Luis Augusto M. Rutledge
Analista de Geopolítica e Energia
A recente expansão do Brics representa uma nova ordem global. O crescimento do grupo de países, originalmente representado por China, Rússia, Brasil, Índia e África do Sul, aumentou o poder econômico do bloco e exercerá a partir de agora um enorme contrapeso ao domínio das alianças ocidentais do G7, grupo que reúne as economias mais fortes do mundo.
Ao inserir a força de alguns países do MENA (Oriente Médio e Norte da África), o Brics fortalece as bandeiras de países árabes e africanos na multipolaridade emergente no mundo, e mais ainda, demonstra a intenção de um alastramento nas cooperações com nações do Sul Global.
Foram mais de 20 países, com solicitações formais em sua maioria, querendo integrar o grupo do Brics. Por fim, países aceitos de envergaduras políticas e econômicas díspares, casos de Irã e Argentina, forçam análises mais profundas na nova configuração geopolítica do Brics.
De imediato, a expansão adiciona pesos econômico e estratégico ao Brics. A articulada adição de alguns membros, em especial Irã e Egito, apresentam contornos de um alinhamento geopolítico e visão pragmática do grupo. Além dos países já citados, Arábia Saudita, Etiópia e Emirados Árabes Unidos completam o grupo.
A expansão do Brics está adicionando diversidade geográfica, econômica e ideológica que poderia, em princípio, torná-lo mais fragmentado. Ao contrário, estará mais coeso. China e Rússia usarão o Brics como uma ferramenta alternativa ao sistema global vigente e os demais países do grupo manterão o foco no fortalecimento de laços econômicos. Além disso, vale destacar que Irã, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos têm governos autoritários alinhados aos de Rússia e China e blindados às críticas ocidentais aos seus hábitos de governo.
Embora os critérios para selecionar novos membros ao time do Brics não sejam explícitos, as escolhas são estrategicamente pensadas. Assim sendo, a transformação do Brics em um bloco econômico comum facilitará a troca de bens e serviços, e facilitará o desejo de alguns líderes de Estado de construir um sistema cambial independente da moeda americana.
No campo energético, a adição de importantes países produtores de petróleo é uma delas. Com a nova composição do Brics, 42% da produção mundial de petróleo estará nas mãos do bloco. E, transportando para o mercado global o cenário ficará mais acentuado. Índia, China e África do Sul importam petróleo, enquanto Irã, Arábia Saudita, Brasil e Emirados Árabes Unidos produzem. Esta formatação criará uma dinâmica impensável no mercado das principais commodities globais.
A expansão dos Brics pode ter implicações importantes para o investimento e comércio de energia, uma vez que reúne grandes detentores de recursos minerais e grandes produtores de petróleo, no momento em que o mundo caminha para uma transição energética que exigirá utilização das mais variadas fontes de energia.
Nesta linha de pensamento, a adição da Argentina fortalecerá maior segurança energética crítica para o Brics. Possuindo, a terceira maior reserva de lítio do mundo, a Argentina posicionará o bloco com três dos cinco maiores produtores deste mineral disponível no mundo.
De forma coordenada os países do Brics estão trabalhando para proteger e fazer uso dos minerais críticos essenciais para a descarbonização e sua consequente transição energética. Os países do Brics já fazem algum tempo o uso de restrições às exportações dos minerais considerados essências para a tecnologia utilizada para geração de energia eólica e solar. A China, por exemplo, oficializou a restrição à exportação de 35 minerais críticos, enquanto, a Índia fez restrição de 32 aos seus minerais estratégicos.
Entre os objetivos energéticos principais do bloco está a integração da cadeia energética, onde fontes fósseis e renováveis estejam disponíveis para o crescimento dos países membros e a parte das crises políticas que interferem no suprimento energético global.
No contexto político, os quatro membros do MENA adicionados pelo Brics mostram a amplitude geopolítica alcançada pelo bloco. No momento em que a relação entre Irã e Arábia Saudita vive momentos amenos e que certa estabilidade estrutural se observa na região do Golfo, o Brics, neste caso específico representado pela China, foi certeiro ao puxar as riquezas de petróleo para seu lado.
Muito embora, Egito, Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos possuam uma amigável relação com os Estados Unidos e o Ocidente, ao estenderem as mãos à Rússia e a China, promovem um equilíbrio de forças impensável após a guerra da Ucrânia.
Brasil e Índia mantêm laços cordiais com o Ocidente através de suas respectivas políticas externas, enquanto China e Rússia podem interpretar o papel do bloco de forma diferente, particularmente no contexto atual. Em meio à escalada das tensões entre a Rússia e o Ocidente, a inclusão do Irã ao grupo poderá ser interpretada como resposta direta às regulamentações vindas de Washington.
O Irã por sua vez, a partir de seu ingresso ao Brics, espera por uma abertura de suas relações internacionais, tanto no campo político, econômico e fiscal. Em termos puramente econômicos, o Brics representa para a Irã imensas oportunidades de se abrir novamente. O bloco representa quase 40% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial com novos integrantes e se torna mais representativo no ponto de vista econômico. O país, atingido por pesadas sanções e isolamento econômico encontra no bloco econômico um mercado de portas abertas às finanças iranianas. O país é uma importante aliado estratégico localizado no centro geográfico entre Europa, Ásia e África. Possui riquezas petrolíferas e de minerais críticos, e um alinhamento político com China e Rússia. À margem do bloco econômico, Teerã está comprometido com Pequim no fortalecimento da parceria estratégica na promoção da Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI, na sigla em inglês). O projeto tem por objetivo o desenvolvimento de projetos de infraestrutura na Ásia, África, Europa e América do Sul.
O Irã é um grande mercado com grandes relações comerciais com países do Brics, incluindo o Brasil, e crescerá ainda mais para potências econômicas globais como China, Rússia e Índia.
Desde sua origem em 2001, o grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul emergiu como um bloco de extremo peso econômico e influência geopolítica. A cúpula realizada em Joanesburgo apresentou sua visão de um mundo multipolar por meio da expansão dos países membros e da construção de uma nova arquitetura financeira não dependente do dólar americano.
A inserção da geopolítica do Oriente Médio ao Brics, deixando países asiáticos de fora, mudará a percepção de pouca relevância que os Estados Unidos e o bloco europeu têm do inchado bloco econômico. Com certeza, a investida robusta dos Estados Unidos na região asiática contrasta com a pouca receptividade à entrada destes países ao grupo. Os Estados Unidos continuam a ser o principal país investidor na região, representando 19% do estoque de investimento estrangeiro direto nos países da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), em comparação com apenas 3% para a China (8% se Hong Kong for incluída).
Os países integrantes da ASEAN, Brunei Darussalam, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã, deverão buscar o crescimento econômico através de tratados bilaterais com países não membros da associação asiática. O bloco econômico do Brics deverá permanecer nesta formatação por algum tempo.
De certo, o G7 encontrará a partir de agora, um rival que irá questionar o status quo da geoeconomia e a geopolítica mundial. Pontos de extrema relevância como a Guerra da Ucrânia, sanções econômicas ao Irã e a exclusão do dólar americano para acelerar o uso de suas moedas locais para liquidar transações comerciais e de investimento entre si, sofrerão a pressão dos pilares erguidos pelo Brics.
Diante desses resultados, novos ventos na dinâmica geopolítica estão a caminho.
*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e analista de geopolítica e energia. É pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no setor de energia.
Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal e consultor do CERES - Centro de Estudos das Relações Internacionais. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Especialização em Relações Internacionais pelo Ibmec. É comentarista de geopolítica energética do site Mente Mundo Relações Internacionais, colunista de Geopolítica Energética no Jornal Zambeze de Moçambique e colaborador de colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área. Contato: rutledge@eq.ufrj.br
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