Por que o Brasil é um bom negócio para a China?
O desenvolvimento econômico recente da China é, provavelmente, um dos fatos históricos mais importantes deste final de século.
Segundo Medeiros apud Fiori (1999, p. 401), tal crescimento foi viabilizado de uma forma muito peculiar, por meio da segmentação e combinação de dois regimes: proteção do mercado interno e promoção de exportações.
Principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, quando ultrapassou os Estados Unidos na balança comercial brasileira, somando US$ 3,2 bilhões contra US$ 2,8 bilhões dos americanos, a China vem promovendo, gradativamente, uma aproximação cada vez mais intensa com o Brasil.
Após décadas de parceria comercial com os Estados Unidos, a balança comercial de 2009 revelou uma nova e promissora parceria, que já vinha se delineando há algum tempo: enquanto a corrente de comércio Brasil-China daquele ano crescia 13,9% em relação ao mesmo período de 2008, o intercâmbio comercial EUA-Brasil, afetado pela crise econômica de 2008, decresceu 20,5%.
Segundo o Itamaraty, desde 2010 as relações entre o Brasil e a China – que mantém vínculo diplomático desde 1974 – são regidas principalmente pelo Plano de Ação Conjunta.
Assinado em 2010, define objetivos, metas e orientações para as relações bilaterais, e sua vigência foi estendida até 2021. Em 2012, por ocasião da visita ao Brasil do então Primeiro-Ministro Wen Jiabao, as relações foram elevadas ao nível de “Parceria Estratégica Global”, estabeleceu-se o Diálogo Estratégico Global entre Ministros das Relações Exteriores, e firmou-se o Plano Decenal de Cooperação (2012-2021). (DIPLOMACIA PÚBLICA, 2015)
No ano de 2014, as trocas comerciais bilaterais com a China alcançaram a marca de US$ 77,9 bilhões – 2.334% a mais do que em 2009. O ano passado foi, também um ano de desaceleração do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), tanto para a China quanto para o Brasil: enquanto nós crescemos 0,1%, pior resultado desde 2009, o gigante asiático cresceu 7,4%, pior índice desde 1990, quando o país sofria sanções internacionais por conta dos incidentes na Praça da Paz Celestial. Naquele ano, o PIB do país cresceu 3,8%, segundo dados do Banco Mundial.
As perspectivas para 2015 também são “modestas”: no primeiro trimestre de 2015 a China – segunda maior economia global atrás apenas dos EUA – cresceu 7% e reduziu em 0,5 ponto percentual sua meta de crescimento. O PIB brasileiro, por sua vez, caiu 0,2% no mesmo período.
A diminuição do crescimento, num momento em que se ampliam os fluxos migratórios para as áreas costeiras poderá vir a resultar em elevado nível de desemprego e degradação das condições sociais tanto no campo quando nas cidades (MEDEIROS apud FIORI, 1999, p. 407).
É neste contexto, de intensificação da proximidade e da cooperação entre os dois países e de desaceleração econômica de ambas as nações, que o primeiro-ministro da República Popular da China, Li Keqiang, veio ao Brasil no mês de maio de 2015.
De acordo com o Palácio do Planalto foram assinados 35 acordos entre os governos nos seguintes âmbitos: relações exteriores; comunicação; planejamento, orçamento e gestão; transportes; ciência e tecnologia; agricultura e pecuária; esportes; energia; Petrobras; comércio exterior; infraestrutura; meio ambiente. Ainda segundo dados governamentais, o acordo representa um investimento de US$ 53 bilhões da China no Brasil.
De acordo com Becard (2011), a ênfase da China na cooperação Sul-Sul foi intensificada a partir de 1980, e representa vantagens econômico-comerciais concretas. No caso do Brasil, as vantagens ficam centradas nas áreas econômica, científica e tecnológica., tendência que se mantém, se analisarmos os eixos de cooperação dos acordos assinados no mês passado.
Dentro da divisão proposta por Fiori (2014), a China faz parte do grupo de países que questionam a hierarquia internacional de poder e adota uma estratégia econômica direcionada à mudança do status quo. Nos pontos que seguem, busca-se analisar, sob três prismas diferentes, o estreitamento das relações entre os países, inclusive os acordos assinados em maio deste ano.
Toda e qualquer manobra no espectro das Relações Internacionais traz consigo, inevitavelmente, consequências políticas e culturais para os atores envolvidos no processo.
Tais relações envolvem também, como define Fiori (2014), uma disputa e luta contínua pelo próprio poder. Pode-se dizer que esse novo momento econômico que a China vive nos últimos 26 anos está estritamente ligado com os interesses norte-americanos no cenário mundial e com o fim da Guerra Fria.
Para a China, se aproximar de novos parceiros comerciais, significa diversificar as relações indo além dos EUA, maior economia do mundo. Embora a relação com o Brasil possa trazer vantagens para ambos os lados, é possível observar que combinado com os ambiciosos investimentos que a China faz no continente africano (o país é, atualmente, quem mais investe no continente), o gigante asiático deseja, dentro do conceito estabelecido por Fiori (2014), manter o fluxo e a expansão contínuas de seu poder.
“O poder é triangular e sistêmico, e todas as suas unidades podem se expandir para fora de si mesmas, pela conquista do poder ou de alguma parcela das demais unidades do sistema.”(FIORI, 2014, p. 19)
Trata-se também de, por outras vias, enfraquecer o poder dos Estados Unidos, na medida em que a China “toma” espaços antes ocupados pelos americanos. Como já se viu anteriormente, até 2009, a nação governada por Barack Obama era o principal parceiro comercial brasileiro.
O que pode-se perceber é, portanto, que a aproximação com o Brasil trata-se, de certa forma, de resignificar o papel da China no cenário global. É evidente que, aqui, não se considera essa aproximação com o Brasil como um elemento isolado, mas esse e outros movimentos no tabuleiro geopolítico internacional fazem que o país saia de mero elemento de contenção e, como disse Medeiros apud Fiori (1999) “peça-chave da política do pós-guerra” para se tornar um importante player e trader internacional.
Na medida em que a China ganhou destaque internacional graças ao seu forte desempenho econômico, o país passou a assumir um papel mais “pró-ativo” na política mundial. Por sua vez, com o avanço da modernização chinesa – baseada na industrialização intensiva – a política externa chinesa colocou-se particularmente a serviço da busca por mercados, capital, tecnologia, energia e matérias-primas estrangeiros, considerados elementos basilares do desenvolvimento chinês. Tais transformações aproximaram sobremaneira a China da América Latina. (BECARD, 2011, p. 33)
É claro que, como em toda a relação de via dupla a aproximação com a China veio ao encontro dos objetivos da política externa implementada no governo Lula, quando houve uma intensificação da diplomacia presidencial e uma busca pelo reforço da imagem do Brasil como país continental e potência emergente. Embora a política externa tenha sofrido mudanças no governo de Dilma Rousseff, os objetivos de ambos os países têm vários pontos em comum e a aproximação com a China pode ser justificada, entre outros aspectos, por esse argumento.
Um dos projetos mais aguardados pelos chineses representa, além de um megainvestimento de US$ 30 bilhões, a oportunidade de construir uma rota alternativa de saídas de mercadorias do continente sul-americano para a Ásia: uma ferrovia que ligará o litoral brasileiro ao litoral peruano – com saída para o Oceano Pacífico. Atualmente, a China utiliza o canal do Panamá, controlado pelos EUA. Mais do que um fator comercial, que será discutido no próximo ponto, essa ferrovia é, de certa maneira, uma forma de a China tornar-se mais independente dos americanos.
Evidentemente, os fatores políticos e culturais discutidos aqui não incluem “tirar os EUA do jogo”, mas de resignificar – como os próprios vêm fazendo – o papel do hegemon no mundo multipolar.
Como afirmou Fiori (2014), o declínio relativo do poder dos EUA modifica a configuração geopolítica e econômica mundial, mas não coloca a potencia em escanteio. Os EUA, segundo o autor, devem seguir ocupando lugar de pivô no sistema interestatal, pelo menos pelas próximas décadas.
O que não impede a China, é claro, de mirar no Brasil e em outros mercados, como faz com o continente africano, em um movimento de médio/longo prazo.
Este é, em particular, o caso da China, que já está fazendo um movimento explícito e militarizado de afirmação do seu poder e de disputa da supremacia no mar do sul do Pacífico e em todo o Leste Asiático, além de estar tomando posições cada vez mais evidentes e expansivas na luta pelo controle imperialista da África (FIORI, 2014, p. 33).
Aspectos Comerciais
Desde o fim da Guerra Fria, várias manobras econômicas dos EUA como, por exemplo, o veto ao ingresso da China na OMC como país desenvolvido assumiram caráter inevitavelmente político. Desde então, o país trava novas parcerias comerciais. Parte desse movimento pode e deve ser atribuído a uma economia globalizada, mas parte vem também da necessidade de rever o papel dos EUA – que ainda são seu principal parceiro econômico – na balança comercial e no cenário econômico como um todo. Os acordos recentemente assinados com o Brasil podem ser olhados sob esse prisma.
Mas há, também, aspectos comerciais mais óbvios dentro desses acordos. Em um ano de dificuldades econômicas, o governo aposta nos cofres cheios de dinheiro da China para pagar pelos investimentos em infraestrutura que o Brasil não tem como fazer.
Em uma linguagem muito simplista, pode-se dizer que funciona mais ou menos como juntar “a fome com a vontade de comer”: o Brasil tem espaço para investimentos e a China, que vive um momento de desaceleração da economia, tem capacidade para investir.
De acordo com Becard (2011), faz parte dos objetivos externos chineses diversificar parceiros comerciais e reduzir a dependência de um grupo restrito de fornecedores de matérias primas, insumos e maquinários, além de diversificar os consumidores de seus produtos.
Olhando sob este ângulo, o Brasil representa duas vantagens para a China: a primeira é que o Brasil é um importante exportador de minério de ferro e soja para o gigante asiático e compra de lá, em sua imensa maioria (97,1%) itens manufaturados. As exportações são, segundo Medeiros apud Fiori (1999), desde a década de 1980, o principal componente de dinamização da economia chinesa.
O outro ponto é que, estar mais perto do Brasil significa também estar mais perto da América Latina. No ano passado, nosso país recebeu a primeira instalação fabril da montadora Chery fora da China. A expectativa da gigante, que investiu US$ 522 milhões – parte bancada pela Chery e parte por bancos chineses – era de alavancar as vendas no Brasil e aumentar sua penetração no mercado latino-americano. Ainda entro deste lógica, a megaferrovia Transoceânica sobre a qual Dilma Rousseff falou em discursos recentes, representa uma nova saída para o pacífico e uma forma de a China baratear as commodities que exporta do Brasil por meio de uma logística e de um transporte mais eficazes.
Por fim, explorar a incipiente malha ferroviária do Brasil – seja via projetos intergovernamentais, como é o caso da Transoceânica ou via concessões do governo federal – pode ser uma oportunidade de a China escoar, ainda mais, produtos para cá. Nesse caso pontual, a indústria brasileira teme o que está por vir, visto que com os acordos atrelados ao projeto podem fazer com que o gigante asiático venda para o Brasil, a um custo bastante competitivo trens de passageiros, vagões locomotivas e tudo mais o que envolve estradas de ferro.
Referências Bibliográficas
BECARD, Danielly Silva Ramos. O que esperar das relações Brasil-China?. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 19, pág. 31-44, 2011. Disponível em: . Acesso em 5, junho, 2015. BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Disponível em: . Acesso em 5, junho, 2015. BRASIL. Presidente (2014-2018: Rousseff). Declaração à imprensa da Presidenta da República, Dilma Rousseff, após cerimônia de assinatura de atos entre Brasil e China. Brasília, 2015. Disponível em: . Acesso em: 5, junho, 2015. FIORI, José Luis. História, estratégia e desenvolvimento. Boitempo, São Paulo, 2014. FIORI, José Luis. Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Vozes, Petrópolis, 1999. WORLD BANK. Disponível em: . Acesso em: 5, junho, 2015.
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