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RELIGIÃO E PODER: A fé como ferramenta de dominação

Religião e poder são temas bem controversos na história da humanidade. Se por um lado, a religião tem uma natureza espiritual e libertadora, por outro, pode-se perceber que ela foi utilizada como instrumento de dominação por aqueles que detinham o poder.  Desde o Império Romano, até os dias atuais, com a utilização de um discurso religioso nos países Ocidentais, até o surgimento dos grupos extremistas islâmicos a religião se relaciona com o poder, seja como agente de perpetuação deste, ou como um agente de resistência contra as grandes potências.

 Na Antiguidade, o Império Romano utilizava o sincretismo religioso como forma de manter a ordem e evitar revoltas  dentro de suas terras. Com o surgimento do cristianismo e sua rápida expansão pelo Império, manter o sincretismo religioso já não era mais uma prática vantajosa. O cristianismo após uma fase inicial de perseguição tornou-se a principal religião do Império, tornando as demais religiões pagãs obsoletas e condenando-as ao ostracismo.

Enquanto o cristianismo utilizava as estradas do Império Romano para propagar suas verdades centrais, na China Imperial da Dinastia Han (206 a.C. – 220 d.C.) o Confucionismo também adquiria status de filosofia oficial do Estado. A base do pensamento Confucionista era “Conhece o teu lugar”[i]. Este pensamento foi facilmente assimilado pelos líderes do império chinês e utilizado como ferramenta de construção e manutenção de uma hierarquia social.

Como a China Imperial não possuía ambições expansionistas, o confucionismo esteve restrito durante séculos, ao território chinês. Enquanto isso, na Europa, a ruína do Império Romano abriu caminhos para a consolidação da Igreja Católica como estrutura de poder. O Império Romano constituiu-se numa excelente plataforma de propagação do cristianismo pelo continente. A relação entre Igreja e Império oferecia amplas vantagens: O império possibilitava a propagação do cristianismo uma vez que o exército mantinha as terras seguras para os fiéis. Enquanto isso, a Igreja oferecia ao Império uma identidade cultural, e certa submissão às autoridades, evitando assim, que surgissem revoltas dentro de seu território.

Essa relação, no entanto, não foi suficiente para evitar a ruína do Império Romano, o que gerou uma série de pequenos principados espalhados pelo continente. Com esse cenário de poder descentralizado, a Igreja Católica tornara-se a única instituição centralizada, com uma identidade cultural própria e que, portanto, estava acima dos senhores feudais em termos de poder.

No século VII d.C., a recém-fundada religião islâmica dominou toda a costa norte da África e toda a península Ibérica. O Islamismo representou uma importante ligação comercial entre a Europa e a Ásia. A ausência do Império Romano abria espaço para a expansão rápida do islamismo, sobretudo, em continente europeu e na região da Palestina, o que gerou diversos atritos entre muçulmanos e cristãos, culminando nos eventos conhecidos como Cruzadas. As Cruzadas faziam parte do movimento de Reconquista Cristã que obteve grande sucesso, expulsando os árabes da Europa e consolidando a força da Igreja Católica.

O status de autoridade espiritual e política da Igreja foi responsável por gerar um cenário de corrupção moral, teológica e espiritual que conduziu a diversas revoltas. Em 1517, Martinho Lutero foi o responsável pelo início do movimento conhecido como Reforma Protestante,que apoiado por príncipes germânicos, alcançou uma força sem precedentes. No movimento da Reforma, pode-se perceber o embrião das ideias que dariam origem ao Estado-Nação: o conceito de soberania estatal e a separação entre Igreja e Estado.

Separado da religião, o Estado surge com força política e econômica devido às inúmeras riquezas extraídas do período das Grandes Navegações. A religião, agora, estava reservada a esfera privada e assumia papel secundário. No entanto, seria ferramenta essencial na formação de uma ideologia para submissão dos povos colonizados. A religião torna-se mais uma vez, um instrumento de coesão social e de subordinação. O ensino religioso era responsável por criar a mentalidade submissa e tornava mais fácil a tarefa de manter a ordem nas colônias.

Há dois pontos a se destacar quando se fala na relação entre religião e poder, sobretudo, o poder exercido pelas metrópoles no período colonial. O primeiro deles é o que Edward Said chama de imperialismo cultural, que consiste na dominação ideológica e cultural que a metrópole exercia sobre a sua colônia. Essa dominação consistia em fazer com que o colonizado aceitasse sua inferioridade em relação a metrópole,  e que o respeito a nova autoridade era um elemento fundamental para o bárbaro alcançar o progresso. A metrópole propagava a ideia de que a colonização era a vontade de deus para aquele povo. Pode-se exemplificar essa relação de dominação no comportamento de escravos africanos que aceitavam de forma passiva os castigos a que eram submetidos, por acreditarem ser essa a vontade divina.

O segundo ponto a ser analisado é como a própria religião funcionou como instrumento de identidade para os povos colonizados, gerando o que Fanon descreve como uma “cultura de resistência”. Essa ideia de cultura de resistência pode ser aplicada ao surgimento do fundamentalismo religioso na atualidade. Pressionados por políticas imperialistas das grandes potências europeias, extremista islâmicos usam de um discurso religioso para legitimar uma guerra assimétrica contra as políticas que subjugam seus povos. É o que vimos no caso dos atentados do 11 de setembro.

O surgimento do fundamentalismo pode ser entendido, portanto, como forma de resistência. Mas, não é só no Oriente que ele se encontra presente. No Ocidente, grupos religiosos ganham espaço dentro de partidos políticos para promover suas agendas conservadoras. Nos Estados Unidos a emergência da Direita Cristã exemplifica bem esse cenário. Esses movimentos nascem a partir de uma resistência contra o movimento de contracultura propagado pela esquerda. Com um discurso conservador, moralista e puritano, baseado na luta contra o aborto, a homossexualidade e a liberalização das drogas, e mais recentemente, contra a imigração de refugiados muçulmanos, conservadores religiosos buscam obter cargos políticos para avançar suas agendas políticas. No Brasil, temos como exemplos diversos.

A relação existente entre religião e poder  assume diversos formatos. Entre eles, a propagação de uma retórica religiosa, a utilização da influência dos líderes religiosos com base em seu carisma e até mesmo o uso das novas tecnologias para a atração de fiéis.

É comum que líderes políticos utilizem-se de uma retórica religiosa para legitimar suas ideias, sobretudo, quando suas medidas antipopulistas recebem apoio de uma parcela de líderes religiosos. Esse tipo de relação pode ser vista, por exemplo, entre o governo russo e a igreja ortodoxa russa, em que há uma certa relação de cumplicidade entre ambas as partes. A Suprema Corte russa, recentemente, proibiu a atividade das Testemunhas de Jeová,  apenas uma das várias ações do governo que favorecem a Igreja Ortodoxa.  A mesma relação pode ser vista nos Estados Unidos quando o governo de George W. Bush utilizou-se, exaustivamente, de uma retórica cristã para legitimar as invasões aos Iraque e Afeganistão. No Brasil, o impeachment de Dilma Roussef foi amplamente apoiado pelos líderes das principais denominações evangélicas do país.

Outro formato adotado nas relações entre religião e poder é quando o poder político assume uma certa dependência em relação a algum líder religioso, baseado em seu carisma, ou mesmo sua autoridade espiritual. O papa Francisco, por exemplo, teve grande participação nas negociações que definiriam uma nova relação entre Estados Unidos e Cuba. Neste caso, o carisma pessoal do papa foi utilizado para iniciar as negociações entre as partes, enviando cartas aos representantes dos dois países, recebendo ambas as delegações e intermediando o diálogo. A presença de Francisco foi crucial para a aceitação da negociação, sobretudo, pelo sistema internacional e a população dos países envolvidos.

Outro exemplo, é a relação entre a política dos países muçulmanos e os líderes religiosos. No Irã, o Chefe de Estado é o Faquih – o Guia Supremo – posição ocupada desde 1989 pelo aiatolá Ali Khamenei. Dentre suas funções, está a de comandante-em-chefe das Forças Armadas e  a nomeação do chefe do poder judiciário.

A mais recente forma de relação entre Religião e poder é a utilização das mídias alternativas, por parte de extremistas religiosos como instrumento de aliciação de novos fiéis. O Estado Islâmico propaga sua visão pelas diversas redes sociais, a fim de atrair jihadistas dispostos a batalharem pela sua causa. Suas propagandas baseiam-se nas utopias de justiça social e extremo zelo religioso, além da expansão do califado.

Como pode-se perceber, a religião foi por diversas vezes utilizada como instrumento para a propagação e manutenção do poder. É comum que instituições políticas utilizem um discurso religioso para legitimar suas ações. Quando, a utilização de uma retórica religiosa não é suficiente, é possível que se busque  apoio de um líder religioso que utilize sua influência e carisma junto a população. Por outro lado, a religião utilizada como instrumento de poder favorece o surgimento dos diversos movimentos extremistas, que usam da violência física ou do lobby político para alcançarem seus objetivos.


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REFERÊNCIAS

Kissinger, Henry. Sobre a China. 2011;

FANON, Frantz. Os Condenados da Terra. Civilização Brasileira S.A.- Rio de Janeiro, 1968.

SAID, W. Edward. Culture and Imperialism. New York, 1993.

http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/12/1844790-na-russia-ortodoxos-sao-acusados-de-servir-aos-interesses-do-governo-putin.shtml

http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/17/internacional/1418837510_239458.html


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