O crescente papel do Catar na diplomacia internacional
Luis Augusto Medeiros Rutledge* junho/2022
Nos últimos tempos as nações do Oriente Médio e Norte da África são frequentemente relacionadas aos conflitos nos países islâmicos. De fato, nas últimas décadas as inúmeras tensões comprovaram que estas regiões se mostraram as mais conflituosas do mundo e por diversas ocasiões potências globais, como os Estados Unidos e lideranças europeias, fizeram uso da diplomacia para a mediação de inúmeros conflitos. No entanto, as forças diplomáticas e a persuasão das relações internacionais nem sempre foram suficientes para evitar discordâncias políticas, religiosas e, principalmente, as disputas por regiões consideradas estratégicas. A Primavera Árabe no final de 2010, a Guerra Civil no Líbano entre 1975 e 1990, Jordânia e Mediterrâneo na raiz das negociações não resolvidas entre Israel e Palestina, a Guerra Irão-Iraque entre 1980 e 1988 e a eterna Guerra Civil da Líbia são apenas alguns exemplos da instabilidade de alguns países árabes e islâmicos e das dificuldades no apaziguamento das relações internacionais e conflitos internos.
A mediação de conflitos, sempre considerada ao longo da história recente uma função das grandes potências, principalmente após a segunda guerra mundial, tem apresentado novos atores no cenário geopolítico mundial. O surgimento de pequenas nações na mediação de conflitos, demonstra o grau da força geopolítica de países ricos e com autossuficiência energética. Neste contexto, é interessante analisar o papel do Catar como mediador em algumas intervenções na região do Oriente Médio e os fatores favoráveis à Doha por este posicionamento.
Por suas pequenas dimensões territoriais, o Catar poderia ser relegado a um papel menor no espectro das Relações Internacionais. No entanto, as posições assumidas pelas autoridades do Catar, principalmente nas últimas décadas, transformaram este país na principal peça do xadrez da política externa do Oriente Médio e, principalmente, na mediação de conflitos de longa duração.
Este novo panorama da geopolítica da região do Golfo possui direta relação com a reestruturação da política externa do Catar desde a chegada ao poder do Emir Hamad bin Khalifa Al Thani em 1995. É justo afirmar que o papel de eficiente mediador atribuído ao Catar se comprovou por diversas ocasiões. Relembremos a importante mediação envolvendo Israel e o Hamas para o cessar-fogo em 2020. Esta mediação evitou possíveis perdas de civis inocentes que vivem em Gaza. Outra destacada participação da diplomacia do Catar ocorreu durante as negociações para retirada das tropas norte-americanas do Afeganistão. O governo de Doha sediou as negociações entre líderes talibãs e membros do governo dos Estados Unidos. Desta forma, se torna interessante analisar o desenvolvimento de algumas mediações onde o Catar esteve diretamente presente e as transformações geopolíticas ocorridas após estes eventos.
Palestina-Israel
A geopolítica do Oriente Médio está inteiramente conectada com os intermitentes conflitos entre Palestina e Israel, que se estendem ao longo dos anos. Desde 1948, quando mais de 700.000 palestinos se deslocaram para o território catariano após a Guerra Árabe-Israelense, ocorrida logo após a formação do Estado de Israel, a relação do Catar com os difíceis momentos vividos pelo povo palestino se faz presente. Em momentos recentes, entre 2006, quando a Faixa de Gaza e a Cisjordânia eram governadas pelos movimentos de resistência palestina Hamas e Fatah, até o presente momento, foram diversas mediações de unificação da causa palestina. As boas relações diplomáticas com o Hamas e razoáveis com Israel, frutos de longos períodos de mediação, permitiram um gigante suporte energético para Gaza fornecido por Doha. Uma das formas de apoio catariano será através da construção de um gasoduto, que entrará em funcionamento em 2023.
O Catar pretende por muitos anos garantir a segurança energética palestina. Sendo o maior exportador de gás natural liquefeito, o planejamento energético para Gaza envolve suporte técnico, financeiro e fornecimento de gás. Como resultado, fortalecerá ainda mais sua posição como importante ator diplomático e energético do Golfo, exercendo forte influência sobre o Hamas em futuros acordos que se seguirão. Muitos analistas interpretam este auxílio como o mais puro exemplo de soft power. O suporte energético à Gaza, esforços humanitários por meio da Qatar Charity aos palestinos e a crescente simpatia da comunidade internacional podem transformar este pequeno país em um gigante na geopolítica mundial.

Gasoduto na Faixa de Gaza
Fonte: Pixabay
EUA e Talibã
O Catar por vários anos esteve sempre a frente da mediação entre EUA e Talibã. A reconhecida influência do país do Golfo sobre o movimento fundamentalista islâmico e o bom trânsito e diálogo com governo americano, sempre foi um facilitador durante anos para a preparação da saída dos soldados americanos do solo afegão. Com o passar do tempo de uma guerra infinita e custos econômicos e militares que provocavam incômodos aos presidentes americanos, a mediação exercida pelo Catar foi fundamental. Independente de promessas acordadas durante as mediações e não cumpridas em sua totalidade após a retirada de soldados americanos do Afeganistão, os canais diplomáticos com o talibã estão menos tortuosos que antes. Além disso, o posicionamento direto do Catar nesta questão funcionou para equilibrar as forças políticas numa península com forte presença da Arábia Saudita.

Foto: Vice-primeiro ministro do Catar, Mohammed Bin Abdulraham e o chefe do gabinete político do Talibã Mullah Abdul Hani Baradar. Fonte: Reuters.
O Catar possui um histórico de mediação no Líbano, Sudão, Iêmen e, claro, nos conflitos de Gaza. No entanto, o rótulo de reconciliador, considerado por alguns líderes de Estado, e estrategista, para outros, é ainda um divisor de águas nas intensões geopolíticas do Catar.
Abrigar uma base militar norte-americana em seu território sendo ao mesmo tempo acusado de financiar operações terroristas iranianos, fortalecer o Hamas em Gaza e buscar
manter os canais diplomáticos com Israel são tarefas árduas para um país recente que almeja por relevância na geopolítica mundial.
Soft Power
O Catar nas duas últimas décadas desenvolveu com extrema competência sua capacidade de informar para a sociedade internacional sua modernização, ações socioeconômicas, investimentos no esporte, mídia e integração global. São inúmeras as ferramentas utilizadas para exercer sem limites seu poder suave e estar presente num mundo cada vez mais globalizado. A participação em eventos esportivos é uma das formas mais fáceis de atingir globalmente várias gerações. Uma delas será em breve, quando sediará a próxima Copa do Mundo de 2022. Esta será uma oportunidade única de apresentar ao mundo um país moderno, cultural e alegre. Uma grande chance para diferenciar o país de seus vizinhos mais próximos, Irã e Arábia Saudita.
Referências
Brannagan, P.M., & Giulianotti, R. (2018). The soft power–soft disempowerment nexus: the case of Qatar. International Affairs, 94 (5), 1139–1157.
Usef, A. (2022). Qatar’s Role as a Mediator in the Middle East. Young Diplomat Review. https://www.youngdiplomat.org/post/qatar-s-role-as-a-mediator-in-the-middle-east
Bakr, A. (2014). Qatar seeks role as Gaza mediator, Israel wary’. Reuters. http://www.reuters.com/article/us-palestinians-israel-qatar/qatar-seeks-role-as-gaza-mediator-israel-wary-idUSKBN0FM2GD20140717.

*Luis Augusto Medeiros Rutledge é engenheiro de petróleo e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Analista de Geopolítica Energética e Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal. Pós-graduando em Relações Internacionais pelo Ibmec. Possui 16 anos de experiência em Projetos de Pesquisa e Desenvolvimento entre a UFRJ e o CENPES/PETROBRAS. Atua como colunista e comentarista de geopolítica energética do site Mente Mundo Relações Internacionais e no CERES - Centro de Estudos das Relações Internacionais, colaborador de colunas de petróleo, gás e energia em diversos sites da área. Contato: rutledge@eq.ufrj.br