As pérolas opacas da coroa espanhola e a crise da monarquia

A família real espanhola durante muito tempo foi considerada um modelo exemplar de conduta para as demais monarquias da Europa.
Restaurada após a morte do ditador Francisco Franco com a proclamação de Juan Carlos I como rei da Espanha. O jovem rei logo formou família com a princesa Sophia de Grécia, unindo dessa forma antigas dinastias europeias, por um lado os Burbons e os Orleans relacionados às casas de Espanha, Portugal e França e por outro os herdeiros da Grécia, Austro-Hungria e Dinamarca, seu casamento foi conhecido como “A cerimônia das 3 coroas”.
O papel do monarca espanhol foi fundamental durante a transição da ditadura para a democracia e os esforços do governo espanhol em recuperar a credibilidade no panorama europeu e até mesmo para ajudar na estabilidade interna espanhola. O rei é o chefe de Estado e símbolo do reino espanhol, de modo que suas andanças e festas, ainda que conhecidas, eram pouco ou nada divulgadas. Também havia um acordo tácito entre as autoridades para manter seu status quo.
Por outro lado o labor social da família real era impecável, a Associação Príncipe de Astúrias se transformou em uma das principais instituições ibero-americanas de fomento a cultura, assim como a Fundação Reina Sophia, que é conhecida pelo museu que abriga grandes obras espanholas como o quadro Guernika de Picasso.
A figura do príncipe Felipe de Astúrias sempre contou com maior exposição e relevância do que a de suas duas irmãs pelo fato de que uma antiga e ambígua lei espanhola, conhecida como lei Sálica, proíbe o acesso ao trono das filhas do monarca, sendo as irmãs de Felipe de Astúrias consideradas infantas da Espanha, e não princesas como muitos acreditam, embora ele seja o mais novo, atrás da Infanta Helena e da Infanta Cristina.
O príncipe da Espanha sempre foi usado como uma importante ferramenta diplomática e uma espécie de Soft Power monárquico melhor aceito do que a presença de um rei por gerar um ambiente mais flexível e menos pomposo, principalmente na América Latina.
A Monarquia espanhola sempre tratou de manter uma determinada coesão no Estado espanhol, participando muito pouco na política interna do país, exceto em atos cerimoniais e obras culturais, assim como eventos da própria família – pensados em fomentar essa união com o povo, como pode ser interpretado o casamento da Infanta Cristina na cidade de Barcelona em 1997 com o jogador de handball Iñaki Urdangarin, recebendo o título de Duquesa de Palma.
A reputação da família era boa e o movimento republicano sempre foi pouco expressivo. Mas… Com a crise financeira os problemas chegaram à Espanha e logo bateram nas portas do Palácio Real de Madrid, como cidadãos na tomada da Bastilha.

No início da crise econômica espanhola, o rei Juan Carlos I foi encontrado caçando elefantes em Botswana acompanhado de uma mulher que seria sua amante. A população se irrita com os gastos do monarca embora todos já sabiam do histórico do regente. Mas este evento não foi algo isolado, como acontece em tempos de revolução, logo a Infanta Cristina, a filha do meio e a mesma que havia sido casada em Barcelona em uma cena de conto de fadas, estava envolvida em uma trama de corrupção na qual também participava seu marido e antigo ídolo de esporte nacional.
A população ficou revoltada, não somente pelos gastos do monarca em plena crise como também pelo fato de que uma das infantas da nação estava envolvida no desvio de milhões de euros – e a justiça, atada por causa dos privilégios que envolvem a infante, apenas se mobilizava enquanto centenas de pessoas eram cruelmente cobradas pelo lado mais rigoroso da crise, sendo expulsas de suas casas por não poderem honrar suas dívidas hipotecárias.
O povo espanhol, a plebe, voltou a ver a realidade. A televisão já não mostrava as festas, cerimônias e casamentos fantásticos da monarquia, mas o trato diferente dado pela justiça à população e aos nascidos em berços nobres.
O rei Juan Carlos I abdicou em 2014, deixando para seu filho o atual Rei Felipe VI um fardo muito mais pesado do que honrado. A Espanha em plena crise financeira, a monarquia enfrentando a pior crise desde sua restauração, os movimentos nacionalistas ganhando força e uma onda esquerdista varrendo o país e uma Europa debilitada pelas mudanças no sistema internacional…
A passividade da legislação espanhola jamais condenou a princesa de fato. Seu marido recebeu a proposta de ir trabalhar no Catar e não sobrou outra solução para o atual rei além do que retirar os privilégios de sua irmã para acalmar os ânimos.
E a coroa que já foi uma das primeiras a lustrar a cabeça de um monarca em um estado Moderno pode ser a primeira em cair em uma Europa antiquada e em crise onde ventos modernos fazem tremular as bandeiras das nações, como um dia aconteceu na Bastilha.
Imagens:
Coroa Espanhola fonte: Archivo Público nacional de España.
Trono Espanhol Fonte: divulgação Casa Real Espanhola (público)
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