O ataque de Trump ao Irã e a colonialidade do sistema internacional
- CERES
- 27 de jun.
- 3 min de leitura
Gabriela Oliveira Elesbão
No dia 22 de junho de 2025, os Estados Unidos, sob a liderança de Donald Trump, lançaram ataques diretos contra três importantes instalações nucleares iranianas — Fordow, Natanz e Isfahan. O presidente norte-americano classificou a ofensiva como um "sucesso espetacular", afirmando que os alvos foram “completamente obliterados”. A ação representa uma escalada crítica na guerra entre Israel e Irã, marcando a entrada direta dos EUA no conflito, e reacende profundas questões sobre a estrutura e os fundamentos do sistema internacional. Sob a ótica dos estudos decoloniais, essa ofensiva revela-se mais do que uma simples resposta militar: é a atualização contemporânea de um padrão imperialista historicamente consolidado.
Autores como Walter Mignolo e Aníbal Quijano oferecem ferramentas cruciais para compreender essa dinâmica. Quijano aponta a persistência da "colonialidade do poder", em que as relações internacionais continuam sendo marcadas por hierarquias herdadas da dominação colonial. O ataque ao Irã reafirma esse padrão: ao agir unilateralmente e sem respaldo jurídico internacional, os EUA reafirmam seu papel autoproclamado de árbitro global, enquanto negam a soberania de um país do Sul Global que insiste em exercer sua autonomia estratégica. Mignolo, por sua vez, denuncia a modernidade como um projeto inseparável de sua sombra colonial — uma modernidade que legitima a violência quando praticada por potências ocidentais, mas a criminaliza quando responde à lógica da autodeterminação periférica.
A ofensiva evidencia a seletividade da ordem internacional. A retórica ocidental de defesa da paz e dos direitos internacionais é aplicada de forma desigual: o Irã é tratado como ameaça por desenvolver seu programa nuclear, enquanto Israel, que já possui arsenal atômico, é protegido e apoiado. Isso escancara o duplo padrão do direito internacional e a persistência de uma hierarquização racializada e cultural entre os Estados. Como alertam os autores decoloniais, não se trata apenas de uma guerra entre nações, mas de uma disputa entre visões de mundo — uma hegemonia que impõe, sob violência, o que é considerado legítimo.
Ao atacar instalações nucleares iranianas, os EUA não atingem apenas a infraestrutura do país, mas um símbolo de sua soberania e projeto nacional. A justificativa de "paz através da força", invocada por Trump e Netanyahu, ecoa o velho discurso colonial de civilizar pela violência. A diplomacia e o diálogo foram deixados de lado, enquanto a ameaça de novos bombardeios paira como chantagem. O recado é claro: o sistema internacional tolera a
existência de Estados do Sul apenas enquanto estes não desafiarem a lógica e os interesses das potências hegemônicas.
Neste cenário, a resposta decolonial é urgente. É necessário reconhecer o Irã como sujeito político legítimo, com direito à autodeterminação e à construção de seu próprio caminho. Também é fundamental desmascarar a falsa universalidade da ordem liberal internacional, que continua a operar como instrumento de dominação. O ataque de hoje não é um desvio: é a expressão coerente de um sistema internacional estruturado para garantir a supremacia de alguns à custa da subalternidade de outros.
A paz verdadeira, como propõem os pensadores decoloniais, só será possível quando as relações internacionais forem reconstruídas com base em princípios plurais, horizontais e emancipatórios — e não em bombardeios, sanções e ameaças. Defender o Irã, neste contexto, é defender o direito dos povos do Sul a existirem fora da tutela imperial e da violência legitimada por discursos civilizatórios.
As opiniões expressas no texto acima são de responsabilidade da autora.

Gabriela Eslabão
Historiadora e mestra em Estudos Estratégicos Internacionais. Meus temas de pesquisa estão relacionados à América Latina, movimentos sociais e impactos do neoliberalismo no continente. Sou voluntária do CERES e gestora de educação
Referências:
Financial Times - US bombs nuclear sites in Iran: https://www.ft.com/content/cc5f3407-22ef-4fd4-9825-7810bcea3c5e
Associated Press (AP News) - US intervenes in war between Israel and Iran, striking 3 Iranian nuclear sites: https://apnews.com/article/israel-iran-war-nuclear-talks-geneva-news-06-21-2025-a7b0cdaba 28b5817467ccf712d214579
The Guardian – Australia News Live: US bombing of Iran a 'blatant breach of international law', Greens leader says: https://www.theguardian.com/australia-news/live/2025/jun/22/australia-news-live-richard-mar les-andrew-hastie-iran-israel-anthony-albanese-penny-wong-coalition-labor-nsw-vic-qld-ntwn fb
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