Nas discussões que abrangem as ocorrências do Sistema Internacional, em específico no que concerne o senso comum em sua simplória percepção sobre conflagrações ou crises globais, os diálogos populares brasileiros concederam à Nicarágua expressivo “enfoque”, percebido estrategicamente como um dos planos de fundo favoráveis para que minasse e endossasse discursos ou posicionamentos nas eleições presidenciais brasileiras de 2022. A verbalização dos pareceres, contrários ou não, à conjuntura da crise política no Estado nicaraguense designava lados em disputas eleitorais, mesmo que frases fossem incluídas em diferenciados contextos e a gravidade do cenário, não publicizado no mesmo nível.
Todavia, ao público empenhado na aquisição de vislumbres elucidativos sobre o ocorrido, de uma maneira sucinta mas propiciando que opiniões próprias sejam formuladas sem o repasse de verdades dadas como absolutas e irredutíveis, cabe no espaço de discussão, a possibilidade de sumarização conjuntural que prioriza a informação e a desmistificação de dubiedades propositalmente disseminadas, abrangendo inclusive, a Esquerda vigente no espectro político latinoamericano e em sua vislumbrada “segmentação”. Claro que, há uma necessidade da compreensão da política em lentes específicas ao espaço, não como uma ciência exata que reproduz ideologias (os posicionamentos) de uma forma imutável.
Examinando o caso da Nicarágua, nessa ótica de pseudo Esquerdas polarizadas, sabe-se que há alguns anos (diga-se de 1979 a 1990), o Estado foi palco de um processo de atos populares revolucionários para a destituição de uma ditadura hereditária instaurada pela família Somoza, que exercia uma chamada governabilidade vislumbrada como dinástica. Com a liderança da “Frente Sandinista de Libertação Nacional” (Em sigla, FSLN), partido político socialista que encabeçou atos revolucionários, o povo nicaraguense presenciou a onda latinoamericana de desencarceramento das amarras ditatoriais e, anos após o feito, experienciou a crítica reincidência da repressão advinda dos seus próprios libertadores.
A assimilação de que há uma possibilidade tendenciosa de “flexibilização” ideológica após a aquisição de poderio e influência nos governos, salvaguardando anseios de poucos em detrimento das liberdades e das demandas populacionais, ainda que a ideologia pregada em campanhas ou processos revolucionários pregue o oposto e priorize as necessidades populares, não possui a mínima coerência. E isso ainda explica a dificuldade hodierna, do consenso geral, para distinção da Esquerda política do campo das palavras para o palco das ações em contextos críticos como da Nicarágua, o que concede ao senso comum, a noção de que a Esquerda inevitavelmente se posicionará com esse mesmo autoritarismo.
O isolamento internacional nicaraguense: reflexos de uma violência injustificável
O Sistema Internacional vislumbra o processo de isolamento nicaraguense com aversão, em fase da acusação de que o Estado esteja aplicando uma das mais severas ditaduras da América Central da contemporaneidade. No ano de 2022, o país excluiu-se de ações e diálogos com inúmeros órgãos que realizam exames e inspeções no contexto dos direitos humanos na Organização das Nações Unidas (ONU), reafirmando recusas para que os membros da “Subcomissão sobre Prevenção da Tortura e Tratamento Cruel, Desumano e Degradante” não averiguassem a conjuntura, o que concede à nação uma representação plena de confianças destituídas interna e externamente, e sob estratégico isolacionismo.
A Nicarágua possui a infame credencial como o país mais pobre da América Central e permanece austeramente governada pela ex-liderança revolucionária, na figura do político José Daniel Ortega Saavedra, presidente reeleito (2021) para o seu 5º encargo/mandato em consecutividade. Já é de consciência global a declaração de que a União Europeia e a Organização dos Estados Americanos (OEA) não reconhecem ou validam o seu processo eleitoral, indicando desconfianças e probabilidades graves de fraude. Verifica-se que a sua permanência como estadista advém de modificações na constituição, proporcionando possibilidades para reeleições no cargo, além da prisão de opositores em época de pleito.
Exercendo governança desde o ano de 2007, acusações à ele foram constatadas após o mês de abril 2018, com a eclosão de reivindicações populares, essas esmagadas à força. Os cidadãos contrariavam a sugerida e controversa reforma da previdência social, uma manifestação que decorreu em centenas de mortes, detenções e inúmeros exílios, isso na justificativa presidencial que nomeava as mobilizações como “oportunidade para o golpe”. A figura opressora do presidente é acusada da promoção e da perseguição insaciável aos veículos midiáticos, sejam eles conceituados ou independentes, obsediando religiosos ou quaisquer indícios que sugiram uma oposição, declarada ou iniciada para sua derrubada.
Toda essa repressão possui escalabilidade, com a estimativa de exílio de mais de 100 mil nicaraguenses, extinguidos das suas identidades-nacionalidades, sendo expulsos do seu país pela religião ou expressão de criticidade à conduta governamental e à instauração de política previdenciária. O Estado dispõe de uma listagem de atos infratores aos direitos humanos, que o responsabiliza pela perseguição a jornalistas e de opositores justamente aos familiares, acusando aquisições ou fim de meios de comunicação, o que acompanha cerceamento da liberdade de expressão e as restrições de ingresso ao país (eliminando registros gerais), como o banimento das instituições e/ou indivíduos pró-direitos humanos.
A conveniência da externalização da culpa: uma fé banida para racionalidade opressiva
Embora a Santa Sé, a jurisdição eclesiástica da Igreja Católica e entidade soberana que dispõe de independência, possua influência desconhecida pelo senso comum em alguns períodos, a mesma é considerada no campo das relações internacionais como umas das inaugurais referências diplomáticas, sendo sua precursora. Para os Estados Nacionais, a extensão dos atos e respeitabilidade institucional para com a mesma é histórica e aos que possuem a religiosidade como berço, prioridade. Com predominância de cristãos adeptos ao catolicismo, o Sistema Internacional vislumbra uma significativa rachadura no caminho do cristianismo na Nicarágua, país que passou de fiel à palco de inúmeras conflagrações.
O regime nicaraguense priorizou a real extinção da ingerência da Igreja Católica no país, e exemplificou esse propósito estadista com o cárcere de religiosos, a proibição de culto e expressão de sacralidades, a expulsão de missionários e o fim de relações diplomáticas com o Vaticano, expulsando embaixadores. As medidas conflitivas ocorrem desde 2018 e em meados de 2022 foram ampliadas, considerando como estopim, a reatividade católica após a repressão governamental exercida, na qual concederam abrigo aos cidadãos que foram feridos nas reivindicações populares, assim como se prontificaram no exercício da mediação política para algum diálogo, iniciativa persistente que não apresentou sucesso.
Ainda que a Sé Apostólica não possua recursos militares, energéticos ou matérias primas que interessem estrategicamente o Sistema Internacional, não significa que a mesma não seja considerada uma entidade política de influência global significativa. Os seus diálogos e discursos proferidos pelas lideranças ministeriais alcançaram historicamente as nações e designam prestígio hodierno, poderio esse agora justificado após a autoritária ação do regime ditatorial nicaraguense no rompimento das conexões com a diplomacia pontifícia. Na expressão de que o catolicismo seria uma “Tirania perfeita”, o presidente recrimina da sacralidade à política, camuflando seus feitos ditatoriais na crítica de arcaicas ideologias.
Cabe ativismo, empenho para desencarceramento da desinformação e uma extinção da massificação de pós-verdades que bidimensionalizam a realidade local e as ocorrências no Sistema Internacional, se solidificando de modo infame no corpo social. O ofício do cidadão demanda de conscientes escolhas no processo eleitoral à reivindicação do livre e pleno exercício da sua cidadania, com observação à quaisqueres indícios de cercamento, repressões e/ou “casualidades” que concedem poderio e influência na mão de poucos em detrimento de muitos, ainda que ideais e procedimentos iniciais demonstrem o contrário. Em súplica de que países jamais caiam no vicioso ciclo opressivo que buscaram superar.
Aline Batista dos Santos Silva
Graduada em Relações Internacionais (Bacharelado) pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (Com Bolsa 100% pelo Programa Universidade para Todos - PROUNI) | Pesquisadora Acadêmica no Programa de Iniciação Científica - PIVIC (2017; 2018; 2019 e 2020) | Monitora Acadêmica das Disciplinas de: "Finanças Internacionais" (2018.2); "Economia Brasileira Contemporânea" (2019.1); "Eventos e Extensão" (2019.2); "Geopolítica e Geoestratégia" (2020.1); "Fundamentos da Economia" (2020.1) | Analista Internacional | Educadora para a Transformação e o Impacto Social | Pesquisa Acadêmica | Gestão de Projetos e Negócios Sociais |
● FONTES CONSULTADAS
Alto comissário da ONU pede libertação de presos políticos na Nicarágua | ONU News. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2022/12/1806837>. Acesso em: 26 fev. 2023.
Escritório da ONU receia que nova lei da Nicarágua ameace sociedade civil | ONU News. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2022/05/1788542>. Acesso em: 26 fev. 2023.
LOPEZ, I. Nicarágua retira a nacionalidade de 94 cidadãos. Disponível em: <https://www .cnnbrasil.com.br/internacional/nicaragua-retira-a-nacionalidade-de-94-cidadaos/>. Acesso em: 26 fev. 2023.
ONU “muito preocupada” após batida policial em casa de bispo na Nicarágua | ONU News. Disponível em: <https://news.un.org/pt/story/2022/08/1798632>. Acesso em: 26 fev 2023.
Por que a crise na Nicarágua divide a esquerda na América Latina. BBC News Brasil, [s.d.].
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