Luis Augusto Medeiros Rutledge
A morte do presidente Ebrahim Raisi representa uma transição delicada no futuro político de um país em turbulência por sanções comerciais, apoio direto a grupos terroristas e constantes tensões internas. Raisi nunca escondeu sua postura conservadora e sempre alinhada aos princípios revolucionários sobre os quais a República Islâmica foi fundada, endurecendo a aplicação de leis e reprimindo as crescentes manifestações de protesto contra o governo, observadas nos últimos anos em Teerã.
Por vários anos, o conservadorismo permaneceu predominantemente na classe política do Irã. E, agora, após a morte de Raisi, os conservadores buscam uma transição onde as credenciais religiosas e políticas do Irã sejam mantidas.
É inegável que as disputas internas entre conservadores irão se intensificar, especialmente nas eleições presidenciais e na questão da sucessão futura do líder supremo. No entanto, o atual líder religioso do país, Ali khamenei, publicamente afirmou que a eleição presidencial será livre e aberta aos reformistas. Talvez um recado ao mundo ocidental e ao descontentamento interno dos jovens iranianos.
Internamente, o Irã enfrenta sérios problemas e uma crise de legitimidade alimentada pelo descontentamento popular generalizado, exemplificado por grandes protestos nos últimos dois anos, principalmente o movimento "Mulheres, Vida, Liberdade", juntamente com várias formas de desobediência social.
A posição de Khamenei no sistema político iraniano é de grande importância na tomada de decisões e controle da estrutura do sistema político, e deriva sua influência e poderes da dimensão política, sua presença e seus papéis como guia político da Revolução Islâmica e do regime iniciado em 1979.
Para um governo que chegou ao poder em 1979 sob a bandeira revolucionária de criar uma República Islâmica, projetar uma imagem de legitimidade popular sempre foi importante. As recentes eleições legislativas fizeram soar o alarme e puseram em evidência a desilusão pública com o processo político. Próximo das novas eleições presidenciais, o governo enfrenta um grande desafio na mobilização dos eleitores. A baixa participação poderia deslegitimar o processo eleitoral, agravar a crise de legitimidade existente e demonstrar ao mundo a insatisfação da população com o atual cenário político do país.
Difícil imaginar que o atual establishment do Irã aceite que um presidente mais pragmático e moderado forme um novo governo, menos ideológico, a fim de aliviar as tensões domésticas e internacionais.
No campo das relações internacionais, Teerã está lidando com conflitos bélicos e diplomáticos com Israel e as frentes abertas nos países da região à luz da guerra em Gaza, além da questão nuclear iraniana e de suas sanções comerciais. O poder absoluto está nas mãos do Líder Supremo da República Islâmica e dificilmente o direcionamento diplomático será alterado.
Uma certeza existe. Um dos pontos importantes para o Irã, a cooperação e apoio da Rússia em diversos planos não deverá ser afetada. Surgiram dúvidas sobre o futuro da parceria estratégica entre Irã e Rússia, que cresceu exponencialmente nos últimos anos. As relações com Teerã se intensificaram ainda mais a partir da Guerra da Ucrânia em 2022, já que Vladimir Putin dependia de drones e munições iranianas para o enfrentamento bélico no território ucraniano. Naquele momento, o Irã emergiu como um grande fornecedor de equipamentos militares para a Rússia em sua guerra na Ucrânia.
Diante das sanções ocidentais, a Rússia recorreu ao Irã, país com fortes sanções comerciais, em busca do acesso a redes do mercado negro para enfrentar possíveis crises econômicas. Rússia e Irã, no campo da política interna, encontraram um terreno comum em seus esforços para enfrentar as pressões populares e de parte do corpo político dos respectivos países.
A cooperação entre governos autocratas, ideias semelhantes e de constante confronto à governos do Ocidente caracterizaram a relação entre Putin e Raisi.
Desde 2015, quando ocorreu a intervenção russa na guerra civil síria, os laços entre Irã e Rússia se fortaleceram, quando os dois governos se viram alinhados em seu apoio ao regime do presidente sírio Bashar al-Assad. Desde então, um caminho se abriu para uma maior expansão diplomática e dos canais de cooperação militar entre os dois países.
Em suma, a nível interno, é possível que a abordagem do regime continue a mesma, ou seja, permaneça sua coesão e continuidade que dependem de medidas rigorosas, especialmente à luz do crescente descontentamento e tendências que exigem reformas, já que o regime assiste quase de dois em dois anos a uma violenta onda de protestos liderada pelas novas gerações pouco afeitas ao regime autocrático.
No plano externo, a escalada de fundamentalistas em posições influentes de indica a continuação da militância iraniana, já que as negociações sobre o programa nuclear permanecerão paralisadas.
Quanto à relação do Irã com os seus vizinhos árabes continuará a ser a mesma. O Irã manterá ao mesmo tempo a sua abertura a vários países árabes, como aconteceu na assinatura do acordo saudita-iraniano para restaurar as relações diplomáticas entre os dois países sob a mediação chinesa no final do ano passado.
Certamente, a condução das políticas iraniana interna e externa, após a morte de Raisi, e a transferência de poder para um novo presidente permanecerão as mesmas sem mudanças radicais. Ao menos, enquanto o líder supremo do Irã for o Xá Ali Khamenei.
Luis Augusto Medeiros Rutledge
Engenheiro de petróleo formado pela UNESA e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC.
Pesquisador da UFRJ, Analista de Geopolítica Energética e Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior - FUNCEX.
Colunista do site MenteMundo.
Referência
Comments