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O Brasil será o grande defensor do futuro do MERCOSUL?

Atualizado: 26 de set. de 2023

por Bernardo Monteiro


Desde sua criação em 1991 através do tratado de Assunção, assinado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), já passou por inúmeros desafios, mas em nenhum momento foi tão abandonado pelo seu principal ator como nos últimos pouco mais de 4 anos.


O objetivo principal da iniciativa sempre foi utilizar-se de dois fatores principais como base para melhorar emprego, renda e consequentemente a economia dos países citados: a complementaridade de suas pautas de exportações e produções, fazendo com que fosse mais barato e rápido, exportar e importar produtos de vizinhos; Outro ponto está ligado a política externa e às relações internacionais, uma vez que houve um avanço significativo do ideário dos Estados Unidos em primeiro ampliar o North American Free Trade Area (NAFTA - em português, Área de Livre Comércio da América do Norte) para toda a América e posteriormente lançando o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) que buscou parcerias diretas com países do próprio MERCOSUL a fim de dissuadir o bloco regional.


Com a volta de uma política externa cooperativa e regional do Brasil, os ventos sopram novamente ao sul da América do Sul, o exemplo foi o primeiro compromisso oficial do presidente Lula depois de vitorioso no dia 30 de Outubro, a recepção de Alberto Fernandez, presidente da Argentina. Em seguida temos como as primeiras viagens e agendas internacionais do governo brasileiro, a ida de seu mandatário e comitiva oficial a Argentina, Uruguai e a VII Comunidade dos Estados Latino Americanos e do Caribe (CELAC), corrigindo o isolamento internacional que o Brasil se manteve por pouco mais de 4 anos.


A reaproximação com o MERCOSUL é urgente e vital, não somente para a sobrevivência do bloco regional, como para seus países membros e o futuro das relações internacionais da própria América do Sul. Apesar de existir a Comunidade Andina, formada desde 1969 pelo Acordo de Cartagena e que hoje conta com Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela, nunca foi segredo que a intenção do MERCOSUL era buscar uma integração maior com a entrada de outros países da região, hoje principalmente com Chile e Colômbia.


O retrato atual é preocupante, a segunda economia do bloco, a Argentina, vive em constantes crises econômicas por inúmeras razões distintas, mas a falta de planejamento em proteger a dependência de dólar pressiona a indústria e provoca altas inflações e inúmeras dificuldades para nossos “hermanos”. O Uruguai apesar de ser uma das economias mais estáveis da região, tem avançado em negociações com a China e a Nova Zelândia buscando acordos bilaterais melhores, tentar diversificar suas reservas e se proteger da dependência do dólar. Considerando o poderio econômico e estratégico chinês, não seria surpresa se em pouco tempo o bloco fosse esvaziado por conta de condições melhores em acordos internacionais.


Sendo assim a reunião de Lula com Alberto Fernandez e Lacalle Pou, foi mais do que produtiva, serviu como um ótimo recado para a região e para a comunidade internacional. A economia brasileira se fortalece e muito com as exportações para ambos os países e em dada medida com uma melhoria dessas economias, há também um avanço em projetos conjuntos, ampliação da integração, possibilidades futuras e proteção da região.


O anúncio feito por Fernandéz e Lula, retomando uma antiga ideia, parece estar alinhado com os “novos tempos econômicos" e em busca de revitalizar e oxigenar o MERCOSUL. A criação de uma moeda de conta entre os dois países e que poderia ser ampliada para o restante do bloco. A SUR (nome provisório dessa moeda) não funcionaria como uma moeda comum, como o Euro por exemplo, onde ambos os países a utilizariam em todas as suas funções e com valor de face igual e por toda a população. A ideia é que o SUR seja como uma Unidade de Valor que seria utilizada somente nas transações internacionais de câmbio comercial, ou seja, em exportações e importações, para criar lastro na economia de ambos, protegendo de flutuações do dólar, gerando reservas diversificadas e ajudando na troca comercial entre Brasil e Argentina. Algo inovador no sistema financeiro, uma vez que funcionaria como uma moeda apenas no âmbito de trocas internacionais.


A maior dificuldade do bloco será os tentadores avanços da China e da Nova Zelândia com o Uruguai, que já solicitou um termo de livre comércio com ambos. Porém outros desafios fora do bloco, mas na região, estão na pauta como: a grave crise Argentina; um receio político no Paraguai; a forte polarização na política no Brasil; a falta de uma voz uníssona do MERCOSUL em fóruns como a CELAC e a União dos Países do Sul (UNASUL) principalmente sobre as ditaduras na Venezuela Nicarágua e na escalada de Cuba; o caos político institucional no Peru; as dificuldades do popular Boric, presidente do Chile, em aprovar uma nova constituição; as tentativas de Petro, presidente da Colômbia, em conseguir um cessar fogo com a ELN (a última força revolucionária armada do país).


Nesses meandros complexos está mergulhada a América Latina, e dentro dessa realidade tensionada na região e no mundo - a escalada no conflito entre Rússia e Ucrânia, as crises climáticas, antigos e novos conflitos na África, as tensões de Taiwan com a China, as ameaças norte coreanas - está o MERCOSUL. Se em outros tempos o único desafio foi convencer os países de que estarem em conjunto era melhor do que aceitar as condições da ALCA, hoje o futuro da integração está em jogo.


Entretanto há sempre boas notícias quando o assunto é integração regional e MERCOSUL. Estamos vivendo na região uma proximidade de pensamentos de política externa e econômica, a nova onda rosa pode ajudar e muito nesse sentido. As acusações e ameaças de se tornar persona non grata impostas sobre Nicolás Maduro podem ajudar a criar a coesão contrária a ditaduras, o que daria força a outros países a olharem para o bloco como uma ótima extensão da CELAC e da UNASUL para revitalizarem suas economias. O apoio de alguns países da região às denúncias à Corte Internacional de Direitos Humanos da ONU sobre diversas violações na Nicarágua e algumas em Cuba, também podem fortalecer uma unidade de pensamento político que firme essa nova esquerda com mais força em pleitos próximos.


Durante a VII CELAC houve uma outra ótima notícia, o presidente chinês Xi Jinping, em vídeo enviado, sugeriu e botou em pauta a felicitação da cooperação econômica entre a CELAC e a China, ou seja, dando um entendimento de ampliação dos acordos bilaterais para a toda a América Latina, o que feito em um fórum conjunto protegeria o MERCOSUL, ao menos por enquanto, de maiores avanços.


Não há dúvidas que os desafios são imensos, porém também temos uma conjuntura muito favorável aos diálogos políticos entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o exemplo disso é a concordância em haver uma revisão e uma modernização do próprio bloco, para possibilitar por exemplo, um acordo via MERCOSUL, com a China, evitando o esvaziamento das principais pautas do bloco. Outra conjuntura favorável é a retomada do diálogo de ratificação do acordo MERCOSUL - União Europeia (UE), que foi suspenso por conta das políticas contra o meio ambiente adotadas por Bolsonaro, assim como pelo receio de alguns países europeus, liderados pela França, em perder competitividade interna no setor agrícola. A viabilidade de uma revisão no bloco sul americano é real e fundamental tanto para sua própria sobrevivência quanto para o avanço na integração regional, podendo recuperar economias e ajudar na retomada do crescimento do Brasil, assim como apresentar novamente a política externa real, pragmática, altiva e ativa, de tradição do Itamaraty, de Barão do Rio Branco a San Tiago Dantas, de Oswaldo Aranha a Celso Amorim.


Referências Bibliográficas:



DE ALMEIDA, Paulo Roberto; LESSA, Antônio Carlos; DE OLIVEIRA, Henrique Altemani. Integração regional: Uma introdução: 3. São Paulo. Saraiva. 2013


DE OLIVEIRA, Flávia Martins. Globalização, regionalização e nacionalismo. São Paulo. UNESP. 2001.


Podcast “O Assunto, Ep. Moeda Comum e as relações Brasil - Argentina"


Podcast “Pettit Jornal, BP 419. O futuro do Mercosul; a geopolítica dos tanques”


Consultas:




Dados e informações de sites oficiais:




Bernardo Monteiro é graduado em Relações Internacionais pela UNESA e também pós graduado (MBA) em Relações Internacionais pela FGV-RJ; autor de Para uma Estabilidade Democrática, possui formação como analista político internacional; atua como escritor, analista político, pesquisador e divulgador científico sobre: política brasileira, história da democracia, democracias ocidentais e sociopolítica;

foi pesquisador associado do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil (LSC-EGN/MB); foi professor convidado para a disciplina Análise de Política Internacional para a graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ; foi professor de Análise de Política Externa para o I Congresso de Relações Internacionais (I CONRI); foi palestrante e professor sobre política brasileira, análise política, geopolítica, democracias e cenários prospectivos.


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