Dois níveis, dois erros

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As execuções dos brasileiros Rodrigo Gularte e Marco Archer Cardoso Moreira pelo governo da Indonésia foram muito noticiadas pela mídia brasileira. O ponto interessante das duas situações são os jogos de dois níveis – influências, diretas ou indiretas, entre as políticas internas e externas dos países – que foram desempenhados pelos dois países.
No caso brasileiro, há uma presidente enfrentando o início do ápice da crise institucional de seu governo, com indicadores econômicos preocupantes, uma popularidade baixíssima, um Congresso Nacional rebelde – com dois líderes que, apesar de pertenceram aos quadros do partido do vice-presidente, são os parlamentares mais espinhosos para o executivo – e uma investigação sobre diversos membros de seu partido e de seus coligados políticos.
Em abril, mês da execução de Gularte, o IPCA dos últimos 12 meses era de 8,17%; a aprovação (ótimo ou bom) de Dilma, segundo o Ibope, era de 12%; sua rejeição somava 64%; a taxa básica de juros era de 12,65% após, nos últimos 12 meses, passar por cinco altas; o dólar valia R$ 3,15 e a Lava Jato ia a todo vapor.
Na Indonésia, vemos um presidente recém-eleito que se legitimou nas eleições com uma plataforma de combate ao tráfico de drogas. O ex-governador de Jacarta, capital da Indonésia, Joko Widodo, eleito em julho de 2014, com 53% dos votos, assumiu o cargo em outubro do mesmo ano e implantou uma política bastante repressiva contra traficantes. Com forte apoio popular, ele havia prometido executar os condenados por esse tipo de crime. Antes disso, a nação asiática tinha ficado cinco anos sem execuções (2008-2013).
Voltando ao Brasil, a presidente Dilma respondeu às situações seguindo a Constituição brasileira, que não prevê a pena de morte e é classificada como humanista. Mas será que essa atitude foi a melhor em termos políticos?
A posição da presidente do Brasil colidiu com a do governo indonésio, que não abriu mão da prerrogativa de exercer sua autoridade dentro de seu território. Como resultado desse “confronto”, Dilma atrasou o recebimento das credenciais do diplomata da Indonésia e emitiu comunicados criticando a atitude daquele país.
Em resposta ao incidente diplomático, o país asiático quase desistiu de comprar oito, dos 16 aviões militares Super Tucano encomendados junto à Embraer, avaliados em R$ 15 milhões a unidade, e 80 conjuntos de lança-mísseis Astros, da Avibras, que custaram R$ 900 milhões. O embate entre as duas nações também promoveu a saída do embaixador indonésio do Brasil.
No jogo interno, Dilma apresentou por diversas vezes sua indignação à população brasileira. Nesse ponto, principalmente, há uma certa dúvida sobre o planejamento da líder brasileira. Em certa medida é possível analisar as ações da presidente como uma maneira de tirar o foco da sua delicada situação política
Em partes esse plano deu certo, o foco dos debates se virou para as execuções. Mas, à época, muitas pessoas se posicionarem a favor da condenação imposta aos brasileiros, defendendo que a mesma penalidade deveria ser usada no Brasil e que uma chefe de Estado não deveria gastar energia com um criminoso.
Em outubro de 2014, segundo pesquisa do Datafolha, 43% dos brasileiros eram a favor da pena de morte para crimes graves (tráfico de drogas e assassinatos). Apesar da redução – em 2007, 55% dos brasileiros eram a favor -, o total de cidadãos que se mostram simpáticos ao tema ainda é alto. Vale lembrar que esse mesmo eleitorado – 87%, segundo o Datafolha -, pede a redução da maioridade penal.
Esses dados levam a crer que a estratégia presidencial de retirada de foco da política interna e transferi-lo à externa não apresentou um resultado tão positivo quanto o esperado. Gastou-se muito tempo, energia e diplomacia; sendo que, talvez, não abordando o assunto uma boa parcela da população não a criticasse pelas atitudes. Os descontentes talvez focassem apenas no caso e a discussão cairia somente na posição adotada pelo governo indonésio, sem criar um comparativo imediato com a postura da presidente e a legislação brasileira.
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