Delimitação no tempo e no espaço
O presente trabalho tem como cerne o maior caso de corrupção em Moçambique, que decorreu nos períodos compreendidos de 2016 a 2022.
A nossa pesquisa circunscreve-se temporariamente desde 2016-2022, pelo facto de em 2016 ter-se descoberto o maior escândalo financeiro em Moçambique (as dividas não declaradas) que interromperam a trajetória do desenvolvimento de Moçambique, e nos finais do ano 2022 ter tido o seu desfecho com o término do Julgamento. No entanto, ao nosso ver é suficiente para determinar a origem, as causas, impactos do maior caso de corrupção em Moçambique e determinar o contributo dos Serviços de inteligência face a esse fenómeno.
Relativamente ao espaço, o trabalho incide sobre Moçambique, Cidade de Maputo localizada a margem ocidental da Baía de Maputo, no extremo sul do país, perto da Fronteira com Africa do Sul e Suazilândia, com uma área de 346,77 quilómetros quadrados e uma população de 1 094 315 (de acordo com o senso 2007). A escolha do espaço deriva do facto ter-se dado o maior caso de corrupção na história de Moçambique que implicou com a lesão do estado em quase 2 bilhões de dólares norte americanos.
Contextualização
Os crimes de colarinho branco figuram-se como infrações essencialmente práticas por indivíduos que gozam de elevado status social e ocupam posição de destaque na iniciativa privada ou serviços públicos. Deles se podem destacar crimes como: o branqueamento de capitais, a corrupção, fraude, apropriação indébita.
Dos crimes enquadrados aos de colarinho branco em Moçambique, a corrupção tem ganhado um espaço amplo relativamente aos crimes de peculato, fraude, enriquecimento ilícito desvio de fundos, abuso de cargo ou função previstos no âmbito da lei n.˚24/2019 de 24 de Dezembro. Tal facto que justifica-se pelos elevados casos de corrupção verificados em Moçambique, o que tem produzido efeitos sociais difusos e constitui efetiva violação á ordem jurídica moçambicana.
A título exemplificativo encontramos o maior caso de corrupção em Moçambique (que engloba alguns crimes conexos), designadas dívidas ocultas. No entanto, as dívidas ocultas, tiveram início de acordo com Hanlon (2017a), em 2011 a 2013 onde,O presidente Guebuza foi apresentado uma proposta secreta para a criação de uma frota pesqueira de atum, uma empresa de segurança marítima e uma empresa de reparação de navios, comumente designadas por Ematum, Proindicus e Mozambique Asset management. A proposta para as três (3) empresas previa que pagariam o empréstimo e ganhariam grandes lucros de pesca, no reparo de navios, venda de serviços de segurança para plataformas de perfuração de petróleo e gás e por cobrança de tarifa de barcos de pesca e cargueiros que passam pelo canal de Moçambique.
Inicialmente, o projeto parecia ter aprovação de instituições de crédito internacionais. Os empréstimos foram organizados por grandes bancos, Credit Suisse e o VTB, que é 61% propriedade do governo russo (Hanlon, 2017:78).
Os empréstimos as três as empresas estavam ligadas a compras substanciais de barcos, aviões, equipamentos de comunicação e outro hardware da França, Alemanha, Portugal, Turquia, China, Índia, Israel, Suécia, Áustria, Roménia e Estados Unidos da América (Africa Confidential, 2016). Quando os empréstimos dos barcos de pesca do atum se tornaram públicos em 2013, o FMI apenas pediu que o empréstimo fosse colocado no orçamento do Estado, o que sugere novamente que os empréstimos seriam aceitáveis para o FMI (Mozambique News Reports & Clippings, 2013). No entanto, a Autoridade de Conduta Financeira (Financial Conduct Authority-FCA) do Reino Unido e o Federal Bureau of Investigation (FBI) dos EUA abriram investigações sobre as funções do Credit Suisse e do VTB Bank nos empréstimos. A alegação é que os bancos com sede em Londres podiam ter violado a legislação de Anti-lavagem de dinheiro do Reino Unido, por não fornecerem o escrutínio extra necessário nos casos em que os proprietários beneficiários das empresas que receberam os empréstimos são pessoas politicamente expostas (FI News, 2017). O regulador financeiro suíço também abriu uma investigação sobre o envolvimento do Credit Suisse.
Contudo, em 2016 foi revelado que não se tratava apenas do empréstimo Ematum. Dois outros créditos de fornecedores secretos de 221 milhões de dólares teriam sido tomados pelo Ministério do Interior entre 2009 e 2014, que incluíam carros blindados exibidos em resposta a ameaças de motins populares (sobre a subida do custo de vida) em Maputo em abril de 201620 (Hanlon, 2017a). Assim, em segredo e sem informar o FMI, os doadores ou os detentores de títulos, o governo moçambicano garantiu 2.228 milhões de dólares em dívida, sendo que as garantias de empréstimos do Estado requerem aprovação parlamentar, que não foi solicitada (Hanlon, 2017a).
No entanto, a Diretora-Geral do FMI, Christine Lagarde, disse à BBC em 18 de maio de 2016 que, ao manter os empréstimos em segredo, o governo de Moçambique estava “ocultando claramente a corrupção” (BBC radio Woman's House, 2016).
Justificativa
A elaboração desta pesquisa é motivada com o intuito de minimizar os crimes de colarinho branco que se tem verificado em Moçambique, com particular destaque aos crimes cometidos no âmbito das dívidas ocultas, destacando o contributo dos serviços secretos para prevenir a ocorrência desses crimes que resultam em danos para o Estado, bem como apresentar proposta com intuito de enquadrar os crimes de colarinho branco com destaque a corrupção constar no leque dos crimes que atentam contra a Segurança do Estado, pois, a corrupção é um acto nefasto para o país, que chega a retardar de forma drástica o desenvolvimento do mesmo.
Problematização
Em Moçambique tem-se registado elevados casos de crimes de colarinho branco, com maior enfoque a corrupção, culminando desse modo com vários processos disciplinares contra funcionários e agentes do Estado e responsabilizações criminais. A prática desses actos criminosos tem impactado negativamente a sociedade moçambicana, retardando o desenvolvimento económico de Moçambique, dado que, por meio dessa actividade são desperdiçadas grandes quantidades de recursos viradas ao bem-estar humano, a satisfação do interesse colectivo, impedido desta forma a produção de bens e serviços públicos para um grupo de pessoas de um modo geral.
A prática desse acto tem beneficiado a minoria por meio de ganhos de vantagens pessoais, gerando a pobreza, destruição de riqueza, contribuindo para o elevado índice de desigualdade social e colocando em causa a credibilidade do governo, o que ameaça a estabilidade económica de Moçambique. Entretanto para além de gerar pobreza e contribuir para a desigualidade social, prática desses crimes estimulam as redes de crime organizado, que encontram na corrupção um meio para fragilizar as acções das instituições do Estado, principalmente da Migração, Alfândegas, Polícia e justiça.
O objectivo de serviço de inteligência é de adquirir e passar informações importantes e essenciais para auxiliar o governo na tomada de decisões estratégicas nas áreas de política externa e interna. Entretanto, em algum momento serviço da inteligência tem enfrentando insucessos, o que dá entender que o Estado não tem conseguido materializar os seus planos. É sob este prisma que-se questiona o seguinte: qual é o contributo dos serviços de inteligência no combate aos crimes em Moçambique?
Teoria realista
A teoria realista foi por muito tempo uma ferramenta de análise predominante nas relações internacionais, muito porque envolvia problemáticas peretinentes aos Estados que estavam relacionados principalmente a questão de defesa e segurança, e consideravam como algo prioritário (high politics).
Em primeira instância, Hans Morgenthau é um importante pensador que consolida a visão realista no campo de estudo das Relações internacionais entre as nações e as forças que envolvem esse relacionamente e toma como ponto de partida a busca do poder dos Estados, a centralidade da força militar dentro deste poder e a inevitabilidade duradoura do conflito em um mundo de múltipla soberania (Halliday, 1999:24).
Precursor do Realismo
Segundo Halliday (1999:30) a teoria realista tem como precursor e expoente máximo Kennth Waltz, com o trabalho “Theory of international politics” publicado em 1979.
Pressupostos do Realismo
O SI é Anárquico- Este pressuposto emana do princípio de ordenamento de Waltz, que diz: os sistemas domésticos são centralizados e hierárquicos.
Os Estados são actores unitários, racionais, funcionalmente semelhantes e acima de tudo, os mais importantes do Sistema Internacional.
A distribuição dos recursos de poder é a principal variávelque explica o comportamento do Estado, isto é, a estrutura do sistema dita o comportamento dos Estados.
Abordagem conceitual dos Serviços de Inteligência
Inteligência
De acordo com Bandão (2022) citado por MUCHANGA et all, ˝ A actividade de inteligência se refere a certos tipos de informações, relacionadas a segurança do Estado; às actividades desempenhadas no sentido de obtê-las ou impedir que os outros países obtenham e as organizações responsáveis pela realização e coordenação dessas actividades na esfera estatal.
A inteligência é uma actividade especializada de caracter sigiloso, permanentemente exigida com o objectivo de produzir interesse do cliente ou usuário. A actividade de inteligência deve ser aplicada em medida justa pelo que deve seguir os princípios de Segurança, clareza, amplitude, imparcialidade, objectividade, oportunidade, utilidade e exclusividade.
Na visão de Godson (1983:10), a inteligência pode ser definida em três aspectos: conhecimento, actividade e organização.
Inteligência como conhecimento: o conhecimento a que se refere nesse aspecto, é o que resulta do processo de recolha, analise e disseminação de informação relevante para o processo de tomada de decisões. Entretanto, a informação transforma-se em conhecimento de inteligência, quando passa por um processo que lhe da o sentido e significado.
Inteligência como Organização: a inteligência como organização nos remete a uma instituição, é a questão de uma organização física, que buscam especial tipo de conhecimento.
Inteligência como actividade: A inteligência como actividade lida com questões voltadas para problemas metodológicos, e outros que são característicos da actividade de recolha e disseminação de informação que auxiliam no processo de tomada de decisões.
Contudo, apesar de a inteligência ser definida por meio de alguns aspectos como a organização, actividade e conhecimento, ela visa fundamentalmente a auxiliar o processo decisório com vista a se tomarem decisões acertadas, no sentido de minimizar danos que podem advir de perigos futuros e que se tenha conhecimento das prováveis ameaças que possam assolar o país, para que desta forma se possam tomar medidas profiláticas ou de prevenção. No entanto, a inteligência é caracterizada pela recolha, analise e processamento de informações uteis para Segurança do Estado.
Serviços de inteligência
Serviços de inteligência são agências governamentais responsáveis pela colecta, analise e disseminação de informações consideradas relevantes para o processo de tomada de decisões e de implementação de políticas publicas nas áreas de política externa, defesa nacional e provimento de ordem pública. Essas agências governamentais também são conhecidas como serviços secretos ou Serviços de informação.
Segundo Godson (1983:20), serviço de inteligência são instituições governamentais que, tem como objectivo fundamental adquirir, analisar e repassar informações importantes e essenciais para auxiliar o governo na tomada de decisões estratégicas nas áreas de pública externa e interna da manutenção da ordem pública.
Serviço de inteligência é geralmente um departamento governamental, cuja função é a coleta de informações relacionadas com possíveis ameaças à segurança do Estado.
Entre as definições aqui referenciadas, podemos notar que a de Johnson torna-se mais relevante, pois ao definir Serviços de inteligência como instituições governamentais que tem objectivo fundamental de adquirir informações importantes para auxiliar o governo relaciona a mesma com um trabalho sensível, que deve ser realizado com sigilo.
Crimes de Colarinho branco
Segundo Stone (1975:35) colarinho branco refere-se aos delitos essencialmente praticados por indivíduos que gozam de elevado status social e ou ocupam posição de destaque na iniciativa privada ou no serviço público.
Colarinho branco encontra-se relacionado a fraudes, uso de informações privilegiadas, subornos e outras actividades praticadas principalmente por pessoas instruídas culturalmente e financeiramente, e que muitas vezes detêm de cargos políticos ou possuem influência no governo (Andrade, 1980:45).
Colarinho branco é a vestimenta comum entre pessoas instruídas e influentes, que comumente vestem com terno e camisa social, o que culturalmente é desassociado com uma imagem geralmente comum de um indivíduo criminoso (Ibid).
Entre as definições aqui referenciadas a de Stone torna-se mais relevante, pois ao definir colarinho branco como delitos praticados por indivíduos de elevado status social relaciona a mesma com abuso de poder e confiança.
Conclusão
O histórico do termo “Serviços de inteligência” é de alta relevância. Tendo visto sua evolução desde a gênese do Estado até a actualidade, pode-se perceber que o termo é mais um daqueles que passam por mutações consideráveis a partir de marcos históricos. Tendo passado por muitas fases e questionamentos, o objecto de referência dos Serviços de inteligência mostrou-se variável, passando do indivíduo, como na história pré-moderna, para diferentes níveis como o do objecto, da sociedade, do Estado e do colectivo de Estados. A partir daí ocorre a antropomorfização do Estado como forma de coordenar os Serviços de inteligência a partir de processos coletivos no meio internacional, o que se intensifica no período Entre Guerras. A partir de então, a segurança como meio de manutenção do status quo garantiria a preservação dos interesses de segurança nacional. Com a ineficiência da Liga das Nações como um projeto de segurança coletiva, há o estabelecimento da segurança como nacional, sendo o indivíduo vinculado à sobrevivência de seu Estado
Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique. Com ampla experiência em Gestão de Empresas.
Referências Bibliográficas:
Andrade, Manuel (1980) Consenso e oportunidades. Reflexão a propósito da suspensão provisória do processo sumaríssimo. O novo código penal. Coimbra.
Gil, A. C. (2008) Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas.
Maconi, Andrade e Lakatos, Maria (2009), Fundamentos de Metodologia Científica, 6ªedição.
Lundi, Irae, Baptista (2016) Metodologia de pesquisa em Ciências Sociais, EscolAr Editora. Maputo.
Gooson, Roy (1983) Intelligence Requirements for the 1980 domestic intelligence.
Halliday (1999), Repensando as Relações internacionais. Porto Alegre.Editora.
Halon (2017) Research Methods social sciences. Fifth edition Arnold. London.
Stone (1975), Where the law ends. The social control of corporate Behavior. New York.
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