resumo, o conceito é apoiado na ideia de identidade social, que define a polarização no campo político como a consequência de sensações/concepções positivas e/ou negativas para grupos e indivíduos. Assim, sentimentos petistas negativados produzem oposição.
E os famigerados diálogos que discursavam que o “Gigante”, figurativo ao Brasil, havia acordado, foram acompanhados de frustradas prerrogativas amarguradas que gestaram o processo de personificação do “òdio” a um partido político, representados pelo próprio antipetismo. E, aliados à ausência de consciência de classe e ao desconhecimento do processo e sistema político do Estado em sua amplitude, a ferida da representatividade foi “sarada” com a substituição da avaliação consciente de propostas de governo para uma fiel crença de que o conservadorismo personificado em um indivíduo designaria lealdade à fé e benesses seriam concedidas pela valorização da moralidade e “cidadania de bem”.
No senso comum do partidarismo negativo, compreende-se que a insatisfação quanto às políticas públicas possui papel significativo para as modificações desmedidas na opinião pública. E dessa forma, a oscilação do apreço pelo liberalismo ou conservadorismo na sociedade é nivelada pelo acréscimo ou a diminuição do contentamento quanto aos feitos e realizações governamentais. Porém, considerando a influência da religião na construção do pensamento político contemporâneo e a ideologia do apego à verdades dadas como absolutas, a exibição de planos governamentais e equalização de demandas já não mais supre a aspiração pela personificação da moralidade em uma dissimulada figura política.
Em síntese, a representatividade polarizada é corpórea e messianicamente conflagrada.
Aline Batista dos Santos Silva
Graduada em Relações Internacionais (Bacharelado) pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (Com Bolsa 100% pelo Programa Universidade para Todos - PROUNI) | Pesquisadora Acadêmica no Programa de Iniciação Científica - PIVIC (2017; 2018; 2019 e 2020) | Monitora Acadêmica das Disciplinas de: "Finanças Internacionais" (2018.2); "Economia Brasileira Contemporânea" (2019.1); "Eventos e Extensão" (2019.2); "Geopolítica e Geoestratégia" (2020.1); "Fundamentos da Economia" (2020.1) | Analista Internacional | Educadora para a Transformação e o Impacto Social | Pesquisa Acadêmica | Gestão de Projetos e Negócios Sociais |
● Bibliografía:
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nas eleições presidenciais brasileiras”. Opinião Pública, Campinas, vol. 24, n° 1, 2018.
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