A reascensão da China e seu projeto de globalização
Roberto Tadeu da Silva
A China é uma das civilizações mais antigas do mundo, suas riquezas econômicas, culturais, científicas e tecnológicas, foram descritas por viajantes e comerciantes, despertando o interesse e a cobiça de vários povos. Era vanguarda do desenvolvimento entre os países, tendo, inclusive realizado grandes viagens marítimas aos Continentes Americano e Africano. Segundo ARAÚJO (2016), eventualmente, poderia ter colonizado a América.
Além de ter sido a maior economia do mundo ao longo da maior parte da história dos últimos três mil anos, a China detinha, até o século XV, a maior renda per capita do mundo e a liderança em termos de inovação tecnológica. Embora a renda per capita do continente europeu tenha superado a chinesa por volta de 1500, a China continuou a deter o maior produto nacional até começos do século XIX. Em 1820, por exemplo, o produto chinês correspondia ainda a 30% do produto mundial (ARAÚJO, 2016, p. 17).
Para comercializar seus tecidos, criaram, a partir de 100 a.C., um caminho que atravessava a Ásia Central, o norte da Índia, a Mesopotâmia e chegava ao Mediterrâneo, na região da atual Síria, conhecido como a Rota da Seda. Por razões diversas interrompeu sua ascensão externa, iniciando o processo de declínio. Muitas vezes, no decorrer de décadas, esse processo foi marcado por graves conflitos internos, bem como invasões estrangeiras, promovidas principalmente por Inglaterra, França e Japão, quando essas potências tentavam impor seus interesses econômicos pela via militar.
A reascensão chinesa teve início no período final da Guerra Fria, quando o país reinicia o seu processo de desenvolvimento econômico. Nesse contexto foram gestadas as iniciativas de integração econômica regional, onde China tenta fortalecer e ampliar sua posição de potência econômica regional, mas principalmente projetar esse poder globalmente.
Como no passado, potências ocidentais visam impedir a ascensão chinesa e sua influência regional e global, nesse sentido, a estratégia americana de contenção e cerco militar, fortalece a política de integração regional. Geopoliticamente, a ocupação da Ásia Central pelos Estados Unidos, teve como intuito inviabilizar o crescimento e a influência chinesa, negando o acesso da China aos recursos petrolíferos e a cooperação com o Paquistão e a Índia.
Além dessa abordagem, o ocidente, historicamente, tenta desconstruir a dinâmica do desenvolvimento chinês por meio da disseminação de informações com viés etnocêntrico e de caráter ideológico, que tem o objetivo desacreditar o potencial da modernização da economia, do desenvolvimento e da inserção internacional do país. Questões culturais corroboram para ampliar a falta de entendimento existente no ocidente sobre a China e o seu processo de desenvolvimento.
Com o objetivo de romper o cerco imposto pelos Estados Unidos e seus aliados, a China usa a estratégia da integração regional. Por isso, o país se empenhou em iniciativas de integração, onde as duas mais relevantes localizadas na Ásia, são a Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), grupo político, econômico e militar formado pela China, Cazaquistão, Quirguistão, Rússia, Tadjiquistão, Uzbequistão, Índia e Paquistão e a Nova Rota da Seda.
A Nova Rota da Seda visa unir economicamente o Oriente ao Ocidente sob a influência chinesa. Em sua proposta, será constituída por seis corredores econômicos internacionais, são eles: a) China-Mongólia-Rússia, b) New Eurasian Land Bridge, c) China-Ásia Central-Ásia Ocidental, d) Bangladesh-China-Índia-Mianmar e China-Península Indochina e China-Paquistão. Segundo Pautasso e Ungaretti (2017), essa iniciativa:
representa uma ampliação e aprofundamento de proatividade da China na configuração da dinâmica de integração regional. Antes centrada num vetor a leste (ASEAN+1) e outro a oeste (OCX), agora alcança grande parte da Europa, Oriente Médio e até África. É nitidamente um transbordamento do protagonismo diplomático chinês e um alargamento do sistema sinocêntrico. E, naturalmente, assumir maior protagonismo implica em definir novo escopo de prioridades e lidar com os novos conflitos de interesses decorrentes dessas responsabilidades ampliadas. (PAUTASSO, UNGARETTI, 2017, p. 28).
Essa iniciativa está pautada nas potencialidades do país principalmente a disponibilidade de capital financeiro para investimento por meio de seus bancos e outras instituições financeiras, a capacidade de sua indústria de base (construção civil, máquinas e outros) e a expertise de seus serviços de engenharia. Ao oferecer esses benefícios a outros países ou blocos, a China ultrapassa barreiras abordando aspectos onde os seus interlocutores apresentam menor resistência, pois todos querem construir sua infraestrutura com financiamento e apoio técnico especializado a baixo custo.
De acordo com PAUTASSO (2018), a China enfatizando a integração Euroasiática,
tem como consequência o aprofundamento do sinocentrismo. Pode-se considerar que esse é uma versão chinesa de globalização, onde por meio da criação de infraestrutura a China pode internacionalizar suas empresas, tornar o yuan mais conversível, desse modo, oferecendo uma alternativa ao sistema de financiamento do ocidente. Implementado esse modelo, a China passará a ter influência geopolítica sobre os países e havendo a consolidação das infraestruturas financiadas pelo mundo, estarão consolidados também as rotas e fluxos de mercadorias. A ampliação do comércio decorrente desse contexto, criará um efeito gravitacional onde as economias menores gravitam ou gravitarão em torno da economia chinesa. A estratégia da infraestrutura e do financiamento impulsiona o sinocentrismo que por sua vez, impulsiona o efeito gravitacional da China primeiramente sobre a região mais próxima e depois, gradualmente, para mundo. (PAUTASSO, 2018, p. 41).
Porém, de acordo com PAUTASSO e UNGARETTI (2017), a estratégia de implantar complexos de infraestrutura (portos, estradas, usinas, aeroportos) aumenta a possibilidade de gerar conflitos por recursos naturais, graves problemas ambientais, ações desestabilizadoras diretas ou indiretas de outros países, sabotagem e outras formas de conflito, além de crises econômicas.
Para PAUTASSO e UNGATTI (2017), na implantação a longo prazo da iniciativa a Nova Rota da Seda, a China tem como desafios e oportunidades:
• a redução das assimetrias entre as regiões costeiras e interioranas e o combate aos “três males”; • a modernização e construção de infraestrutura de transportes na Eurásia; • a criação de demanda para o excesso de capacidade industrial da China; • a diversificação das fontes e rotas de importação de recursos energéticos, naturais e de alimentos; • o apoio à internacionalização de empresas estatais e não-estatais do país e da internacionalização do renmibi (RMB); •a coordenação das dinâmicas políticas na Eurásia.
O poder de financiamento chinês, aliado à sua grande capacidade técnica para fornecer infraestrutura e a sua diplomacia assertiva baseada em ações indiretas, ampliam o fluxo de pessoas, ideias e mercadorias, que impulsionam o processo de integração, o efeito gravitacional da economia chinesa e a criação de um sistema sinocêntrico, conferindo à China a liderança sobre o processo de integração euroasiática.
A gradual ascensão da China ao posto de principal potência econômica mundial é evidenciada pela sua postura mais atuante no cenário internacional, bem como na expansão e modernização de seu poder militar, principalmente com o objetivo de defender seus interesses e de projetar o seu poder perante os países da região do mar da China Meridional. Além desses aspectos o país tem ampliado sua participação na governança do Sistema Internacional, principalmente após as decisões do governo Trump de retirar os Estados Unidos de acordos comerciais e convenções climáticas.
A China oferece ao mundo um projeto alternativo de globalização, diferente do norte-americano, que possibilita a governança bilateral ou multilateral com os países interessados, o Estado tem um papel relevante no desenvolvimento e o capital é empregado na produção. Suas ações diplomáticas e políticas, visam favorecer o multilateralismo em detrimento de um Sistema Internacional liderado pelos Estados Unidos.
Referências
ARAUJO, Régis Zucheto. A influência do setor empresarial no modelo de desenvolvimento da República Popular da China (2000-2015). 2016. 65 f. (Monografia)-Faculdade de Ciências Econômicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2016.
PAUTASSO, Diego; UNGARETTI, Carlos Renato. A Nova Rota da Seda e a recriação do Sistema Sinocêntrico. Estudos Internacionais, Belo Horizonte, v. 4, n. 3, p. 25-44, 2017.
PAUTASSO, Diego. Rússia e China: reemergência e interação mundial (disciplina 04). Porto Alegre: UFRGS/ CEGOV, 2018.
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