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Quando Conflitos Árabes se Utilizam do Sectarismo Religioso para Encobrir Objetivos Geopolíticos


Luis Augusto M. Rutledge

Geopolítica do Oriente Médio e Norte da África 


Ao longo da história, a religião foi uma ferramenta importante para reis, czares e ditadores, sendo utilizada como uma força ativa para alcançar objetivos políticos, como dominar e explorar os destinos de grandes nações ou construir impérios. Ao manipular o dogmatismo religioso, os cidadãos são mobilizados para alcançar objetivos específicos, pois fornecem uma estrutura espiritual e moral que justifica sua exploração.


Similarmente, o sectarismo político faz uso da exploração para alcançar objetivos políticos, onde a identidade religiosa ou sectária é usada como uma ferramenta para mobilizar as massas e formar alianças políticas pouco prováveis.


No cenário turbulento do Oriente Médio, o sectarismo político é muitas vezes confundido ou retratado como enraizado apenas em divisões religiosas. No entanto, um exame mais atento revela que por trás do discurso religioso de Xás ou lideranças sunitas está uma complexa rede de interesses geopolíticos, acordos comerciais e lutas por influência e poder.

Conflitos na Síria, Iêmen e Iraque mostraram como os interesses geopolíticos encobrem as diferenças religiosas na formação das dinâmicas regionais. E, os atuais conflitos pouco se apresentam como causas religiosas. 


Embora a religião desempenhe, sem dúvida, um papel importante na formação de identidades e alianças na região, reduzir os conflitos apenas a causas sectárias é simplificar demais as dinâmicas complexas que existem.


No centro do sectarismo político na região árabe estão as rivalidades geopolíticas entre potências regionais que disputam influência e domínio. Irã e Arábia Saudita estão engajados há anos pela supremacia geopolítica regional, não em defesa de uma interpretação do alcorão mais alinhada aos seus povos. As grandes questões políticas ou conflitos no Oriente Médio pouco tem a ver com orientação sectária e, portanto, o agravamento dos conflitos faz parte dos contextos geopolíticos.


Os conflitos mais significativos e amplamente divulgados pelo mundo, ocorreram dentro da própria comunidade sunita, especialmente no Iraque e na Síria, depois que a Al-Qaeda e, em seguida, o Estado Islâmico invadiram determinadas regiões. As áreas xiitas no centro e sul do Iraque continuam a viver em um estado de analfabetismo, pobreza, insegurança e serviços sob governos que usam a proteção da comunidade xiita como seu slogan.


Assim, os apelos sectários são usados como pretexto para encobrir a hegemonia, o tráfico de influência e a corrupção. A intervenção do Irã e do Hezbollah na Síria foi realizado por razões políticas e estratégicas. Muitas lutas por domínio, influência, poder e riqueza no Oriente Médio exploram as chamadas diferenças históricas para alcançar interesses expansionistas e influência regional.


Os atuais conflitos do Mar Vermelho com terrorismo de forças Houthis em pouco se baseiam em histórico religioso, assim como a troca de drones entre Israel e Irã. Onde se discutem questões religiosas? Em que se baseiam?


A história recente mostra a realidade fria entre religião e política. Apesar dos aparentes apelos religiosos e sectários na política do Irã, os interesses do Estado têm precedência sobre o sectarismo. Após 1991, o governo iraniano favoreceu a Armênia cristã em detrimento do Azerbaijão xiita secular e apoiou a Jihad Islâmica e o Hamas, os ramos palestinos da Irmandade Muçulmana sunita, para alcançar seus objetivos de estender sua influência na região. Somados ao apoio iraniano por debaixo dos panos a grupos radicais sunitas salafistas com o mesmo propósito.


Na Síria, o regime bárbaro de Bashar al-Assad desqualificou o protesto democrático pacífico do povo sírio, chamando os manifestantes de "terroristas jihadistas salafistas" ou ameaçando igrejas cristãs. A aliança do regime de Assad com o Irã, de maioria xiita, contra grupos rebeldes sunitas e curdos tem menos a ver com ideologia religiosa do que com a manutenção da posição do Irã no Levante. Da mesma forma, apesar da atual trégua diplomática entre Irã e Arábia Saudita, a caótica situação do Iêmen é alimentada pela rivalidade saudita-iraniana, na qual identidades sectárias são manipuladas para servir aos interesses geopolíticos mais amplos.


Atores externos também estão influenciando e alimentando o sectarismo político na região árabe, explorando as falhas internas e, em alguns casos, se utilizando de milícias alinhadas com seus interesses. Enfrentar o sectarismo político requer uma abordagem profunda que alcance e reconheça seus fundamentos geopolíticos. 


A bem da verdade, os povos da região devem priorizar a reconciliação e reconhecer que a paz sustentável depende de abordar as causas profundas da influência estrangeira, em vez de perpetuar ciclos de violência.


Os conflitos atuais devem ser retratados com transparência, como lutas por riqueza e poder, ainda que disfarçadas em termos sectários usados pelas elites políticas para manipular e mobilizar as massas. Identificar e reconhecer a natureza geopolítica do sectarismo político é fundamental para desenvolver estratégias eficazes para promover a paz e a estabilidade na região.



Luis Augusto Medeiros Rutledge

Engenheiro de petróleo formado pela UNESA e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC.

Pesquisador da UFRJ, Analista de Geopolítica Energética e Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior - FUNCEX. 

Colunista do site MenteMundo.

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