O hodierno paradoxo da liberdade religiosa e a negligência do Estado do Quênia na supressão dos sucessivos crimes sectários.
A publicação dessa produção acadêmica redigida não possui o desígnio de discriminação religiosa ou menosprezo ao pleno exercício da fé, que sucede a confecção de crenças. E nem proporciona espaço para que se sobreponha ou minimize religiões face à princípios aquéns. Todavia, aufere diálogo para que se pondere a coexistência da religiosidade para com ações individuais e/ou coletivizadas que ferem as normatizações no arcabouço dos direitos ou deveres angariados. Compreende-se que há alguma imperceptível “noção” que prediz a não inclusão dos casos de matrizes religiosas no corpo social discursivo, mesmo que essa “sacralidade” corrompa de maneiras inúmeras à dignidade da pessoa humana.
Como necessidade intrínseca à essência do indivíduo, é inegável a incessante busca pela associação individual a alguma crença, confeccionando espaço para que ínfimas dúvidas sejam sanadas ou possuam minimização, em posse de explicações plausíveis no campo do divino, com justificações às ocorrências das experiências pessoais, como validações para a famigerada jornada de vivência, concluída com apreço supremo pelo após o “fim”. E, inclusive, amparada no ideal do credo, sucede o anseio pela conexão e/ou agremiação à uma comunidade, com expressão máxima do desejo pelo vínculo, no social processo de conciliação da “associalização” para com a identificação dos que aderem seus dogmas.
Essa demanda do indivíduo não pressupõe nenhuma apreciação que a condene, pois de acordo com o próprio princípio de “liberdade religiosa” (E com referência às deliberações e discurso salvaguardado pela Organização das Nações Unidas, exemplificadamente), não cabe privação alguma ao exercício da cidadania aos que possuem as suas crenças religiosas ou mesmo convicções de cunho filosófico-político, haja vista a disposição de prerrogativa às ideais e consciências individuais, para que manifestem sozinhos ou como comunidades, seja de modo público ou privado, sua fé sem que sejam enxergados como objetos de discriminação dos estados, instituições e grupos de pessoas aquéns a crença.
Todavia, não é uma condição inaugural, recém diagnosticada, a de que pseudo lideranças em posse do poderio de influência e locais de fala para mobilização, dispõem de espaço significativo nas vulnerabilidades dos indivíduos que aderem a essas agremiações. E há conjunturas na qual a expressão da fé possui uma genuína validação de acordo com os que nela creem, com impossibilidade para dúvidas ou ponderações advindas dos exímios fiéis, que equilibram indagações com a possibilidade de vindouras desvinculações reais. Enquadra-se nesse polêmico discurso, exemplos hodiernos pela qual uma abundância de regências influenciadoras correlaciona-se à execução do extremismo para pertencimento.
A Igreja Internacional das Boas Novas: Terrorismo dissimulado
Como impulso para a confecção da produção, analisa-se de um modo genérico o ocorrido no Quênia, Estado localizado no que hoje concerne à África Oriental (isso com escassas referências para pesquisas, haja vista a recém divulgação de informações sobre o caso). Em síntese, na derradeira semana do mês de Abril do ano de 2023, acompanhou-se nas redes sociais e publicações jornalístico-midiáticas, os dados divulgados pela governança da localidade, que expressaram preocupações nacionais e globais para com a existência de uma religião de cunho extremista, designada como uma seita cristã que viabilizou com o auxílio de uma perversa liderança, o extermínio dos seus fiéis, com ideações obscuras.
A ocorrência impulsionou o ressurgimento de discussões sobre a possibilidade de alguma supervisão e/ou normatização de ofícios e exercícios religiosos na República do Quênia, um Estado com referência massiva no que se refere ao número de seguidores de igrejas associadas ao cristianismo. No país, é uma verdade a de que os pseudos líderes cristãos e suas referenciadas igrejas personificam mobilizações religiosas perversas, com massivo noticiamento. Inclusive, no caso que sucederá explicações, a perversidade é reincidência de uma série de criminalidades antecedentes, que proporcionaram detenções da principal figura envolvida, liberado após o pagamento de fianças possibilitadas pela jurisdição local.
A Igreja Internacional das Boas Novas (do inglês, Good News international Church), sob a pastoral regência de Paul Mackenzie Nthenge, é alvo de hodiernas investigações policiais pela promoção de um jejum coletivo aos seus fiéis seguidores, impulsionado para que os envolvidos (a) possuíssem eficaz meio de “conhecerem Jesus Cristo”. As especializadas autoridades da nação mencionaram prováveis indiciamentos pelo crime de “Terrorismo”. Pelo senso comum dos cidadãos externos ao ocorrido, há a acusação de ineficácia dos poderes, no campo da polícia e jurisdição, pela não prevenção da infração, haja vista uma possível negligência à sucessão de violações, das criminalidades incumbidas à liderança.
Taxista e cidadão queniano, a figura pública assumiu o encargo pastoral da igreja no ano de 2003 e, após décadas no comando desses ofícios religiosos, entregou-se à polícia em meados de Abril, com audiência agendada para o início de maio desse mesmo ano, pelo acúmulo dos crimes empreendidos aos próprios seguidores da “denominação”. Em suma, avalia-se que 200 pessoas estejam desaparecidas após a execução dessas liturgias de fome para o alcance do divino e, com as exumações realizadas no espaço de 800 acres na vegetação de Shakahola, leste do Estado, concernente ao espaço físico onde essas sacralidades eram concluídas, constatou-se o número de 89 óbitos, incluindo crianças.
João 8:32: Perfis, Vulnerabilidades e (In)Verdades Absolutas
Para o senso comum, é quase uma impossibilidade a de que massivas falácias possuam propagações, inclusive dadas como verdades absolutas, já que esses mesmos discursos coexistem com variadas possibilidades de indagação no ciberespaço, com o famigerado exercício do pseudo verbo “googlar”, na qual opiniões inúmeras são elencadas, incluindo informações científicas que validam ou mesmo não comprovam a veracidade de dizeres. Todavia, independente das facilidades vislumbradas na vivência individual e/ou coletiva, a incessante procura pela associação à uma crença “simbiótica”, esclarecedora de males e das condições humanas exploradas no sacro, é anseio que exime a própria racionalidade.
Não que a fé demande justificações acadêmico-científicas, haja vista que a sua essência inibe a necessidade de que se explique as razões para existências, pela condicionalidade que proporciona proximidade para com o divino em um processo de fuga do real e/ou sob uma explicação que incorpore essa realidade de uma maneira condicionada. Porém, não são originais os “episódios” como o mencionado, que expõem a manipulação de pseudos dogmas religiosos para ambições peculiares, com suicídios coletivizados ou, nesse caso, para a promoção de um homicídios massificados, já que conjunturas como essa própria, são comuns cenários na história da humanidade, que acompanha perversos convicções.
As seitas, especificamente as de cunho religioso, são camufladas em diálogos bíblicos, a priori dados como inofensivos, socialmente reconhecidos, passíveis de comum aceitação. E os seus seguidores, sob carência de soluções eficazes à problemáticas psicológicas, no segmento da família ou mesmo da socialização, veem-se vulneráveis e fragilizados, com fácil adesão aos discursos propagados para mudanças de vida, aquisição de experiências ou alguma “conclusão” para as aflições e dores, auferindo uma incessante procura pelo além-mundo, espiritualizando a famigerada causa e consequência, objetivando descanso, com lavagens cerebrais que pregam a anulação do corpóreo para o alcance sobrenatural.
E sendo assim é viável que a condição de liberdade religiosa proporcione que as pessoas sejam dominadas e influenciadas pela infalibilidade dos discursos sectários? Ou no que concerne às pseudos “demarcações” das associações com as igrejas, caberia ao Estado a função de regulação de princípios e valores religiosos, auferindo jurisdição e restrições ao salvaguardado direito de expressão da sacralidade, sem que o mesmo seja eximido e/ou dissociado da livre escolha e exercício? Enfim, vislumbram-se os desafios que cerceiam a laicidade de nações, que presume a não adoção de uma religião oficial ou real ingerência, pressupondo liberdade para o culto e agremiação de fés, em multiplicidades.
Há uma sucinta linha que distingue o apreço pela laicidade e a necessidade de influência de governabilidades para a eliminação de abusos pastorais de lideranças religiosas dadas como maléficas influências para a propagação de ofícios sectários que ferem a dignidade humana e os direitos humanos básicos salvaguardados. A escravidão pela fé não é uma mobilização da contemporaneidade, logo, seria uma presunção a ideia de que os crimes como o mencionado, aplicados pelas seitas religiosas, estariam já extinguidos? Agora, o diálogo midiático e acadêmico que se sucedem cercearia a divagação sobre os porquês do ressurgimento desse perverso exercício que engana, ludibria e assassina os seus fiéis.
Compreende-se que não há um identificável e indelével perfil suscetível à essas ordens sectárias, ponderando que dependendo de experiências singulares, fases dos indivíduos ou consternações sobre o mundo e sua relação com o divino, não há pessoa que acabe não objetivando o extraordinário para fuga de realidades ou alcance do milagroso. Ainda mais com a ascensão de recursos para comunicação e disseminação de informações, das famigeradas narrações dadas como invioláveis, essas que podem ou não empossar-se de versículos bíblicos para aliciação ou o convencimento de que o bom senso, jurisdições e demarcações de extremismo são inexistentes quando se preza pelo eficaz da sacralidade.
Hoje, nunca houve expressão mais genuína e condizente do que a de João 8:32:
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”
Aline Batista dos Santos Silva
Graduada em Relações Internacionais (Bacharelado) pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (Com Bolsa 100% pelo Programa Universidade para Todos - PROUNI) | Pesquisadora Acadêmica no Programa de Iniciação Científica - PIVIC (2017; 2018; 2019 e 2020) | Monitora Acadêmica das Disciplinas de: "Finanças Internacionais" (2018.2); "Economia Brasileira Contemporânea" (2019.1); "Eventos e Extensão" (2019.2); "Geopolítica e Geoestratégia" (2020.1); "Fundamentos da Economia" (2020.1) | Analista Internacional | Educadora para a Transformação e o Impacto Social | Pesquisa Acadêmica | Gestão de Projetos e Negócios Sociais |
FONTES CONSULTADAS
ACHARYA, G. O., Bhargav. Quênia soma 89 mortos em investigação sobre culto que defende que seguidores passem fome. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br /internacional/quenia-soma-89-mortos-em-investigacao-sobre-culto-que-defende-que-seguidores-passem-fome/>. Acesso em: 25 abr. 2023.
Número de pessoas mortas em seita de jejum no Quênia sobe para 89. Disponível em: <https://cultura.uol.com.br/noticias/58169_numero-de-pessoas-mortas-em-seita-de- jejum-no-quenia-sobe-para-89.html>. Acesso em: 25 abr. 2023.
Quem é o líder da seita que pregava “jejum para conhecer Jesus” e matou 70 no Quênia. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/internacional/taxista-que-virou-pastor-e-princi pal-suspeito-do-massacre-de-shakahola-no-quenia-npri/>. Acesso em: 25 abr. 2023.
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