Hong Kong e a abordagem ocidental: do sangue ao lucro
Um fenômeno crescente nos últimos tempos é a influência de Pequim em Hong Kong, despertando a fúria de rivais e ondas de protestos. É nesse contexto que Hong Kong se torna manchete nos noticiários do ocidente.
Os conflitos armados que aconteceram no século XIX marcam essa narrativa. Desde o término da Primeira Guerra do Ópio, a Ilha de Hong Kong, que se localiza no leste asiático, passou para guarda da Soberania Inglesa e posteriormente entregue oficialmente pela China, em 1898. Essa guerra se originou da proibição do comércio de ópio pelo governo chinês, que estava sendo utilizado de forma deliberada, causando danos devastadores à saúde da população. Além disso, a Grã-Bretanha estava vendendo de forma ilegal a erva para a Índia. Logo, de um lado chineses confiscando toneladas da droga. Do outro, a ação causou desagrado, o que iniciou uma onda de conflitos entre ambos, principalmente bombardeios em regiões chinesas. Foi com o Tratado de Nanquim, acordado entre Grã-Bretanha e a Dinastia Manchu, que a China teve que realizar a abertura de nove portos para os ingleses, ceder a Ilha de Hong Kong e ainda pagar uma indenização ao adversário.
Porém, se engana quem sugere que o domínio da consequente colonização inglesa ocorreu de forma passiva. Todo o desenvolvimento da região foi conquistado com o sangue de um povo explorado pelo imperialismo inglês. Os britânicos ocupavam lugar de privilégio, o racismo com os chineses era de praxe, e a situação de miséria.
O controle social dos cidadãos era imposto pela utilização da instituição jurídica, leis destinadas para os privilegiados europeus e leis abarcando o povo chinês nativo da Ilha. A desigualdade social era vigente desde o local de moradia às condições de trabalho. As áreas do centro foram destinadas ao branco. As instituições cristãs se instalaram. A língua oficial era o inglês, em um local onde a grande massa da população não possuía domínio. A Mão-de-obra era praticamente escrava. Falta de saneamento básico. Mulheres e crianças traficadas e prostituídas. Pena de morte e enforcamentos públicos. É sobre esse passado de exploração violenta que Hong Kong prospera.
Em sua história conturbada como colônia britânica, além do destino de opositores do governo chinês, também esteve ocupada pelo Japão em um período da Segunda Guerra Mundial. Mas apesar disso, foi entre as décadas de 1950 e 1960 que a Ilha passou por um processo de industrialização, custando aos mais pobres e tornando Hong Kong um dos maiores e mais ricos centros comerciais do mundo.
Em 1997, após um acordo estabelecido alguns anos antes, é denominada como uma Região Administrativa Especial da China, passando a ser submissa do governo chinês, a medida em que suas instituições se mantiveram e seu modelo econômico também. Atualmente, conta com grande influência do pensamento ocidental britânico, além do próprio modo de viver, língua, cultura e costumes. Esse evento de repatriação fortalece a consolidação da integridade territorial chinesa.
Todavia, apesar dos dias de opressão imperialista terem ficado para trás, no ano passado os noticiários retrataram a onda de protestos que tomou as ruas da Ilha. Entre pedidos pró-democracia e bandeiras norte-americanas, dessa vez os cidadãos se moveram em resposta negativa à proposta da Lei de Extradição Chinesa. Essa proposta, que tinha o objetivo de permitir a extradição de suspeitos em crimes serem julgados e condenados no território da China Continental, iria afetar os marcos legais de Hong Kong.
Nesse ano de 2020, mesmo com a pandemia, os protestos retornaram, agora por uma nova questão: a Lei de Segurança Nacional. Promulgada pelo Comitê Permanente Chinês do Congresso Nacional do Povo, define como crime os atos de subversão – afligir o poder ou a autoridade do governo central -, secessão – qualquer tentativa de separatismo, rompimento com o país -, terrorismo e o complô com forças estrangeiras ou externas que ameace a soberania nacional.
A revolta foi intensificada pelo fato de a lei ter sido imposta sem que o povo, e até mesmo o governo local, soubesse. Sendo considerada um ataque à liberdade e autonomia da região, além de infringir o acordo com os ingleses. Essa determinação impôs que durante os próximos 50 anos desde a repatriação, a Ilha mantinha autonomia judicial e legislativa, bem como certas liberdades.
Toda essa turbulência em Hong Kong causou controvérsia no cenário internacional, principalmente em países como Inglaterra e Estados Unidos. Nos mais de 20 anos que a Ilha voltou para as mãos da China Continental, a mídia internacional tem dado destaque considerável aos embates políticos nas terras do leste asiático. O sufocamento e a opressão chinesa são temas recorrentes nas notícias, informações transmitidas em países ao redor do mundo historicamente beneficiados por isso, no passado. E com um olhar mais crítico, percebemos que o foco internacional não é a integridade do povo honconguês.
A ascensão da China dos últimos anos é um fator que está gerando além de disputas constantes pelo domínio do sistema internacional, a rivalização de áreas de interesse entre as partes. O ocidente, servindo aos interesses de suas potências, usa de causas legítimas como a de Hong Kong para promover a ruptura de instabilidade interna da China.
Na medida em que a vida da população é afetada, a problemática sobre o quanto isso é cruel, vem ao palco. Notamos certa hipocrisia de países como a Inglaterra, que enriqueceram por causa do imperialismo, através de guerras e exploração de povos, apontar com superioridade e clamar por justiça a opressão do governo chinês. Dentre disputas econômicas entre as potências mundiais, essa população continua sendo violada e oprimida, enquanto os governos e a mídia criam narrativas que servem aos seus próprios interesses.
Um exemplo claro disso é a Inglaterra, que por anos negou direitos ao povo honconguês. Foram desprovidos da mesma liberdade e independência que gozavam os britânicos em seu território, eram submetidos a situações precárias, com o mínimo de qualidade de vida e condições de trabalho inadequadas. Os ingleses nessa ocasião, declaram que a Lei representa uma violação grave da Declaração Conjunta Sino-Britânica de 1984, que marca a devolução da Ilha.
E agora, entre conflitos com o governo, o povo de Hong Kong mais uma vez luta por suas causas, com o agravante de serem usados como manobra internacional. A preocupação real, que deveria ser com a população da Ilha, se torna secundária frente à debates econômicos e ideológicos.

Gabriella Quinelato Abe, natural de Ribeirão Pires (área metropolitana de São Paulo e grande ABC), estudante de Relações Internacionais na Universidade São Judas. Com diversos projetos tais como sua participação no Desafio de Empreendedorismo da UFABC, com o Cottroca e na Escola de Inovação Cidadã, parceria entre Politize! e Ânima Educação, com o Projeto Mulher Livre, entre outros. Tem especial interesse na área de desenvolvimento e equidade, além das transformações atuais da sociedade.
Referências:
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