Canal do Kra: O “canal de Suez” asiático
A ideia do Canal Kra ligando os oceanos Índico e Pacífico remonta a mais de 300 anos e seria comparável em tamanho aos canais de Suez e Panamá. O Canal de Suez tem 192 km e o Canal do Panamá tem 77 km, e a rota preferida do Canal Kra é de 128 km. O canal tailandês, também conhecido como canal do Kra ou canal do istmo de Kra, refere-se a várias propostas para a construção de um canal que ligaria o golfo da Tailândia ao mar de Andamão criando uma passagem marítima entre eles. O projeto tem potencial de maximização comercial para Bangkok pois cria uma alternativa marítima mais curta (1.100kms) do que a atual no estreito de Malaca.
Como ligação entre o Oceano Índico e o Mar da China Meridional, o Estreito de Malaca é a rota marítima mais curta entre a Índia e a China, portanto, um dos canais de navegação mais movimentados do mundo. Mais de 200 navios passam por ele diariamente com uma taxa anual de mais de 70.000, transporta 80% do petróleo do Nordeste da Ásia, bem como um terço de todos os produtos comercializados do mundo, incluindo produtos chineses fabrica, café indonésio, etc.
Defensores da construção alegam que o canal pode reduzir em até dois dias o tempo em que as cargas levam atualmente e isso impacta diretamente nos custos de todo comércio global e que o país que é altamente dependente do turismo e da exportação poderia diversificar sua receita e investir em tecnologia.
Já quem é contra alega o alto custo e de gestão desse tipo de projeto, assim como o problema geopolítico de dividir o país em dois mesmo que simbolicamente. A região sul da Tailândia conta com movimentos separatistas quem podem se animar para a luta armada ao ver uma fissura do resto da nação.

O que ambos os lados concordam é que a construção vai afetar o equilíbrio no que tange ao conflito EUA X China de uma forma ou de outra, independentemente de quem financiará os US $28 bilhões mais custos frequentes com dragagem e acreditam também que um projeto desse tamanho requer longos anos de estabilidade política, o que não é o forte do país. A Tailândia teve cerca de 13 golpes de Estado, outras 9 tentativas frustradas e cerca de 20 constituições desde a Primeira Guerra Mundial.
Um investimento de infraestrutura alternativo que o governo estuda é a criação de uma ligação ferroviária e rodoviária que conectaria dois portos, um em cada lado do país exatamente na mesma região onde seria o canal. Ele custaria cerca de US $ 5,3 milhões e faria o traslado no lugar do mega-projeto. A Tailândia começou a construir uma Rodovia no istmo Kra na década de 1990, foi concluída e o corredor tem espaço suficiente para ferrovia e oleodutos, mas não foi conectada a um porto.

Geopolítica
O assunto é sensivel por questões mais profundas do que a meramente financeira. A China já se ofereceu para construir o canal como forma de ficar menos vulnerável geopoliticamente, alguma manobra militar internacional que feche o estreito de Malaca e ela sofrerá graves desabastecimentos.
Em 2016, 80% do abastecimento de petróleo da China passou pelo Estreito de Malaca, se a Índia o controlasse, a China perderia o acesso a uma artéria vital para o comércio global e os navios chineses teriam que fazer uma rota mais longa que poderiam aumentar seus custos em mais de US $ 64 milhões semanalmente.
Quando o assunto volta ao noticiário internacional a Índia diz abertamente que o projeto pode virar um grande elefante branco e que a Tailândia está sofrendo um golpe da diplomacia do endividamento, ou seja, o ato de pegar grandes empréstimos chineses, nao ter como pagar e ceder suas estatais como troca, o que vem sido chamado também de imperialismo comercial.
A Índia, histórica antagônica dos chineses, que também tenta ser um forte player regional e é a décima parceira comercial da Tailândia acredita que caso Pequim o construa, sua influência será ainda maior no comércio mundial. Por outro lado, caso os EUA ou financiamentos como do Banco Mundial entrem em cena, quem vai pressionar Bangkok são os chineses alegando interfêrencia extra-regional.
A China é a segunda maior parceira comercial da Tailândia e os EUA ficam na liderança, em sexto vem a Malásia e em nono Cingapura, ambos países que seriam fortemente impactados com a construção do canal. O estreito de Malaca é de responsabilidade de Indonésia, Malásia e Cingapura que têm suas economias fortemente atreladas ao “monopólio” do trajeto, uma alternativa afetaria diretamente suas balanças comerciais.
Em fevereiro de 2018 um jornal local tailandês fez uma enquete sobre a construção e chamou membros do governo e da realeza para debater o assunto, a mera discussão entre membros importantes gerou uma polêmica regional quando o porta-voz do governo disse apenas que todas as opções são estudadas.
Em resposta, as agências de notícias do governo na Malásia e Cingapura publicaram na mesma semana suas próprias versões truncadas sobre o evento e seus desdobramentos, a rapidez e o foco nos pontos negativos do projeto demonstram a grande preocupação das duas nações. Estudos recentes apontam que a partir de 2025 o Estreito de Malaca não dará conta do aumento do comércio mundial e a Malásia está investindo em outros portos para atentar suprir essa demanda.

Separatismo regional
Em 2017, o Crisis Group, um dos maiores think thanks de Relações Internacionais do mundo fez uma matéria especial sobre a região sul da Tailândia, região de Patani. O relatório alerta para um forte risco de aumento de atividades insurgentes, mas sem grandes probabilidades de envolvimento do Estado Islâmico (ISIS). O movimento é islamista, separatista, pratica atos considerados terroristas, mas não é adepto do jihadismo.

Os líderes religiosos muçulmanos locais, tanto tradicionalistas quanto reformistas, rejeitam esmagadoramente a ideologia jihadista salafista que a corrente predominante em grupos como ISIS e pela al-Qaeda e propagada basicamente na Arábia Saudita.
Desde 2004 mais de 7 mil pessoas morreram na região vítimas desses conflitos, o grupo sugere que o governo trate a resolução do problema como prioridade. Negociações e um governo regional mais autônomo podem ser a base para a paz.
Conclusão
A Tailândia tem uma conta complicada para fazer: Balancear a necessidade econômica, o risco geopolítico e a insatisfação popular. Atualmente o país passa por uma turbulência política fruto do golpe militar de 2014 que desaguou em um raro movimento contra a família real. Manifestantes pedem eleições livres, nova constituição e uma parcela quer o fim da realeza.
A situação econômica também não é das melhores, o lockdown severo de longos meses destruiu uma economia já fraca por depender muito do turismo. O crescimento de 2018 foi de 4,2% e de 2,4% em 2019, uma taxa baixíssima em comparação aos seus vizinhos. Os principais motores da desaceleração do crescimento foram a demanda mais fraca por exportações, refletindo o impacto das tensões comerciais EUA-China, desaceleração dos investimentos públicos e uma seca, afetando a produção agrícola.
A pobreza diminuiu substancialmente nos últimos 30 anos, de 65,2% em 1988 para 9,85% em 2018 (com base em estimativas nacionais oficiais). No entanto, o crescimento da renda familiar e o crescimento do consumo estagnaram em todo o país nos últimos anos e a desigualdade aumentou.
O desemprego em larga escala que deverá chegar em 2021 pode potencializar os protestos, a insatisfação popular e tornar o país refém dos interesses geopolíticos das potências mundiais e dos vizinhos em melhor situação.

Valter Peixoto Neto, formado em Comércio Exterior (Unibr), pós-graduado em Relações Internacionais com ênfase em Diplomacia (Unisinos). Trabalha com remessas internacionais em uma casa de câmbio e faz pesquisas independentes sobre o Sudeste Asiático. Possui site e podcast onde procura difundir e democratizar o debate e o conhecimento na área de Relações Internacionais.
Referências
https://www.cnbc.com/2019/08/20/why-does-thailand-have-so-many-coups.html
https://www.nationthailand.com/noname/30316132
https://www.globalconstructionreview.com/news/thailand-mulls-replacing-28bn-kra-canal-idea-railw/
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