Filipinas: As remessas como pilar da economia

Há quarenta anos, as Filipinas encontraram na exportação de mão de obra um recurso adicional para aumentar a receita do país em meio à crise do petróleo. Atualmente, pelo menos oito milhões e meio de filipinos vivem fora do país e suas remessas constituem um importante pilar na economia filipina. De acordo com o estudo de migração e remessas do Banco Mundial, as Filipinas receberam U$ 28 bilhões em remessas em 2014, o que representou 10% do PIB. As projeções da instituição é de que o índice terá um acréscimo de 2,8% em 2015.
A economia filipina tem resistido às recessões globais de maneira mais exitosa que seus vizinhos na região. Isso se deve à exposição mínima a títulos internacionais com problemas, consumo interno mais resistente, menos dependência de exportações, além das remessas vindas do exterior. A somatória destes e de outros fatores fez com que em 2014 o PIB do país crescesse 6,4%.
Todavia, há quatro décadas a realidade não era tão otimista. Devido ao choque do petróleo (1973) as Filipinas – extremamente dependentes desta commoditie – não conseguiam mais gerar empregos. Já os países produtores de petróleo do Golfo, porém precisavam de trabalhadores dispostos a encarar o enorme desafio de servirem como executores em enormes projetos de infraestrutura.
O governo filipino então, se aproveitou da oportunidade e institucionalizou a política emigratória do país. Um programa de empregos no exterior foi incluído no código de trabalho filipino de 1974 (Falck, 2000). Em 1975, ano do início da regulamentação, o número de filipinos que saíram do país com a finalidade de atuar profissionalmente foi de 36 mil. Em 1977, as remessas destes emigrantes representaram 1,7% do PIB.
Para manter o controle e organizar a saída dos filipinos, o governo criou a Agência de Administração Filipina de Emprego no Exterior, que é responsável por organizar os contratos, a emissão de vistos e intermediar o recrutamento das empresas privadas.
A estruturação do processo foi necessária devido a complexidade do país, que é composto por um conjunto de 7 mil ilhas – além de um povo com diversidade étnica e linguística. Este aspecto se deve ao foto de que primeiro as Filipinas foram colônia espanhola entre 1521 e 1898, depois americana de 1898 a 1942. O país foi ainda colônia japonesa até 1945, para enfim se converter em país independente em 1946.
Mesmo depois de se tornar um país soberano, as Filipinas tinham uma economia baseada na agricultura, sem fabricação de bens manufaturados. O processo de substituição de importações para proteger a indústria demorou e só aconteceu em 1970. Na época, o parque industrial era completamente deficiente (Falck, 2000). Porém, com um mercado interno pequeno não foi possível desenvolver a indústria.
Na metade dos anos 1980, a economia voltou a crescer com a abertura econômica feita pelo governo. As Filipinas aplicaram a cartilha completa do Consenso de Washington (1989) sem pensar muito nas consequências futuras. No início da década de 1990, o governo continuou a abertura econômica iniciada anos antes e privatizou as empresas estatais. Neste período, as exportações representavam 50% do PIB (Falck, 2000).
Com a crise dos Tigres Asiáticos em 1997 o investimento estrangeiro direto saiu e passou para os países em desenvolvimento, especialmente para a China. Desde então, este capital tem caído na Indonésia, Filipinas, Tailândia e Vietnã. O impacto da saída do montante ainda não pode ser analisado, pois trata-se de um fenômeno recente. Contudo, é possível que seja um fator encorajador adicional para a emigração e, por isso, os governos incentivam as políticas para facilitar a exportação desta mão de obra para outras regiões. (Skeldon, 2004).
Esta emigração pode ser qualificada na qual médicos, engenheiros, profissionais da área de tecnologia da informação deixam seus países para irem para outros mais desenvolvidos – um fenômeno popularmente conhecido como fuga de cérebros. Os Estados Unidos, por exemplo, investem para receber estes trabalhadores vindos da Coreia do Sul, China e Índia.
Entretanto, a emigração também pode ser não qualificada como é o caso dos filipinos, que saem do país para preencher postos de cozinheiros, limpadores, babás, ajudantes na construção civil, etc. Um fenômeno mais recente é a saída de enfermeiras, que vem crescendo embora o número ainda seja menor se comparado com as demais profissões.
Atualmente, cerca de 50% dos filipinos estão alocados no Oriente Médio, enquanto 37% em outros países da Ásia e 7% na Europa. O fato do inglês ser um idioma bastante disseminado no país os deixa ainda mais atraentes no exterior (Governo das Filipinas, 2009).
Os filipinos que escolhem trabalhar fora do país se tornam uma peça importante para a economia. As famílias que ficam recebem as remessas que geralmente são gastas com necessidades básicas, melhorias de moradias, melhores oportunidades de educação para as crianças e investimento em pequenos negócios.
Com o controle do governo das agências de recrutamento e o passar dos anos as condições para os filipinos no exterior melhoraram. A reputação de uma migração organizada e dentro da lei permitiu ao país a assinatura de acordos bilaterais com os países do Golfo, Malásia, Cingapura, Coreia do Sul, Japão e alguns países europeus. Porém mesmo com uma comunidade de dois milhões e oitocentos mil filipinos nos Estados Unidos, os dois países nunca fecharam nenhum acordo sobre o tema.
No Brasil, o número de filipinos chegou a 663, segundo dados o governo filipino de 2009. Deste total 397 estavam em caráter temporário. Porém, o país está muito longe de ser relevante para a emigração filipina. Entre os destinos que mais recebem mulheres filipinas estão Hong Kong, Kuwait, Cingapura, Itália, Emirados Árabes Unidos, Japão e Taiwan. Para evitar que estas mulheres sejam vítimas de traficantes, o governo se esforça para mostrar a comunidade internacional que luta para combater este crime.
Em 2003, o país introduziu legislações mais severas no combate ao tráfico de pessoas. A mais importante é a Lei Anti Tráfico de Pessoas, de 2003. No âmbito do internacional, as Filipinas estão entre os 34 países que ratificaram em 2005 as regras da convenção das Nações Unidas para os direitos para os imigrantes e suas famílias. No mesmo ano, o país foi um dos 95 a ratificar o protocolo da ONU para prevenção e punição ao tráfico de pessoas, especialmente mulheres e crianças.
As políticas públicas para incentivar a emigração são aperfeiçoadas a cada ano e se refletem na formação dos que vão sair. Escolas formam empregadas domésticas e cozinheiros. Os filipinos aprendem em sala de aula como lidar com alimentos, atenção com pessoas com deficiências, crianças e idosos.
O modelo de exportação de emigrantes é um sucesso, porém não é garantia de desenvolvimento econômico do país. Embora as remessas tenham um importante papel na economia filipina, o dinheiro recebido pelas famílias não é usado nos processos de produção ou geração de novos empregos. Atualmente, a realidade doméstica é de baixos salários, com cerca de 40% da população ativa ainda trabalhando na agricultura. A taxa de natalidade de 3.5 filhos por mulher (CIA, 2014). Os projetos de exportação de mão-de-obra não se preocuparam em resolver os problemas que justamente levavam os filipinos a sair do país (Asis, 2006).
As Filipinas aplicaram as diretrizes do Consenso de Washington e por esse motivo a presença do Estado saiu da economia. Os projetos nacionais foram deixados de lado para que as políticas de livre mercado trouxessem crescimento econômico (Aragones e Salgado, 2011). Além disso, a crise dos Tigres Asiáticos e a saída do investimento externo direto está diretamente ligada a ausência de novas indústrias.
Nos 40 anos de emigração organizada não se apresentou uma melhora substancial nos níveis de desenvolvimento porque a bagagem e a experiência adquirida pelos migrantes que voltam não podem ser aplicadas porque não há infraestrutura ou investimentos necessários. Além disso, o perfil não qualificado dos profissionais que deixam o país não muda necessariamente na volta. Os cozinheiros não se tornaram engenheiros durante a temporada no exterior.
De uma maneira geral não há um projeto nacional de educação para aumentar o nível técnico dos jovens. Pode-se também considerar que o parque industrial não desenvolvido também contribui para o entrave na formação devido a falta de demanda. A taxa de desemprego do país cresceu constantemente desde 1980 até 2004, passando de 4,8% a 11,9%, de acordo com o Bando Mundial. A escassez de trabalho, por sua vez se reflete no aumento da emigração.
O governo filipino não precisa abrir mão das políticas públicas de emigração, contudo é necessário fazer uma reflexão profunda sobre o mercado de trabalho interno e desenhar um projeto de educação nacional que também forme profissionais de alto nível. As Filipinas também precisam negociar com seus parceiros bilaterais já existentes acordos de transferência de tecnologia e cooperação para que o país não continue sendo apenas o melhor exportador de trabalhadores de subempregos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Skeldon, Ronald (2004) – More than remittances: other dimensions of the relationship between migration and poverty. pp. 165-184.
Go, Stella (2004). Philippines. Country report presented at the Workshop on International Migration and Labour Market in Asia, Tokyo, Japan Institute for Labor Policy and Training and Organisation for Economic Cooperation and Development, 5-6 February.
Aragones Castaner, Ana María e Salgado Nieto, Uberto (2011). ¿Puede la migración ser un factor para el desarrollo de los países expulsores? Migr. desarro [online]. vol.9, n.17, pp. 45-68. ISSN 1870-7599.
Estados Unidos da América – Central Intelligence Agency (CIA). (Agência Central de Inteligência). The World Factbook 2014. Informações e estatísticas sobre Filipinas.
Falck, Melba (2000). La economía de Filipinas, México y la Cuenca del Pacífico, vol. 3, núm. 11, setembro – dezembro.
Banco Mundial (2015). “Migration and Remittances: Recent Developments and Outlook 2015“.
Governo das Filipinas (2009). Departamento do Trabalho e Emprego – “OFW Statistics”.
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