Perspectivas sobre a crise humanitária europeia
A crise migratória na Europa é um problema que tomou dimensões tão grandes no último ano que superou os debates sobre a crise econômica pela qual a União Europeia vem passando. Essa situação está causando grande desavença entre os países membros, fazendo com que muitos venham tomando atitudes por conta própria, e causando um racha no bloco econômico que pode causar o seu esfacelamento.
A origem desse problema pode ser traçada historicamente às ações tomadas por potências ocidentais para interferir na situação política interna dos países árabes. Não é segredo que a causa do grande influxo de imigrantes para a Europa é consequência direta das ações da OTAN em países como Afeganistão e Líbia, a intervenção Norte-Americana ao Iraque (cujo resultante vácuo de poder gerou o surgimento do Estado Islâmico) a não intervenção no conflito da Síria (que possibilitou a expansão do EI). Todos esses conflitos, por sua vez são resultados da separação de fronteiras feita por Inglaterra e França após a Primeira Guerra Mundial, após a queda do Império Otomano.
No ano de 2015 mais de um milhão de pessoas chegou a Europa, a maioria vinda de barco e entrando na UE através da Grécia (país que sofre uma grave crise econômica), com o objetivo de seguir caminho até os países da Europa Central (Áustria, Hungria e principalmente a Alemanha) e do Norte (em direção a Suécia).
Esse gigantesco fluxo migratório pegou os mandatários europeus de surpresa e causa um grande debate sobre como lidar com essa situação e a necessidade de haver uma política europeia comum para lidar com imigrantes e refugiados, debate este que se encontra bem longe de chegar a uma conclusão. Como consequência, diversos países vão tomando atitudes por conta própria.
Existe um grande debate que vai desde aceitar e acomodar os imigrantes até o fechamento total das fronteiras do Tratado Schengen. Um debate político polarizado entre a esquerda favorável ao recebimento dos refugiados, a direita contrária à entrada de imigrantes e a favor do fechamento das fronteiras, e o centro que fica se deslocando entre os dois polos da discussão em busca de alguma solução.
A ideia sugerida por Angela Merkel de dividir igualmente os imigrantes pelos países membros da EU, surgida após a constatação de que e grande parte dos refugiados tem a intenção de ir para a Alemanha o que gera grande atrito político internamente, gerou bastante desgaste entre os membros da união, especialmente os que têm governos de direita. A única coisa em que concordam os governantes europeus é que o sistema atual falhou e precisa ser revisto, pois ele não é capaz de lidar com uma demanda tão grande de refugiados.
Enquanto isso os países que fazem parte do caminho percorrido pelos refugiados, vêm endurecendo a fiscalização nas fronteiras (especialmente após os atentados de Paris) dificultando sua entrada, chegando ao ponto de a Hungria construir uma cerca em sua fronteira com a Sérvia e ameaça construir em sua fronteira com a Romênia que faz parte da UE.
Mesmo países mais abertos à entrada de refugiados como a Suécia e a própria Alemanha, chegaram à conclusão que não tem capacidade de lidar com esse enorme fluxo de pessoas e começaram a restringir o acesso a seus países, já que 90% dos mais de um milhão dos imigrantes em busca de asilo na Europa ficaram em apenas três países: Suécia, Alemanha e Áustria.
Um dos resultados mais claros e também mais perigosos dessa situação é o crescimento de popularidade dos partidos políticos de direita, e também da extrema-direita, que se valem da má situação econômica e do “medo” e rejeição aos imigrantes, para ganhar força frente à dificuldade dos atuais governantes em lidar com a crise.
Mas o que fazer quanto a essa situação? Quais poderiam ser as medidas a serem tomadas pela União Europeia para lidar com essa situação sem causar revoltas populares ou deixar milhares família fugindo da guerra ao léu?
O atual sistema criado pelos social-democratas (centro-esquerda) claramente não funciona no atual momento, e simplesmente aceitar todos os imigrantes que pedem asilo causaria revolta populista anti-imigração nos países.
Por outro lado à ideia da direita de barrar a entrada de imigrantes, além de muito difícil de fazer (cercar todas as fronteiras terrestres e patrulhar as marítimas além de caro é de eficiência duvidosa), não resolveria o problema dos que já chegaram à Europa e se encontram em campos de refugiados em diversos países. Será que sugerem que os enviem de volta para o lugar de onde saíram como Donald Trump disse que faria se for eleito nos EUA?
Além disso, todos conhecem os problemas de demografia que existem na Europa, com os países envelhecendo e a população diminuindo, fazendo com que seja necessária a entrada de trabalhadores imigrantes para que se posse produzir e crescer economicamente. Portanto, nenhuma dessas propostas parece ter a capacidade de lidar efetivamente com o problema.
O professor e filósofo esloveno Slavoj Zizek diz que o Ocidente é co-responsável pela crise de refugiados atual, e que a imigração faz parte do modelo de capitalismo global em que vivemos. É o interesse ocidental pelos recursos naturais (petróleo, minérios, pedras preciosas, etc.) que se encontra por trás de todas as guerras recentes no continente africano (Congo, Sudão, Líbia) e no Oriente Médio.
Além disso, o sistema capitalista atual necessita da existência de mão-de-obra barata (algumas vezes escreva) para a manufatura de bens de consumo, seja em países que toleram a exploração de seus cidadãos, seja com a vinda de imigrantes que não tem direitos de cidadão e são explorados economicamente.
O que ele propõe é uma mudança na política dos países ocidentais. Sugere uma militarização das fronteiras européias para controlar o fluxo de imigrantes através de centros de triagem criados nos locais onde se encontra o problema como na Turquia, Líbano, Líbia, para determinar quais estão em risco e podem requerer asilo na Europa.
Esses exilados que chegam devem ser integrados na cultura do país a que foram designados sob o risco de expulsão em caso de algum crime de racismo, homofobia, perseguição ou imposição religiosa, agressão sexual, impedir os filhos de terem acesso à educação, casamentos forçados de menores de idade, etc. A partir do momento em que o refugiado é designado para um local, ele deve se respeitar e assimilar a cultura de sua nova casa. A UE precisa se unir e estabelecer regras claras quanto aos exilados e ao respeito às leis e costumes europeus.
Também deve haver uma forte pressão internacional para fazer com que países ricos muçulmanos sunitas como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos, Qatar e Kuwait aceitem receber refugiados muçulmanos sunitas que seriam muito mais facilmente integrados em sua sociedade culturalmente similar.
A partir do momento que esses refugiados são recebidos devem ser garantidas todas as condições necessárias para eles conseguirem se integrar a seu novo país. Para Zizek, grandes migrações são a consequência do capitalismo global e é necessário se adequar a sua existência, pois elas serão cada vez mais comuns. A ideia de soberania nacional precisa ser redefinida e precisa existir cooperação em nível mundial. Se nada disso for feito ocorrerá o “choque de civilização” entre a população local e os recém-chegados.
É preciso se criar uma nova fórmula de intervenção militar internacional que evite o resultado desastroso que se tem visto nas últimas guerras ocorridas (Iraque, Líbia, Afeganistão, Sudão, etc.), de modo a acabar com a por trás das condições que criam os refugiados.
As propostas do filósofo não são simples nem fáceis de serem implementadas a curto-prazo, além de não se ter como saber quão eficaz elas seriam. Mas o fato é que como as condições políticas no Oriente Médio e Norte da África não demonstram nenhuma melhora, essa crise humanitária vai continuar existindo por prazo indeterminado e a menos que Bruxelas toma alguma ação para lidar com esse problema, nos veremos a beira de um levante da extrema-direita similar ao que ocorreu nos anos anteriores a Segunda Grande Guerra.
Referências
Migrant crisis: Migration to Europe explained in seven charts. BBC. http://www.bbc.com/news/world-europe-34131911
TRAYNOR, Ian. Pressure to resolve migration crisis could tear EU apart. The Guardian. 20 de Janeiro de 2016. Disponível em: http://www.theguardian.com/world/2016/jan/20/pressure-to-resolve-migration-crisis-could-tear-eu-apart
ZIZEK, Slavoj. The non-existence of Norway. London Review of Books. 2015. Disponível em: http://www.lrb.co.uk/2015/09/09/slavoj-zizek/the-non-existence-of-norway
ZIZEK, Slavoj. Entrevista concedida á Patricia Campos Mello. Folha de São Paulo. 10 de Novembro de 2015. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/noticias/548870-militarizacao-e-solucao-para-crise-dos-refugiados-diz-filosofo-slavoj-zizek
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