top of page
  • Foto do escritorCERES

Cidadão de bem… será?

Nos últimos anos a denominação “cidadão de bem” se transformou em um epiteto muito utilizado por parte da sociedade, já que supostamente representa a uma parcela da população que cumpre com suas obrigações cidadãs, mantém os valores da sociedade, é contraria a corrupção e deseja um país melhor e próspero, valorizando a identidade nacional e seus recursos... Porém será que isso é verdade?


A polarização que divide a sociedade brasileira, gerou uma série de subterfúgios e uma série de conceitos que foram cristalizados no tempo... assim mesmo, elementos identitários tais como as cores da bandeira nacional e a camiseta da seleção de futebol, foram apropriadas por parte da sociedade, da mesma forma que o cocar dos índios, a bandeira LGBTQI+++ , feminismo e as lutas raciais, por outra parte...


Muitos são as desculpas usadas pela população, seja a pandemia e o lockdown, seja uma suposta conspiração globalista que controla as organizações Internacionais, todas elas com o objetivo único de defender cegamente o partidarismo alimentado por doses ingentes de populismo.


Mas, o que significa ser um “cidadão de bem” em uma democracia e em um estado de direito?


O cidadão de Bem é aquele que tem ou mantém uma “Boa conduta”, aquele que é “Bom” para a sociedade... Si levarmos em consideração a definição da palavra bom:


BOM. Que corresponde plenamente ao que é exigido, desejado ou esperado quanto à sua natureza, adequação, função, eficácia, funcionamento etc. Moralmente correto em suas atitudes, de acordo com quem julga. Que corresponde aos padrões aceitos pela comunidade quanto a características físicas ou de funcionamento. Que desempenha bem sua função ou papel, de acordo com as expectativas do meio em que se insere. Que é misericordioso ou indulgente; magnânimo, caridoso.

Somente com a definição já detectamos alguns paradoxos inerentes dos grupos que fazem uso de tal epiteto... Ao final, qual é a base que usam para definir o que é moralmente correto e quais são os padrões aceitos?... Acaso são aqueles estabelecidos pela constituição? Onde se estabelece uma igualdade e a não discriminação em razão da raça, gênero, classe social, religião ou visão de mundo, ou se baseiam em preceitos religiosos que determinam a moralidade de um grupo? Assim mesmo, podemos nos questionar sobre o papel que um individuo desempenha na comunidade, acaso não se trata de suas obrigações como cidadão na luz da constituição? Ou usa como base os dogmas de determinadas religiões?


Si a constituição reconhece a igualdade de obrigações e direitos, qual motivo leva a uma pessoa que se autoproclama cidadão de bem, limitar as liberdades individuais de outros cidadãos e seu acesso a determinados serviços e prestações? Por qual motivo um homossexual não pode adotar ou se casar, quando a própria constituição lhe confere este direito? Ou por qual motivo um transexual não pode ter acesso a uma série de direitos e serviços sanitários, quando o princípio de não discriminação é uma cláusula pétrea constitucional?


Talvez porque a norma seja interpretada dentro de uma visão que pertence a um determinado grupo que deseja se impor aos demais e determinar, desde seu ponto de vista particular, a moralidade do conjunto da sociedade...


Mas então surgem novas questões... Pois o que confere a um determinado grupo a supremacia e o domínio perante os outros? Qual é o motivo que leva a visão e interpretação cristã se impor ao resto da sociedade quando na constituição não é reconhecida como religião oficial e quando existem seguidores de outras religiões que formam o conjunto da cidadania?


Acaso a constituição que embora não confesse nenhuma religião, discrimina aqueles que não são cristãos? E pensando nessa religiosidade, o que acontece com aqueles cristãos, que não compartilham de uma visão criacionista do universo, mas defendem uma visão mais aristotélica dos preceitos religiosos... eles não contam?


Porém não tudo se resume a condição religiosa da população, outros elementos de fato são fundamentais no processo de conformação de uma identidade nacional, defendida pelo estado moderno e necessária para a consolidação de um leviatã chamado Estado.


Um cidadão afrodescendente está abaixo dos direitos sociais? Mesmo quando todos são iguais perante a Constituição? Muitos podem usar neste ponto as cotas raciais como uma desculpa para sua indiossicracia, denunciando uma suposta tentativa de se impor a sociedade direitos acima do resto, porém não é a mesma Constituição a que confere ao cidadão direitos e acessos a serviços? cuja população afro-descendente e também podemos adicionar aos povos indígenas, que foram historicamente marginalizados sendo a mesma constituição as que outorga ao Estado a capacidade de gerar leis para equilibrar a própria sociedade perante seus direitos e proteger aqueles cuja condição é menos favorável?


Em um dos maiores produtores de alimentos do planeta, 33 milhões de pessoas passam fome e mais de 50% estão em risco de pobreza, devido à alta dos preços da cesta básica, desemprego e o aumento da desigualdade social.


Por outro lado, os recursos nacionais cuja titularidade deveria ser o conjunto da nação, foram privatizados por um grupo de pessoas que ocupam o poder sem o consentimento explicito da sociedade, marginalizando ao povo dos benefícios que sem a devida tributação é destinado aos acionistas sem a contrapartida social.


Certo é que os resultados do agronegócio, são refletidos no PIB do país, sem embargo somente uma pequena parcela possuí o acesso a esse lucro, que muitas vezes é revertido em dividendos para o exterior ou em contas pessoais em paraísos fiscais. O resto da população fica “a ver navios” como diria o ditado português.


O acesso a saúde, segurança, moradia, educação e demais direitos recolhidos na constituição deveriam ser universais, e mesmo sendo lícito a sua privatização, a mesma deveria ser consensualizada com o resto da cidadania e somente seria moral, quando a população de fato tivesse poder adquisitivo o suficiente como para garantir seu acesso. Sendo fundamental a consciência de classes e reconhecer as desigualdades e assimetrias do país.


Sem embargo, privatizar serviços em um contexto de endividamento da população e alto desemprego é no mínimo contraproducente, já que mesmo aliviando as contas públicas por um lado, pelo outro aumenta as pressões no orçamento doméstico.


O Brasil é uma das 10 nações mais ricas do planeta, sem embargo a realidade de sua população dista muito do conjunto de nações desenvolvidas e acreditar que a venda do patrimônio nacional levará a um desenvolvimento conjunto da nação é uma falácia, já que o país não conta com os dispositivos legais e administrativos, nem com a vontade política e consciência social, para que de fato isso seja revertido na sociedade, mas bem fomenta a concentração cada vez maior de capital naqueles que possuí o poder de decisão e que controla os meios de produção.


Entre as funções do Estado Moderno, arrecadar, distribuir e alocar recursos é algo fundamental e que no Brasil vemos que não tem funcionado, principalmente ao reduzir os orçamentos de setores públicos e praticamente eliminar os programas de transferência de renda.


Então voltamos aos questionamentos sobre a natureza dos chamados “cidadão de bem”... são pessoas que visam a melhoria do conjunto da nação ou que desejam manter sua postura privilegiada e restringir o acesso da parcela mais carente da população a mesma? Pregam a meritocracia e a luta individual, porém apoiam a exclusão social ao limitar as prestações dos serviços públicos e estimulam a privatização deles, assim como são contrários a distribuição das riquezas da nação através de uma das próprias funções do Estado de alocar e distribuir recursos. Este bem que tanto pregam, é um bem ufanista, individualista e egocêntrico ou um bem comum?


A negação da própria realidade é para muitos um subterfúgio para este paradoxo, pois quando enfrentados com os fatos econômicos e sociais do país, preferem olhar para o lado ou responsabilizar a terceiros e nunca admitir sua parcela de culpa, já que isso levaria a aceitar sua própria contradição.


De modo que o verdadeiro cidadão de bem, é aquele que deseja o bem, não somente para si, mas para o conjunto da sociedade, sabendo que uma melhoria generalizada automaticamente representaria uma melhoria para sua própria condição. Defendendo o acesso de toda população aos serviços e lutando pela qualidade dos mesmos.


Sem embargo, o que vimos nos últimos anos, antes da eclosão da atual crise, foram pessoas auto-denominadas “cidadãos de bem” que se sentiam ameaçadas e incomodadas com a ascensão dos mais pobres e a divisão dos espaços... Vimos pessoas dizer que já não tinha graça ir para a Disney, já que seu porteiro também poderia ir... Vimos pessoas inconformadas com a presença de outras mais humildes em aeroportos, hipermercados, centros universitários renomados, clubes e shopping centers... Vimos pessoas incomodadas com a discussão de novos temas que permeiam outros setores da sociedade tais como direitos LGBT, Igualdade de gênero, diversidade religiosa... Até mesmo vimos pessoas atacar a um padre por fazer caridade...


Então volto a perguntar...Será que realmente são “cidadãos de bem” ou simplesmente querem o bem para si próprios...




Wesley Sá Teles Guerra, autor livros "Cadernos de Paradiplomacia" & "Paradiplomacy Reviews,the rise of the cities, subnations and Smartcities". Especialista em Relações Internacionais, Paradiplomacia e Smartcities.

PHd em Sociologia e Mudanças da Sociedade Contemporânea UNED-Espanha, Mestre em Políticas Sociais e Intervenção Sociocomunitária UDC-Espanha, Mestre em Gestão e Planejamento de Cidades Inteligentes UCM-Andorra, Pós-Graduado Ciências Políticas e Relações Internacionais FESPSP-Brasil.


NOTA: As opiniões expressadas neste artigo, são de autoria do escritor do artigo.

33 visualizações0 comentário
bottom of page