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Os Dilemas do Poder: O papel da infraestrutura no futuro dos Estados Unidos como superpotência

O mundo é para quem nasce para o conquistar E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.” Tabacaria, Fernando Pessoa

Nas Relações Internacionais, a discussão sobre a natureza do Poder e sobre seus limites é um tema constante, assim como o debate sobre as estruturas que o sustentam e o que é o exercício do Poder em suas mais variadas formas, seja de forma bruta, pela via militar, seja pela utilização de capacidades políticas, ou econômicas ou culturais.

O estudo das origens do Poder das grandes potências é complexo e possível compreender que ele emana não apenas de uma variável, como por exemplo, das capacidades militares de uma nação. Temos uma miríade de fatores que, combinados contribuem na construção do poder de um Estado, como a economia, sistema político, a construção de estruturas ideológicas e a forma de pensamento social são pontos estratégicos na construção de uma potência. No caso dos Estados Unidos, é importante que seja traçado um paralelo histórico que nos permita compreender as condições sociais e políticas que os possibilitaram alcançar sua condição de superpotência e como uma nova conjuntura de crises e transformações sistêmicas nas estruturas socioeconômicas nacionais e globais, pode fazer com que os EUA tenham seu posto de potência hegemônica e centro do Sistema Internacional, disputado por outros atores, tal qual a China.

Diferentemente das nações europeias, os EUA, possuem uma série características únicas em âmbito geopolítico, em padrões culturais e de pensamento – notadamente a ideia do “Excepcionalismo Americano” e a Doutrina do Destino Manifesto – , assim como no espectro econômico, que possibilitaram um rápido desenvolvimento industrial entre o final do século XIX e os anos 1940. Desenvolvimento este que, foi utilizando como instrumento de inserção no sistema internacional e catalizador de profundas e rápidas mudanças nas estruturas de poder em âmbito global. Uma das grandes bases do desenvolvimento econômico americano foi a percepção, tanto por parte dos governos estaduais e federal, quando dos atores econômicos privados, de que a construção de uma sólida infraestrutura que permitisse a instalação de indústrias, acesso à serviços básicos para as cidades em expansão e meios de transporte eficientes para a sustentação da expansão e desenvolvimento das forças produtivas.

Dentre os impactos do rápido desenvolvimento econômico dos Estados Unidos, podemos citar dois: o surgimento da ideologia do American Way of Life e a ascensão ao posto de maior e mais dinâmica economia no mundo. Os crescentes padrões de qualidade de vida e o fácil acesso à mercadorias e serviços que os cidadãos dos EUA possuíam, tornaram-se o padrão de desenvolvimento socioeconômico nos países sob sua influência e ajudaram a solidificar  no pensamento popular estadunidense a ideia de um “excepcionalismo” sem igual na história humana.

Os últimos 30 anos nos apresentam um cenário intrigante para a análise do futuro dos Estados Unidos, pois com a dissolução da União Soviética, se consagram como a única superpotência no mundo, possuindo uma capacidade sem igual em moldar e direcionar o jogo  politico em escala global, seja por meio de ações militares, reestruturações das regras economicas, tal como feito com o Consenso de Washington.

Entretanto, este mesmo período nos trás um cenário incomum para a história americana, pois as bases econômicas nas quais o poder dos Estados Unidos foi construído passam a ser desestruturadas, seja no âmbito externo ou interno.

Externamente, a competição industrial com países como China, México, Alemanha[1] entre outros exacerba o processo de desindustrialização, devido à baixa qualidade da infraestrutura e altos custos de investimentos e manutenção relacionados.  Ademais, os crescentes desafios internacionais, como por exemplo, as campanhas militares  contra grupos terroristas – que tem um alto custo político, econômico e humano para as partes envolvidas – , os atritos com a Rússia acerca do conflito na Síria e na Ucrânia, o desgaste nas relações com a Europa e a OTAN sob a presidência de Donald Trump e uma posição cada vez mais ousada da China como potência em ascensão podem nos demonstrar os limites –  ou mesmo as falhas –  no exercício de poder dos Estados Unidos.

Internamente, a economia americana se depara com um acelerado processo de desindustrialização e financeirização dos principais setores econômicos a partir dos anos 70[2], assim como um grave aumento da desigualdade, perda de investimentos produtivos, queda de competividade, o envelhecimento rápido de sua infraestrutura além de uma grande polarização e radicalização política entre Democratas e Republicanos. Sociologicamente as bases ideológicas e materiais do American Way of Life passam a rapidamente[3], seja por causa da desigualdade socioeconômica[4], seja pelos altos níveis de endividamento dos estudantes universitários[5] ou pela massiva reestruturação de programas sociais e pelos graves efeitos humanos e econômicos da Crise de 2008[6], que demarca um momento histórico em que a hegemonia estadunidense passa a estar ameaçada.

No que tange à qualidade da infraestrutura e os investimentos necessários para manter serviços básicos e serviços públicos de capazes de atender as necessidades da população e das empresas, o cenário é preocupante. Desde 1988, a American Society of Civil Engeneers (ASCE)[7] elabora relatórios sobre a qualidade dos investimentos e do funcionamento de diversos setores de infraestrutura nos EUA, demonstrando uma involução qualitativa e o crescimento exponencial do déficit de investimentos. [8]

De acordo com o relatório Infrastructure Report 2017: Failure to Act, elaborado pela ASCE, o déficit de investimentos é de US$ 1,5 tri, com um impacto elevado sobre o consumo e a renda das famílias, que perdem aproximadamente US$ 3,9 mil com gastos extras em deslocamento no trânsito, contas de energia e água e maiores custos na aquisição de  produtos básicos. Os impactos financeiros desta baixa qualidade da infraestrutura ainda podem ser maiores, com uma perda de US$ 3,9 trilhões até 2025 e a redução de 2,5 milhões de postos de trabalho. Ademais, a idade média das estradas, pontes, represas e linhas de transmissão elétrica é um ponto de atenção, pois em média estas estruturas possuem entre 40 e 50 anos de existência, com precário estado de conservação.

Os impactos sociais, econômicos e políticos de uma infraestrutura em situação crítica e defasada são gigantescos e é imperativo que sejamos capazes de entender as causas e origens desta situação, outrora vista em países em desenvolvimento e não em uma superpotência. Para tanto, devemos entender o papel do pensamento econômico e político em voga e as estruturas econômicas estadunidenses e como se da a articulação entre o pensamento político e a ação dos atores econômicos.

Dada a natureza conflituosa do sistema internacional e as mudanças no cenário politico internacional e nacional nos EUA a partir dos anos 60 e 70, presenciamos um a ascensão de um pensamento político e econômico neoclássico e/ou neoliberal e a concomitante ideia de que as ações do Estado no direcionamento de investimentos públicos e intervenções na economia é algo intrinsicamente negativo para a economia e para a sociedade. Este pensamento baseado nas ideias de autores como Milton Friedman (1962) e Friedrich Hayek (1944) propõe que os entes privados sejam transformados em gestores centrais de investimentos, tanto em matéria de desenvolvimento de produtos, quanto gestão de escolas, transporte público e  infraestrutura, dada a premissa de que o Estado é incapaz de fazer a adequada alocação de recursos necessário para o crescimento econômico e geração de negócios.

A partir dos anos 80 e primeira metade dos anos 90 a nova política econômica dos EUA gera massivas privatizações e desinvestimentos públicos, solidificando uma nova forma de compreensão da relação entre o Estado e a economia. Contudo, como apontado pela ASCE, a radicalização crescente da ideia de que  todos os gastos públicos são algo negativo e que o governo precisa impreterivelmente reduzir gastos e a queda na arrecadação de impostos, causadas pelas reformas tributárias durantes os governos Reagan, Bush e G.W. Bush, tem como resultado a perda de capacidade de investimentos em infraestrutura, seja por parte do Governo Federal e dos Estados e cidades. Porém, devemos notar que as privatizações e a maior participação de empresas privadas na gestão da infraestrutura não se converteram em reais melhorias qualitativas e quantitativas em investimentos nos setores aeroportuários, hidroelétrico e de telecomunicações, como apontado pelo relatório Failure to Act 2016 da ASCE.

 Soma-se a isso a radicalização do pensamento políticos dos governos e dos políticos, que alinhados às principais corporações e entidades financeiras, buscam garantir uma redução do tamanho do Estado, ao passo que garantem a estabilidade de negócios e contratos para obras públicas e privatizações. A visão de maximização das capacidades dos Mercados e redução do Estado, no que diz respeito aos gastos públicos e redução de impostos inviabilizam o direcionamento de fundos para os setores de saúde, educação, transporte – aeroportos, metrôs, trens e malha viária – e energia.

Em contraposição, o Partido Democrata propõe um estado mais presente na economia e na vida dos cidadãos e que seja capaz de realizar maiores investimentos públicos, a fim de reduzir este déficit de infraestrutura e dinamizar a economia[9]. Em alinhamento com esta posição Democrata, vastas parcelas da sociedade civil, organizações públicas e economistas, propõe uma nova forma de pacto entre governo, famílias e empresas, garantindo melhores condições de vida e de crescimento econômico.[10]

Entretanto vê-se atualmente na política doméstica estadunidense um impasse de natureza política e de interesses, dadas as diferenças entre os partidos e a crescente falta de diálogo da política com as necessidades reais do país, como se acompanhou durante a Crise Financeira de 2008, onde a falta de capacidade e interesse de impedir a geração da crise e a postura complacente com as ações do mercado financeiro foram marcantes, e nos debates constantes entre os partidos Democrata e Republicano sobre a alocação de recursos e formação de políticas e legislações. Sendo esta uma causa muito apontada para o crescente déficit de investimentos e para a perda de qualidade de vida nos EUA.

Outra grande causa para deterioração da infraestrutura no caso estadunidense é a profunda transformação no modelo econômico global e do país, que a partir de 1970 passa pela transformação de uma economia altamente industrializada para uma economia baseada em serviços, tecnologia e no mercado financeiro, assim marcando o inicio de um processo de desindustrialização em larga escala. Esta transformação da economia dos EUA de economia industrial para uma economia financeirizada e desregulamentada das legislações estabelecidas na era do New Deal, permitiu às grandes corporações modificar o panorama de investimentos e a lógica econômica interna, com a visão de que a construção de um cenário interno mais favorável aos grandes investidores e empresários seria melhor do que investimentos públicos. Simultaneamente a globalização permitiu maior mobilidade e possibilidade de escolha para as empresas que buscam maximizar ganhos em curto prazo, redirecionando investimentos produtivos para locais e países com menores custos, portanto fortalecendo o ciclo de desindustrialização nos EUA.

Esta guinada financeira impacta diretamente na escolha e direcionamento de investimentos, pois a facilidade de redirecionar os fluxos de dinheiro para setores mais dinâmicos e que permitam maiores ganhos e menores custos. Ao contrário de setores de infraestrutura como o de transporte público ou hidroelétrico, que apenas apresentam retornos financeiros após muitos anos. A lógica financeira aplicada às decisões de investimento buscam  principalmente a redução de custos trabalhistas, redução de gastos com manutenção de estruturas e o direcionamento dos fluxos financeiros para opções mais rentáveis, portanto retraindo investimentos necessários para a melhoria e expansão da infraestrutura estadunidense. [11]

As últimas duas décadas demonstram os impactos destas duas hipóteses para o massivo déficit de investimentos em infraestrutura nos EUA, que vêm perdendo posições em importantes indicadores socioeconômicos, como os índices GINI e IDH, e indicadores de qualidade dos serviços públicos e infraestrutura, como apresentado pela American Society of Civil Engeneers. Em termos de poder, a corrosão das condições de projeção de poder estadunidense gerada pelas más condições dos portos, aeroportos, setor elétrico e transporte público, são interpretadas internacionalmente como parte de um amplo processo de corrosão da posição de poder dos EUA.

Como Paul Kennedy nos demonstra em A Ascensão e Queda das Grandes Potências (1978), os desafios gerados pela modificação nas condições que originaram o poder de uma nação, caso não adequadamente enfrentados, podem levar a uma situação irreversível de perda de poder. Na história recente, temos grandes exemplos de países que foram ou incapazes de compreender ou ignoraram os desafios internos e externos que se apresentaram e sofreram as consequências, tal qual a URSS e o Império Britânico e o Império Japonês.

A política  internacional não é um jogo entre camaradas e os jogos de soma zero ainda são relevantes para a maior parte dos Estados e atores inseridos no Sistema Internacional, portanto é clara a necessidade de atentar-se às mudanças as regras e seus impactos , por menores que sejam. Esta conjuntura de desafios de cunho político, econômico e social nos âmbitos interno e externo para Estados Unidos  são um momento histórico precioso e no qual as lideranças devem fazer escolhas e compromissos claros para a construção de um futuro onde os EUA serão a potência hegemônica global, ou serão mais uma grande potência em um mundo multipolar, ou mesmo uma potência em decadência.


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Bibliografia:

Failure to Act Report – 2016: Disponível em: http://www.infrastructurereportcard.org/the-impact/failure-to-act-report/. Acesso em: 14/06/2016

David S. Wilson: Bankruptcy, Divorce, and Long Commutes. More Evidence That Income Inequality is Toxic. Disponível em: http://evonomics.com/bankruptcy-divorce-long-commutes-more-evidence-that-income-inequality/. Acesso em 18/06/2016

David S. Wilson, Daron Acemoglu: Stop Crying About the Size of Government. Start Caring About Who Controls It. Disponível em:  http://evonomics.com/stop-crying-size-of-government/. Acesso em 18/06/2016

Raj Chatty: The Fading American Dream: Declining Mobility and Increasing Inequality. Disponível em: http://evonomics.com/the-end-of-upward-mobility-america-concentrated-wealth-chetty/. Acesso em 19/08/2016

Business Insider Maganize: America’s $16 trillion problem… that both Presidential candidates actually agree on. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=GfD-4vX-Zcs Acesso em 15/06/2016

[1] https://www.washingtonpost.com/news/wonk/wp/2015/09/30/americas-biggest-competitor-really-isnt-china/?utm_term=.7b6a10ded72f

[2] http://evonomics.com/financialization-hidden-illness-rana-foorohar/

[3] http://evonomics.com/america-regressing-developing-nation-people/

[4] http://www.businessinsider.com/us-inequality-is-worse-than-you-think-2017-6

[5] https://www.forbes.com/sites/zackfriedman/2017/02/21/student-loan-debt-statistics-2017/#59d761645dab

[6] http://nymag.com/daily/intelligencer/2017/06/gop-readies-bill-that-slashes-medicaid-to-cut-taxes-again.html

[7] http://www.asce.org/about_asce/

[8] http://www.infrastructurereportcard.org/making-the-grade/report-card-history/

[9] http://www.infrastructurereportcard.org/solutions/investment/

[10] http://evonomics.com/myth-prosperity-generating-free-market-dispelled-time-new-new-deal/

[11] http://evonomics.com/finance-is-not-the-economy-bezemer-hudson/

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