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Primavera asiática? Golpe em Myanmar e guerras híbridas

Após anos de cessar-fogo, aliança dos principais grupos armados étnicos de Mianmar prometeram apoio aos manifestantes anti-golpe, o que se configura como o pior pesadelo do Tatmadaw (exército nacional) e região. Os três maiores grupos armados do país que pertencem a organização são: Exército de Arakan, Exército de Libertação Nacional Ta’ang e o Exército da Aliança Nacional Democrática, juntos eles formam a coalizão “Three Brotherhood Alliance”.

Desde as eleições do ano passado, a aliança vinha seguindo com o cessar-fogo unilateral e agora está revendo esse posicionamento e estudando possibilidades de pegar em armas contra o Tatmadaw. Vale deixar claro que ao todo são mais de vinte grupos em todo território e que alguns não só se isentaram, como também fecharam acordo com o exército nacional que está no poder, o que cria uma teia de alianças e rivalidades.

Exército de Arakan

O Exército de Arakan é um grupo armado do estado de Rakhine, famoso pela migração em massa da etnia Rohingya, minoria muçulmana que sofre perseguições de longas décadas no país de maioria budista. O grupo luta pela autodeterminação da etnia na região, tentando criar uma espécie de confederação no país. Esse conflito é responsável pelo maior campo de refugiados no mundo que fica em Bangladesh.

Exército de Libertação Nacional Ta’ang

O Exército de Libertação Nacional de Ta’ang originou-se como Exército / Organização de Libertação do Estado de Palaung, o grupo luta pela autodeterminação do povo Ta’ang. atualmente aliado do Exército de Independência Kachin e do Exército do Estado de Shan. Juntos, eles têm conduzido operações no norte estado de Shan. Após as eleições gerais de 2010 e as reformas constitucionais em 2011, o governo criou a Zona Autoadministrada Pa Laung no norte do Estado de Shan como uma zona especial de autoadministração, a região é uma das mais subdesenvolvidas do país, com poucas escolas e hospitais

Exército da Aliança Nacional Democrática

O Exército da Aliança Nacional Democrática é um grupo insurgente armado na região de Kokang. O exército existe desde 1989, tendo sido o primeiro a assinar um acordo de cessarfogo com o governo, que durou 20 anos. Diversos relatórios indicam que esse grupo, o exército nacional e outros grupos paramilitares lucram juntos na região com o tráfico de drogas no chamado triângulo dourado.

Após uma briga interna em 2009, exército nacional e local estraram em confronto e assim estão até hoje, as ondas de migração para a China são constantes, há quem diga que a China arma o Exército da Aliança Nacional Democrática da etnia Kokang.

A Declaração

A nota veio no final de semana em que o número de manifestantes mortos pelo exército passou de 500. Nela, o grupo fala em “Revolução de Primavera”, em alusão à Primavera Árabe que teve início em 2010. Essa mudança de postura, que vinha desde as eleições, pode facilmente levar o país para uma guerra civil nos moldes do conflito atual da Líbia, conforme alertou um ex-ministro de Relações Exteriores de Cingapura.

Com outros grupos étnicos armados negociando diretamente com o Tatmadaw, uma possível resolução de conflitos se torna ainda mais complexa. As diferentes partes precisarão superar a desconfiança que se acumulou ao longo das décadas e encontrar uma forma de superar seus interesses divergentes para evitar um cenário que é maléfico para todos os lados.

A pauta da criação de um Exército de União Federal que permite pequenos exércitos locais com certo grau de autonomia política volta ao tabuleiro do país, resta saber se quem detém o poder da máquina do Estado está disposto a ceder parte dele.

Tensões regionais

Como é de se esperar, as tensões naturalmente transpassam para seus vizinhos, uma vez que são afetados diretamente pela imigração. Isso é especialmente perigoso quando se trata de uma das regiões mais densamente povoadas do planeta, a Índia já fala em mais de mil pessoas fugindo de Mianmar para seu lado da fronteira, a Tailândia possui mais de um milhão de trabalhadores mianmarenses em seu território, que a depender do movimento político do governo em seu país de origem, pode transformá-los em moradores ilegais na vizinha Tailândia.

A necessidade de fazer algo e se pronunciar sobre o golpe entre os parceiros regionais da ASEAN (Associação de Nações do Sudeste Asiático) joga toda a região para dentro dos problemas internos do país, além de serem prováveis receptores de refugiados caso a situação se prolongue ou se agrave.

Um dos três pilares da ASEAN é a não-interferência em assuntos internos dos vizinhos, o que se mostrou eficaz até aqui, ao contrário do que muitos analistas previam, o caldeirão cultural, religioso, étnico e social da região não a colocou numa espiral de ódio e caos. O que difere agora é o cenário geopolítico mundial em que a China se coloca como grande desafiadora da ordem vigente.

Guerras Híbridas / Primaveras Revolucionárias

A quantidade de material teórico sobre guerras híbridas e a primavera árabe é imensa, em suma, o conceito é trabalhado como uma forma de atualização da guerra convencional, que nos dias de hoje é cara, impopular e extremamente mortal, para métodos informacionais e tecnológicos, criando um clima de desconfiança generalizada dentro do alvo escolhido, chamada de “guerra de todos contra todos”, a ponto de gerar uma cisão social com a finalidade do colapso coletivo.

É sob essa ótica que os novos conflitos do sudeste asiático devem ser estudos, pode não se tratar mais de uma condição natural de uma região que abarca múltiplos costumes e opiniões, agora pode ser também um projeto macro de desestabilização generalizada, que visa em última instância, atacar a potência desafiadora do mundo pós-Segunda Guerra Mundial.

Esse artigo não pretende dar uma resposta concreta de algo que mal começou a estar em curso explorando conceitos que ainda não são consenso na academia. Mas sim, lançar luz sob uma possibilidade real baseada na história recente da geopolítica mundial.

Afinal, pegando um exemplo prático recente, basta analisar o corte temporal do ano de 2012 quando o então presidente Obama lança a plataforma chamada de “Pivô para a Ásia” e analisar o que vinha acontecendo no Oriente Médio até então, quando as políticas de Estado norte-americanas eram voltadas para a região, e o que houve por lá de 2012 até os dias de hoje.

E o recorte do estudo comparativo pode ser amplo: número de mortos, quantidade de grupos rebeldes armados, civis refugiados, invasões internacionais, critérios não faltam. Há também de se ater, pegando esse mesmo período histórico, aos governos do sudeste e do centro da Ásia, a quantidade de tempo em que a instabilidade foi o marco e o que está acontecendo nos últimos anos.

Valter Peixoto Neto, formado em Comércio Exterior (Unibr), pós-graduado em Relações Internacionais com ênfase em Diplomacia (Unisinos). Trabalha com remessas internacionais em uma casa de câmbio e faz pesquisas independentes sobre o Sudeste Asiático. Possui site e podcast onde procura difundir e democratizar o debate e o conhecimento na área de Relações Internacionais. Editor Site: MenteMundo R.I.

Referências

PAGINA:https://thediplomat.com/2021/03/alliance-of-ethnic-armed-groups-pledge-support-for-myanmars-spring-revolution/

PAGINA:https://military.wikia.org/wiki/Myanmar_National_Democratic_Alliance_Army

PAGINA:https://mentemundo.com.br/site/2020/05/07/o-cenario-social-por-tras-do-extremismo-budista-contra-os-muculmanos-rohingyas-em-mianmar/

PAGINA:https://www.mmpeacemonitor.org/1530

PAGINA:https://www.scmp.com/week-asia/politics/article/3125050/keep-myanmars-hated-military-or-face-another-iraq-or-libya

PAGINA:https://asia.nikkei.com/Spotlight/Myanmar-Coup/Coup-strands-over-a-million-Myanmar-workers-in-Thailand&nbsp

PAGINA:https://www.aseantoday.com/2021/03/arrival-of-myanmar-refugees-police-pushes-india-to-get-clear-on-coup/

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