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Smart Cities no Interior, vantagem ou desvantagem?

Meu avô era fotógrafo. Consigo me lembrar de quando ele ia fotografar algum evento ou festa as expressões que ele usava: “Vou usar um filme de 400 asas, porque ele é mais flexível quanto à diferentes tipos de exposição à luz”, “Semana que vem eu já vou ter as fotos prontas… preciso comprar mais líquido revelador para isso!”. Hoje em dia, essas falas apresentadas para um jovem de 20 anos talvez não sejam compreendidas, já que a realidade é completamente diferente: Com o Snapchat, por exemplo, uma foto pode ser tirada, instantaneamente publicada em uma rede social, e deletada do aparelho após alguns segundos que foi visualizada. Hoje está tudo muito rápido, instantâneo e ao alcance de um clique.

Da mesma forma que o digital e as informações virtuais aumentaram a velocidade na sua divulgação e movimento de um aparelho para o outro, de uma página de internet para a outra, o mesmo padrão segue na área da arquitetura. Anteriormente, a forma de um prédio, os materiais usados nele, cores e outros elementos eram pensados para uma determinada função. Com a arquitetura moderna, que ocorreu nos anos 60 e 70, a planta de um estabelecimento era pensada de forma a ser o mais livre possível, para que esse espaço seja ocupado de diferentes formas e adaptável para novos futuros usos. A forma do prédio não segue mais a função que ele vai ter; ele é o mais neutro possível, se adapta.

“Em outras palavras: os espaços redesenham-se ao longo do tempo, estáveis enquanto ‘endereço’, móveis no tempo, ao se (re)organizarem como múltiplas ocupações, dentro de uma mesma materialidade. Mobilidade do tempo no espaço! E a arquitetura da vanguarda investiga essa moradia transitória, propõe possibilidades para ela, ocupando-se em reconhecer aquilo que seria permanente, o que poderia estar assegurado como corpo estável entre variáveis. Corbusier, ao precisar o conceito de Planta Livre, é um dos arquitetos fundamentais na construção dessa investigação.” (BOGÉA, M., 2009, p.175)

Com o melhoramento das técnicas construtivas, negócios feitos com uma velocidade cada vez maior, melhoria na infraestrutura de transporte, o campo começa a perder lugar para a cidade: o índice de urbanização aumenta e há cada vez mais cidade e tecnologia despontado no espaço.

Frank Lloyd tem frases que servem inteiramente para que compreendamos a cidade contemporânea, ao afirmar que tudo vai ser cidade, porque esse padrão se organizará, e a ideia de uma urbanização total está presente no pensamento do Frank Llyoid.” (MEYER, 2015)

Juntamente com a urbanização de áreas rurais, o antigo conceito de “capital com recursos e interior sem” começa a mudar. As metrópoles começam a descentralizar suas fábricas, em direção ao interior. Tal impulso começa a tomar vulto na década de 70. Essa tendência é favorecida pelas políticas estaduais de descentralização. A melhoria da estrutura rodoviária, como consequência da instalação do Plano Rodoviário de interiorização do Desenvolvimento de 1972/75. Fora esses investimentos em infraestrutura de transporte, houve investimentos estaduais em pesquisa e tecnologia, principalmente na região de Campinas, com a construção da Unicamp (1965) e do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), que seria, no fim desta década, integrado à Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiróz (ESALQ) da USP, em Piracicaba (NEGRI, 1996, apud p. 75 e 76). Fora isso, houve investimentos estaduais e federais que proporcionaram, entre os anos 60 e 80 um crescimento significativo dessas cidades do interior, principalmente do interior de São Paulo. (OTERO, 2016, p.60)

“Com efeito, a localização da indústria no interior de São Paulo tendeu a favorecer municípios de porte médio, dotados de infraestrutura, próximos à malha viária, e mais distantes dos problemas crônicos das grandes cidades. Na verdade, muitos desses municípios de São Paulo já vinham crescendo em ritmo superior ao da área metropolitana.” (IPEA; IBGE; UNICAMP, 2002ª p. 41 apud OTERO, 2016, p.61).

Somados a esses fatores, o fato de as cidades de interior não estarem totalmente coladas umas às outras, existindo assim um espaço rural entre elas, possibilita que sejam urbanizadas seguindo diretrizes sustentáveis, sendo, portanto, respeitosas ao meio ambiente e agradáveis aos usuários. Uma dessas diretrizes é a de orientar o desenvolvimento pensando no transporte em primeiro plano.

“Incentivar o uso dos transportes não motorizados e dos transportes públicos como alternativa aos automóveis é uma questão central na busca de um  desenvolvimento mais sustentável. (…)Nesse sentido, o desenvolvimento urbano orientado ao transporte sustentável sugere, entre outros fatores, que os territórios sejam ordenados de maneira a reorganizar os lugares onde ocorrem as atividades quotidianas possibilitando o uso eficaz dos transportes públicos e dos modos não motorizados.” (SCHMIDT, 2015)

Todavia, atualmente não se pode pensar apenas no tempo de deslocamento de um ponto A para um ponto B. A qualidade deste deve ser levada em conta: por exemplo: da minha casa ao trabalho, posso ir de carro (10 minutos) ou de bicicleta (20 minutos); pensado puramente em tempo e economia dele, eu escolheria o carro. Porém, esta análise é quantitativa; com as longas jornadas de trabalho de hoje em dia, em que não se há tempo para exercício físico, em que se fica dentro de um escritório com ar condicionado o dia todo, talvez esses 10 minutos a mais gastos, pedalando, seja o tempo necessário para proporcionar liberação de endorfina neste empresário, o que reduzirá níveis de stress e o deixará mais focado e produtivo. Além disso, a bicicleta polui menos o meio ambiente. Mas como conciliar transporte público ou não motorizado com as atividades e horários fixos que temos em nossas rotinas? Devemos pensar apenas nas distancias entre dois locais?

E se o planejamento urbano fosse além da lógica do espaço e fosse pensado também como uma questão de tempo? É o que sugere James Faulconbridge, geógrafo e economista, pesquisador da Universidade de Lancaster. (…) Nesse contexto, o que influencia a escolha modal não é apenas a distância entre as diversas atividades, mas o efeito combinado da distância entre elas e suas temporalidades. (…)Mas como isso pode se traduzir na prática do planejamento urbano? Poderiam as políticas públicas agir para reorganizar essas temporalidades de maneira a encorajar o uso dos transportes públicos e dos modos não motorizados? Os pesquisadores acreditam que sim. Por exemplo, as políticas de educação poderiam flexibilizar os horários escolares e associá-los às políticas do trabalho, que tornariam obrigatória a organização e a flexibilização dos horários de trabalho possibilitando sua vinculação às demais práticas quotidianas. Desta forma, essas intervenções poderiam possibilitar a criação de “matrizes espaço-temporais facilitadoras”, ou seja, possibilitar orientações espaço-temporais propícias aos deslocamentos a pé, de bicicleta ou em transportes públicos. (SCHMIDT, 2015)

Essa flexibilização das atividades entra em concordância com tendências contemporâneas: aumento do número de serviços prestados por start-ups (que possuem jornada de trabalho mais flexível); incentivo das empresas a atividades saudáveis por parte de funcionários (bonificação para quem vai ao trabalho de bicicleta, quem perde peso, participa de corridas, etc); agenda virtual, que organiza em tempo real cronogramas; e a necessidade de mudanças de alguns sistemas muito ortodoxos ou que sejam exclusivamente orientados pelo lucro, pois o planeta e as pessoas estão colapsando.

Portanto, matrizes que gerenciem infraestruturas de transporte com eficácia, seja por aplicativos, painéis informativos, é uma discussão coerente com as necessidades contemporâneas. Esse gerenciamento não se restringe somente aos meios de transporte, mas se estende à gestão da produção de lixo, iluminação pública, educação, saúde, entre outros. Uma cidade inteligente, ou smart city é uma cidade que usa da tecnologia para proporcionar uma cidade mais respeitosa ao meio ambiente mas também mais agradável aos cidadãos, com mais qualidade de vida. Todas as ferramentas e plataformas digitais de hoje são/serão ferramentas para que os cidadãos possam participar na gestão da cidade, de forma que ela seja geria de baixo pra cima, ou seja, com representatividade popular. Além disso, a esfera pública deve gerir e filtrar as parcerias com instituições provadas, que são tão importantes, para garantir que a busca pelo lucro, nessas parcerias, não signifique exclusão social. O caminho não é em direção à uma cidade como a dos Jetsons, mas sim uma cidade humana, para pessoas, com pensamentos, sentimentos e ações.

O perigo dessa “tecnologização” é o de alienar as pessoas. Gerar urbanidades e relações interpessoais através da tecnologia pode parecer uma iniciativa paradoxal. A tecnologia por si mesma, contudo, não é uma preocupação; a criação de espaços físicos que incentivem a socialização é um dos pontos chave para o sucesso na humanização. Nesse sentido, as cidades do interior apresentam uma vantagem em relação as cidades grandes: menores distâncias, menor aceleração nas atividades, menor poluição e transito e mais espaços não conturbados entre as cidades, como potenciais de novas regiões urbanas sustentáveis a serem explorados. As cidades do interior não devem ser vistas como espaços serventes das cidades grandes, ou locais com falta de infraestrutura, mas sim como locais com muita potencialidade, com identidade e humanidade.


Bibliografia:

  1. MEYER R. Palestra da Semana de Arquitetura, IAU USP, 2015

  2. BOGEA M. Cidade Errante, Arquitetura em Movimento. Editora Senac, 2009. São Paulo, 248 p.

  3. SCHMIDT, Luiza – Planejamento urbano e mobilidade sustentável: uma questão de tempo? In Archdaily Brasil [Online], 2015

  4. ITDP (Instituto de Pesquisa de Transporte e Desenvolvimento). Padrão de Qualidade TOD v2.0. Logos Gráfica, 2013, 78 p.

  5. OTERO, E. V. Reestruturação urbana em cidades médias paulistas: a cidade com o negócio. Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016, 342 p.

Autor:


perfil

Filipe Rocha de Abreu, Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade de São Paulo, Campus São Carlos (IAU USP). Intercâmbio Acadêmico na Instituição Francesa École Nationale Supérieure d’Architecture de Grenoble. Filipe é interessado pelas dinâmicas interpessoais nos espaços urbanos, participou em projetos de Smarcities em Ilha Solteira (SP) e Água Cumprida (MG). Além disso, apresenta interesse no estudo de idiomas e nas interações entre pessoas de diferentes culturas.

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