O desafio social de 2016
A virada do século prometia ser o início de uma era onde os frutos de todo esforço político, econômico e social do pós II Guerra seriam colhidos e mais importante, distribuídos e redistribuídos.
Os esforços não foram poucos e todos buscavam, de uma forma ou de outra, evitar que situações como a Crise de 1929 e a II Guerra Mundial voltassem a acontecer. Não só, mas agora havia uma nova guerra, de ideias principalmente e as reformas neoliberais precisavam se mostrar tão, ou melhor, preparadas para lidar com o novo mundo quanto o rival socialista, de modelo soviético. O balão de ensaio por excelência foi a Alemanha, especialmente com a divisão de sua capital. O experimento todo era uma vitrine de um lado do muro para o outro.
Mas houve outras experiências, como na África e suas infindáveis e irracionais guerras de independência, seguidas por guerras civis ainda mais brutais; a China com seu modelo próprio de Socialismo, que se afastava aos poucos do modelo soviético; e as experiências na América Latina, tendo como exemplo clássico a revolução cubana, mas que também gerou toda uma sorte de outros episódios como, por exemplo, Allende e as ditaduras no Brasil e Argentina.
Uma das principais ações do bloco neoliberal foi a criação, ainda nos anos 30 no bojo da restauração econômica da crise de 29, do ideário do Estado de Bem Estar Social. Nele, entende-se que há determinados direitos e liberdades fundamentais a todos os indivíduos. Ainda, numa tentativa de dar um mínimo de segurança para o livre mercado, houve também uma retomada do papel intervencionista do Estado. Essa intervenção deveria, no entanto, ser mínima exatamente para manter os determinados direitos e garantias fundamentais e o Estado deveria agir entre os indivíduos e o Mercado, como garantia de manutenção daqueles.
O objetivo era, como já brevemente citado, apresentar uma alternativa às soluções da esquerda. Assim, instituições como saúde, educação, transporte e direito ao trabalho (e leis trabalhistas mais claras) deveriam ser garantidas e protegidas pelo Estado. O método para financiar tais empreendimentos seriam os próprios impostos. É uma conta simples em realidade: ao invés de depender os serviços de maneira privada, todos pagariam compulsoriamente e teriam acesso a pelo menos as medidas básicas de cada um desses setores. Claro que, num limite, os serviços de ponta ou individualizados podiam ser contratados do setor privado, sem agredir, portanto, as leis de mercado.
Findado o breve histórico, coloquemo-nos nos anos 2010: as medidas traçadas há mais de meio século funcionaram bem nos países com economias estáveis e desenvolvidas. Não é preciso dizer que as experiências se mostraram mais frutíferas nos países europeus e norte-americanos.
Na Europa, entre 25% e 30% (dependendo do país) de seu PIB é investido em subsídios para empreendimentos de bem estar social, sendo a Suécia o país que detêm os melhores resultados. Nos EUA e Canadá esse número fica entre 20% e 25%.¹
Na América Latina os países podem ser divididos em dois grupos: aqueles que, conforme dados de referentes a 2000, investiam pouco mais de US$ 500 per capta em bem estar social e aqueles que investem pouco menos de US$ 100. Como esperado, as maiores economias encontram-se no primeiro grupo, com exceção de Uruguai e Costa Rica.²
Os números não parecem de todo ruins, mas a situação muda um pouco de figura quando olhamos de fato para a realidade enfrentada no pós-2008. Com uma nova crise econômica, as diferenças sociais internas e externa se acentuam cada vez mais. Não só isso, mas conflitos gravíssimos e instabilidades no norte da África e Oriente médio fazem com que grandes parcelas dessas populações migrem para os países do fabular bem-estar-social, com base nessa percepção de bem estar. Ao passo que as populações europeias já começam a sentir as rupturas desse modelo.
A União Europeia nunca foi um empreendimento fácil, mas agora enfrenta uma de suas maiores crises, com uma possível saída de uma nação de peso, o Reino Unido. Soma-se o fato da atual crise de refugiados, levando a política social de países como Alemanha, Espanha, Itália e França ao limite. Nos EUA, as políticas de reforma na saúde propostas pelo presidente Obama nos últimos oito anos se mostraram fracas e com poucos resultados visíveis, encontrando grande resistência liberal no Congresso. As taxas de desemprego pós-2008 nesse país também são alarmantes para a maior economia do mundo. O crescimento chinês já dá sinais claros de esfriamento, com sua bolsa de valor funcionando durante minutos em um dia e desvalorizações recorrentes de sua moeda, afetando toda a economia mundial.
Fato é que 2016 será um ano crucial para as construções teóricas e os modelos propostos entre os anos de 1930-1945. As tentativas político-sociais propostas por diversos foros de discussão desde 2008 também não se mostraram suficientemente sólidas para apontar um caminho claro de reparação para a crise global. O Welfare State , tido como solução possível e viável durante mais de meio século, será levado ao seu limite . Sem ter um “oponente” ideológico claro, não pode mais depositar as rupturas ao modelo rival, mas ao próprio berço, o Estado neoliberal e seu intrínseco ciclo de crises que acentuam cada vez mais o bem-estar para um lado da balança em detrimento de outra. Verdade que agora nenhum dos lados tem recebido muito apoio.
Talvez seja uma oportunidade de pensar outros modelos, sob risco de exaurir os atuais com consequências nem um pouco desejáveis.
Referências
http://stats.oecd.org/Index.aspx?datasetcode=SOCX_AGG [1]
Segura-Ubiergo, Alex (2007). The Political Economy of the Welfare State in Latin America: Globalization, Democracy and Development. [2]
Marshall, T H. Citizenship and Social Class: And Other Essays.
Saraiva, Sombra. História das Relações Internacionais, Vol. 1
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