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Integração na América do Sul: o caso estrutural da UNASUL e PROSUL

Carlos Daniel da Silva Barreto

Tratando-se de integração regional, um fenômeno não inédito, porém visto com maior importância em todo o globo com o fim da Guerra Fria e o ordenamento internacional de então, percebemos algumas descontinuidades idiossincráticas da região sul-americana que explicam bem o processo em que vivemos nos dias correntes com relação às instituições intragovernamentais.

Para entendermos melhor, portanto, seria necessário o levantamento do percurso histórico mais recente da região em termos político-econômicos, que se reflete em grande parte na busca de integração dos países do subcontinente tanto como forma de desenvolver-se ou inserir-se no cenário internacional – o que percorre desde modelos de substituição de importações até “giros” ideológicos de esquerda e direita nas políticas domésticas dos países dessa localidade (URRUCHURTU, 2014).

Marcados pelo término da Guerra Fria e pelo desmanche da bipolaridade dos EE.UU contra a URSS, além da ascensão desse primeiro como país hegemônico do bloco ocidental, os anos 90 proporcionaram ao sistema internacional uma globalização econômica refletida na transnacionalização e liberalização do fluxo de capital, além da formação de novos espaços geoeconômicos regidos pelo processo de regionalização, que embora não fossem fenômenos desconhecidos para a comunidade internacional, repercutiam sob novo fôlego (CARVALHO, 2013). É preconizado então o que conhecemos como consenso de Washington, que representava a “abertura, a desregularização da economia e os processos de privatização da máquina pública”(CARLAVLHO, 2013, p. 17), retratando a deliberação do neoliberalismo como pauta da potência hegemônica para a região latino-americana.

Como conhecemos, esses fenômenos geraram resultados nefastos nas décadas subsequentes, especialmente no tocante à questão social e econômica dos países periféricos na América latina. Testemunhamos a assimetria entre os países elevar-se e a concentração de poder tornar-se determinante pelos países do norte, o que acarretou em uma maior vulnerabilidade da periferia global. Esse processo, como veremos mais a frente, impulsionou o surgimento de ideologias que buscaram superar as tendências neoliberais, pois como afirma Gonçalves: “em toda parte, assistiu-se à ampliação das desigualdades sociais e o empobrecimento das camadas situadas na base da pirâmide social”. (GONÇALVES, 2002, p. 138 In: CARVALHO, 2013, p.18).

É assim que no final dos anos 90 e início do século XXI, se propaga na América latina uma onda pós-neoliberal como forma de fazer frente o imperialismo estadunidense, através de governos de esquerda. Segundo Silva e Bonanzzi, se pudermos comparar os conceitos de conservadorismo e progressismo dentro da ótica histórica, temos que “ambos os conceitos [conservadorismo e progressismo] são inseparáveis dos processos históricos de secularização […] do pensamento politico e social europeu” (SILVA, 2010, p. 53). É nesse sentido que entendemos a visão mais tradicional, de origem divina do ser vincular-se ao conceito do conservadorismo e a emergência do indivíduo autônomo e capaz de definir seu próprio rumo graças à racionalidade, como um conceito puramente progressista (BONAZZI, 2000).

Percebemos, portanto, que se partindo da análise internacional, o pós-neoliberalismo representa características progressistas na medida em que busca a autonomia internacional frente aos ditames dos centros hegemônicos e na América latina esse fenômeno foi representado pela inclusão da agenda social, da luta contra a desigualdade e o combate às medidas econômicas infames que prevaleciam na política externa dos países dessa região. Notadamente, a criação da ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América) foi um claro exemplo de como se buscou combater o imperialismo norte americano na região.

Voltando-nos aos mecanismos de integração regional, muitos autores afirmam que as motivações para o processo integrativo, sejam elas impulsionadas por anseios políticos ou econômicos, são determinantes para garantir sua perdurabilidade no sistema.

Debruçando-se sobre a lente teórica do neoliberalismo institucional de Keohane (1993), vemos que em seu livro “institucionalismo neoliberal: uma perspectiva da política mundial”, os estados dentro do sistema internacional não deixariam de ser considerados como os principais atores das relações internacionais, porém junto a eles estariam as “instituições” às quais os países recorreriam como forma de cooperar, pois em uma conjuntura anárquica seria melhor o estabelecimento de mecanismos de cooperação do que não o proceder (URRUCHURTU, 2014).

Seguindo a definição de instituições do teórico, afirma-se que estas são “conjunto de regras [formais e informais] persistentes e conectadas, que prescrevem papéis de conduta, restringem a atividade e configuram as expectativas” (KEOHANE, 1993, p. 16 In: URRUCHURTU, 2014). Dentro desse conceito, vale destacar as (1) convenções internacionais, (2) os regimes internacionais e (3) as organizações intergovernamentais formais, levando em conta que o grau de institucionalização costuma se consolidar a partir das convenções, que abarcam estímulos geralmente ideológicos e políticos e que podem encetar posteriormente regimes e organizações formais.

Já para o húngaro Bela Bassala, haveriam passos sistematizados que apareceriam em diversas iniciativas de integração no globo e que se caracterizam primeiramente por uma aproximação econômica e comercial dos países concernentes, marcada pela intensa liberalização comercial, passando posteriormente a ímpetos políticos com o intuito de tornar mais institucional a organização. Cinco seriam esse passos, que vão gradativamente da Área de Livre Comércio e União Aduaneira até a Integração Econômica Total, que conta com instâncias supranacionais de caráter vinculativo, conselhos de defesa e corpo legislativo, dentre outros (CARVALHO, 2013).

Partindo agora para uma demonstração prática de integração no subcontinente, em 2008 é fundada em Brasília a UNASUL (União de Nações Sul-americanas), como substituta da CSN (Comunidade Sul-americana das Nações), que procurou ser um foro de discussão permanente e de concentração mormente política de 12 países sul- americanos, motivados a trabalhar através do consenso e com um nível incipiente de supranacionalidade. Destacamos que no caso da UNSAUL, a motivação para a iniciativa parte do desejo das nações competentes de construir uma identidade sul- americana para o bloco regional através de diálogos multiculturais e sobretudo se baseia em uma cooperação política interestatal que foge do modelo europeu de integração, fugindo, por conseguinte, dos mecanismos que buscam restringir a soberania dos estados-membros (REY, 2016). Analisando a base de formação dessa organização e os conceitos abordados nesta obra, vemos que a criação da UNASUL decorre do contexto político em que passavam os países fundadores e suas iniciativas pós-neoliberais. De fato, grande parte dos países que integravam a organização, a despeito de sua pluralidade, nesse momento eram governos majoritariamente de esquerda e centro e buscavam através da retórica social contrapor-se às propostas adotadas pelos governos anteriores, que alinhavam-se totalmente às estratégias dos EE.UU. Além disso, apesar de enquadrar-se no que concebe Keohane (1993) como um “regime internacional”, por ter um corpo estrutural em processo de amadurecimento e elencar temas como segurança e defesa no contexto da América do Sul, a UNASUL se torna suscetível aos pêndulos político-ideológicos pelo fato de ter sua base consolidada nesses conceitos. Isto é, ao priorizar méritos ideológicos a frente de dispositivos econômicos e comerciais para integração, capazes de constituir uma instituição intergovernamental formal sólida, torna-se difícil garantir a perdurabilidade da organização, sobretudo levando em consideração a volatilidade da política internacional.

Com a crise do globalismo na segunda década do século XXI e as reviravoltas na política internacional, vemos algumas dessas propostas se confirmarem na medida em que a UNASUL começa a ser desmantelada frente a alguns governos sul-americanos que se declaram agora de direita e buscam alinhamentos mais próximos aos EE.UU. É assim que no ano de 2019, Brasil, Argentina, Chile, Colômbia, Paraguai e Peru anunciam a suspensão de suas atividades na organização e Equador retira-se da UNASUL e solicita a devolução do edifício sede em sua capital em Quito.

Nasce em março de 2019 o Foro para o Progresso da América do Sul (PROSUL), impulsionado pelos presidentes do Chile, Sebastián Pinhera, e Colômbia, Iván Duque, e que busca “corrigir” as mazelas que acabaram por sucatear sua predecessora (HERRERA, 2019). Nesse sentido, o que fica claro por parte dos países integrantes do PROSUL é a gestação de uma organização que busca embarreirar o “socialismo do século XXI” propagado por Hugo Chaves na UNASUL, denunciado como a fraqueza ideológica desta organização. Propõem-se, portanto, se expurgar do caráter unicamente político, fazendo com que além de foro para discussão de assuntos desse gênero, também se fomente o intercâmbio comercial entre os estados-membros.

Ademais, pretende-se construir estruturas pouco burocráticas que proporcionem tomadas de decisões mais pragmáticas, o que se difere da tomada de decisão por consenso adotado na UNASUL (RANGEL, 2019). A questão chave da nossa análise, contudo, se debruça sobre as contradições que apresentam o PROSUL no seu seio constitutivo e a fraqueza que decorre da forma como se concebe essa organização. Ao denunciar a UNASUL por seu caráter ideológico, se esquece de notar a carência de pluralidade que rodeia a organização no que, segundo Roberto Russell e Juan Tokatlian, se denomina a “lógica de política exterior de aquiescência”. Segundo o conceito, busca-se “aceitar a condição subordinada de América Latina no sistema internacional e acoplar-se aos interesses dos Estados Unidos, acreditando que com isso se obterão melhores dividendos materiais e simbólicos” (FRENKEL, 2019, p. 2, tradução nossa). Ademais, é equivocado afirmar que a UNASUL apresentava instrumentos engessados, já que “desde a existência da Comunidade Sul-americana das Nações (CSN) procurou-se articular uma institucionalidade flexível e evitar assim a duplicação e superposição de esforços” (FRENKEL, 2019, p. 2, tradução nossa).

Por fim, custa destacar a tendência a se gerar na América Latina franquias ideológicas no lugar de organizações intergovernamentais com o compromisso isonômico de integração econômica e política, capaz de construir um corpo institucional sólido e vinculante, o que de longe é o caso do PROSUL. Sem contar com um tratado e nem com instituições que materializem as medidas discutidas nesse foro, dentro da perspectiva do direito internacional, a funcionalidade dessa organização é nula, uma vez que não produz medidas vinculantes aos estados membro. Isto é, nada poderá obrigar ou sancionar os estados-membros, dentro das determinações compactuadas no seio da instituição, e assim, se cria justamente o que se buscava evitar: uma sigla a mais para o subcontinente.

Uma medida que poderia ter sido tomada seria a reestruturação da única organização que circunscrevia todos os países do subcontinente e a postura em prática de medidas que buscassem agregar as organizações existentes. Também se propõe, segundo Juan Herreira (2019), a cessão de soberania por parte dos países que formam o bloco na empreitada de integração regional para que as medidas tomadas pela organização passassem por mecanismos menos rígidos, além do financiamento e fortificação da própria organização para que, contrariamente ao que tem sucedido no histórico das instituições sul-americanas desse gênero, a suscetibilidade ao pêndulo ideológico que passa pelo sistema internacional seja superada.

REFERÊNCIAS URRUCHURTU, P. A. Integración vs Ideología en América Latina: ¿Eterno e Infructífero debate? Una aproximación desde el neoliberalismo institucional en relaciones internacionales. Argentina: Conferencia internacional FLACSO-ISA, 2014. CARVALHO, G. C. A América do sul em processo de transformação: desenvolvimento, autonomia e integração na UNSAUL. Brasil: PEPI – IE, UFRJ. Rio de Janeiro, 2013. GONÇALVES, W. A inserção do Brasil na América do Sul. OIKOS. V. 10, n.2, pág. 133-149, 2011. p.138 In: idem. BEISIEGEL, C. Neoconservadorismo, educação e privação de direitos. Revista Educação e sociedade. Campinas, v. 38, n.141, p. 865-872, 2017. PROSUR. Declaración Presidencial sobre la Renovación y el fortalecimiento de la Integración de América del sur. Chile: 2019. FRENKEL, A. Prosur: el ultimo Frankenstein de la integración sudamericana. Jun, 2019. REY, F. UNSAUR: El camino hacia la integración sudamericana. Revista el orden mundial. Maio, 2019. HERRERA, J. C. Prosur, el nuevo mecanismo para integrar a Latinoamerica. New York Times; Abr, 2019. KEOHANE, R. Institucionalismo neoliberal: Una perspectiva de la política mundial. 1993. Pág. 13. In: URRUCHURTU, P. A. Integración vs Ideología en América Latina: ¿Eterno e Infructífero debate? Una aproximación desde el neoliberalismo institucional en relaciones internacionales. Argentina: Conferencia internacional FLACSO-ISA, 2014. BONAZZI, T. Conservadorismo. In BOBBIO, N; MATTEUCCI, N; PASQUINO, G. (Orgs.). Dicionário de política. Brasília: Editora da UnB; São Paulo: Imprensa Oficial, 200. v. 1. p. 242-246 In: BEISIEGEL, C. Neoconservadorismo, educação e privação de direitos. Revista Educação e sociedade. Campinas, v. 38, n.141, p. 865-872, 2017

SILVA, A. O. da. O pensamento conservador. Espaço Acadêmico, v. 9, n. 107, p. 53- 55, abr. 2010. In: idem.


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