Contextualização
Para Castells (2015) citado por Figueiredo (2021:4), a Primavera Árabe começou na Tunísia, em Dezembro de 2010, quando o feirante Mohamed Buazizi se imolou em protesto à corrupção e ao autoritarismo. Sua morte sofrida o converteu em espécie de mártir para os árabes, fazendo com que ela repercutisse seriamente no subsistema de países que compartilhavam essa mesma cultura. Malgrado as semelhanças étnicas, houve significativas diferenças na forma com que a Primavera Árabe se desenrolou em alguns países da região. Ocorreram graus distintos de repressão nos diferentes Estados árabes. Na Tunísia, no Egipto e Iémen, apesar das convulsões sociais, contenções policiais e trocas de governo, não houve uma repressão em grande escala como ocorreu na Líbia e na própria Síria, as quais resultaram em guerra civil.
Segundo Lopes e Oliveira (2013:64) citados por Lucena (2017:18), denomina-se “Primavera Árabe” o conjunto das várias e quase simultâneas manifestações populares, a partir do final de 2010, deflagradas, a princípio, por pequenos grupos, tendo atingindo grandes massas num efeito dominó por [quase] todo o Norte da África e Médio Oriente. Tais demonstrações, que pediam em geral por mais liberdade e melhores condições de vida, determinaram inesperadas consequências geopolíticas e socioeconómicas para alguns desses países, devido as suas características internas e os reflexos externos do referido processo em cada um deles. No início houve uma atmosfera geral de esperança de mudanças democratizantes na região. Talvez, principalmente, por causa do sucesso inicial na Tunísia e no Egipto, onde os respectivos ditadores foram destituídos por anos de regime autoritário (Visentini, 2012:58:).
Segundo Figueiredo (2021:5) A reacção de Damasco aos seus oponentes foi, contudo, muito mais drástica do que a de seus pares árabes e selou a tónica da reacção àquela primavera política na Síria. Os quinze jovens árabes sunitas de Deera foram presos e torturados. A partir daí, ficaria claro que qualquer forma de aspiração democrática encabeçada pela Primavera Árabe seria violentamente reprimida no país. A reacção inicial de Assad aos protestos que se seguiram a Deera foi mais agressiva do que a de seus homólogos Zine Al-Abdine Ben-Ali, da Tunísia, e Hosni Mubarak, do Egito. Ela se compara apenas à mencionada reacção violenta de Kadafi na Líbia.
Justificativa
A escolha do tema deveu-se em primeira instância ao facto de ser proponente aos estudos da polemologia (conflito) na tentativa de tentar perceber a sua ocorrência, motivações, formas suas consequências (negativas e positivas) enquanto um facto social.
A presença de diferentes atores internacionais, alguns com protagonismo no cenário internacional, tem abalado a sociedade internacional. Assim, a participação desses atores de relevância no cenário internacional e com interesses divergentes transformou a Guerra da Síria em um complexo xadrez geopolítico. “Na história conturbada do Oriente Médio, é difícil encontrar um conflito mais complexo do que a actual guerra civil na Síria” (Albero, 2016:2).
Para Perez (2015:205), em uma década, a Guerra da Síria representou capítulo especial das “novas guerras” de Mary Kaldor (2012) dentro das idiossincrasias da Primavera Árabe. Atores subnacionais patrocinados por diferentes potências globais e regionais provocaram um movimento de forças centrífugas tendente a romper a ordem política do país.
Problematização
O governo de Assad é composto por uma minoria xiita alauita, protegida internacionalmente por Moscovo e regionalmente por Teerã. Seu território encontra-se fraccionado por diversos grupos étnico religiosos curdos e árabes, ambos muçulmanos sunitas – que, juntos, formam, desde 2015, uma coligação secular denominada de Forças Democráticas Sírias, as quais tendem a serem apoiadas pelas potências ocidentais. A FDS, contudo, compõe um grupo heterogéneo que têm em comum o fato de politicamente se colocarem contra o governo autoritário de Assad. Essa heterogeneidade, todavia, fragiliza sua coesão política. Por outro lado, o ditador xiita não exerceu controlo sobre todo território estatal ao longo do conflito sírio. Porém, hoje Damasco chega a controlar as regiões central, sul e sudoeste do país. Cada grupo nacional, étnico ou religioso possui seus respectivos interesses na Guerra da Síria, seja como oposição ou suporte ao governo de Damasco, (Figueiredo 2021:4).
A guerra conta com características híbridas importantes dos conflitos da globalização: tem grupos paraestatais pulverizados, financiados por meios pouco claros e é influenciada por interesses geopolíticos significativos. Antes de detalhar essa dinâmica que une fases complexas do fenómeno conflitual contemporâneo, vale pontuar a difícil negociação internacional que se instalou sobre a situação, ainda em curso quase uma década após o início da violência em massa (Lima, 2021:20).
Para Kaldor (2018 citado por Lima, ibid) Com o alto grau de violência, grupos armados foram organizados com a defecção de militares, beneficiando-se dos interesses geopolíticos no país e do financiamento de organizações criminosas e atores internacionais, formando assim um dos conflitos mais letais e multifacetados em curso.
Tem havido uma discussão fazendo menção de que a guerra na Síria poderia ter sido evitada se o regime do presidente Assad tivesse implementado reformas substanciais ainda no estágio prematuro da revolução que despoletou em Março de 2011 a questão é se a guerra civil na Síria era ou não realmente evitável. Se tomar em conta a história antiga do regime e o seu mau comportamento durante meio século, chego a conclusão de que a guerra teria sido fortemente evitada. Um outro factor decisivo em contraste com os períodos anteriores, grupos de oposição começaram gradualmente a receber apoio, tanto política e militarmente de forcas externas que deste modo começaram a se imiscuir nos assuntos internos da Siria. (Van dam, 2017:34)
Ao analisar a primavera árabe percebe‐se que somente na Síria tivemos uma revolução tão profunda e violenta que se tornou numa Guerra Civil e consequentemente numa Proxy War que corre a mais de uma década. Isso faz, obviamente, inquietarmo‐nos sobre as razões ou motivações para que a guerra tenha prevalecido por muito tempo e a intervenção de atores externos tanto regionais quanto internacionais que pela sua magnitude criaram instabilidade regional. É neste contexto que surge a problemática da pesquisa que ora se desenvolve: Que implicacoes politico-militares a guerra na Siria tem para o Medio Oriente?
CAPITULO 1: REFERENCIAL TEORICO
O presente capítulo trata do referencial teórico e conceptual que orientam esta pesquisa. Ele traz a teoria neo-realista. No marco conceptual procura-se definir e discutir alguns conceitos como é o caso do conceito de Conflito, Geopolítica, Segurança, Poder e Guerra.
Referencial Teórico: Neo-Realismo
Todo trabalho de cunho científico exige uma base teórica como directriz orientadora da sua abordagem, sendo assim, se apresenta a teoria neo-realista e sua variante aplicada ao dilema e Segurança que é o Realismo Defensivo. Na perspectiva de Dougherty e Pfaltgraff (2003: 29), o objectivo central de uma teoria é de explicar os factos ou fenómenos num âmbito geral, que se familiarizem com as correntes históricas da realidade em estudo.
1.2. Contexto de Surgimento
Segundo Pecequilo (2004: 131) o neo-realismo surgiu nos anos 1970, como uma resposta realista aos desenvolvimentos do sistema e das análises sobre as relações internacionais, propondo oferecer uma abordagem mais científica para o estudo da política internacional. Para esta autora o neo-realismo é uma tentativa de re-teorização da escola realista e uma alternativa às abordagens liberais que ganhavam mais espaço. Essa teoria considera que os Estados não somente agem no sistema para maximizar poder em nome do interesse nacional, mas também para assegurar a sua posição e capacidades dentro do sistema em relação aos demais Estados. Os Estados preocupam-se, assim, não tanto com seu poder, mas com a sua posição relativa e os ganhos e perdas perante os demais parceiros.
1.3. Pressupostos
A teoria neo-realista é uma das principais teorias de análise das Relações Internacionais e a sua importância tem reconhecimento inquestionável. Bedin et all (2003:255) e Pecequilo (2004:132-133), argumentam que o neo-realismo é estruturado a partir dos seguintes pressupostos:
O sistema político é anárquico, composto por Estados formalmente iguais e soberanamente responsáveis pela sua própria segurança, com diferença de poder entre si;
Os Estados não estão, a princípio, propensos a solucionar seus conflitos recorrendo a força militar;
Numa estrutura de tipo self-help (auto ajuda) os actores procuram constantemente pautar suas relações por uma concepção de equilíbrio de poder;
Não existe entidade superior aos Estados capaz de ordenar o sistema;
A conduta dos Estados é definida segundo sua posição e capacidades dentro do arcabouço do sistema internacional, e não somente por suas motivações puras de poder.
Para o presente trabalho, é digno de realce o realismo defensivo. Segundo Glaser (1994:5) citado por Collins (2013:20), embora o realismo defensivo comece com os mesmos pressupostos como de Waltz e realismo ofensivo, ele advoga que a cooperação e a moderação serão a melhor opção do Estado numa série de condições. Num nítido contraste com outras teorias neo-realistas, o realismo defensivo sustenta que o sistema internacional não gera uma tendência geral com vista a um comportamento competitivo. Em certas condições o Estado pode ser altamente seguro.
O dilema de segurança joga um papel central no realismo defensivo. O dilema de segurança pode existir quando as forcas militares que o Estado dispõe ou instala para fortificar a sua segurança são também úteis para atacar potenciais adversários. Neste caso, os esforços do estado reduzirão a habilidade do adversário defender-se, o que pode tornar o adversário menos seguro (Collins, 2013:20), originando o dilema de segurança.
Collins sustenta que, antes de olharmos o por que é que a segurança do adversário é um problema, duas características de dilema de segurança merecem ser destacadas. Primeiro, a incerteza sobre o tipo de adversário…se é um Estado que procura por segurança ou é avarento, é um elemento essencial do dilema de segurança. Se os Estados fossem confiantes que os outros Estados procuraram segurança (e também assim permaneceriam), então as capacidades ofensivas dos outros Estados não os tornariam inseguros. Em contraste, o Estado será inseguro quando não tem certeza sobre os motivos do adversário e sobre as capacidades ofensivas do mesmo. Segundo, o dilema de segurança é a chave para explicar competição entre Estados que procuram por segurança. Se os Estados podem produzir forcas e capacidades defensivas, mas não ofensivas, os Estados que procuram por segurança poderiam melhorar a sua segurança sem tornar os outros menos seguros. Neste caso o sistema internacional não produziria competição e insegurança (idem).
1.5. Aplicabilidade da Teoria ao Tema
O uso do neo-realismo é adequado na mediada em que permite compreender a dinâmica das Relações Internacionais no médio oriente.
Considerações Finais
Chegado a este nível, é importante para o autor, tecer algumas considerções finais em função dos resultados obtidos ao longo da pesquisa. O Médio Oriente é conhecido há muito tempo por suas divisões étnico religiosas, pelo petróleo, pelo fundamentalismo e pelo conflito árabe-israelense. Embora estas dificuldades tenham sido grandes à região, jamais houve segurança completa sem guerra e conflito, e isso fez com que potências estrangeiras invadissem a região e interferissem em muitas políticas e tomassem decisões.
Uma dessas potências estrangeiras que sempre tentou se projetar no Médio Oriente foi a Rússia. Após a queda da monarquia russa e a ascensão do regime anti-imperialista soviético, Moscou não cessou sua presença e suas aventuras na região. As aventuras que ocuparam a parte norte do Irão e o estabelecimento de regimes fictícios como a República de Mahabad ou o armamento de governos pan-árabes, especialmente os regimes baathistas no Iraque e no Egito, podem ser mencionados. Com a queda da União Soviética e o início de uma agitação generalizada dentro da Rússia, o Kremlin havia muito se esquecido do Médio Oriente até que as receitas do petróleo vacilantes e a fraca política dos EUA forneceram um ambiente favorável para o Urso Russo retornar ao Médio Oriente, um retorno que o Irão também está buscando em grande parte na situação actual de garantir seus interesses nacionais e sua segurança nacional.
Como os países do Médio Oriente e seus governos sempre foram politicamente fracos, a influência de potências estrangeiras tem causado cada vez mais instabilidade. Já que estas tentaram colocar os países da região uns contra os outros, temos visto, consequentemente, um aumento dos conflitos. Entre as questões importantes, podemos citar o conflito árabe-israelense, os problemas entre os países da região e a importante e atraente questão do petróleo. As superpotências estavam satisfeitas com sua influência, mas com o colapso da União Soviética (1991), o Médio Oriente ficou crescentemnte sob a influência dos EUA para dominar sozinho a região. Portanto, com a formação de uma nova Rússia e os esforços para melhorar a situação interna, a política externa da Rússia voltou-se para o Médio Oriente e os países que eram contra a presença dos EUA encontraram mais esperança na Rússia.
Outra razão para a presença da Rússia no Médio Oriente é tentar manter o status quo em vez de mudá-lo, uma vez que uma região do Médio Oriente segura que pode resolver os problemas de segurança, económicos e políticos da Rússia é muito melhor do que qualquer outra situação. Desse modo, é consistente com a suposição realista agressiva de que os governos atuam de forma a manter o status quo.
Outro ponto que se tem observado nos anos recentes é a forte presença da Rússia nos conflitos do Médio Oriente, especialmente na Síria, pois Moscovo, para se mostrar como potência internacional e restaurar seu poder, deve necessariamente ter forte presença em áreas sensíveis. No Médio Oriente , nesse sentido, mostrar-se-ia a influência e a importância da Rússia.
Uma vez que as potências sempre vêem o inimigo hipotético como uma ameaça para si mesmas e a Rússia precisa dos Estados Unidos como um rival de longa data, o pensamento agressivo está sempre presente no cenário de segurança, tendo em vista que este pensamento advoga a contínua competição.
Portanto, a pesquisa demonstrou que o pragmatismo como política primária e a restauração do poder desempenharam um papel fundamental no início da presidência de Putin, mas, com a entrada na arena internacional e a conquista de poder hegemônico, Moscovo entrou no reino do realismo. A ofensiva explicou bem o papel e a presença da Rússia na restauração de seu poder no Médio Oriente, já que os países internacionais precisam de uma presença forte em áreas-chave para manter seu poder e sua segurança, e a Rússia está bem ciente disso.
Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.Com ampla experiência em Gestão de Empresas.
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