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Soberania Externa

A recente reclassificação do Brasil por uma agência de consultoria internacional (e privada) é mais um exemplo de como se constrói uma realidade.

Por questões históricas particulares, as Américas – mais especialmente a América Latina – são uma mistura de balão de ensaio e expectativas tornadas concretas. Com uma História herdada/imposta pelo colonizador, o Novo Mundo é uma espécie de País do Espelho da Europa. Até aqui não é nenhuma constatação nova; línguas, nomes, crenças, todas herdadas, trazidas ou transmutadas para as Américas. No entanto, foi o lado mais torto que vigorou na colonização: refugiados religiosos no Norte, “indesejados” da sociedade no Sul, regimes aristocráticos, Sebastianismos, xenofobias… Talvez o termo mais apropriado fosse Velho Mundo versão Dois, Beta.

Esses pré-conceitos foram encaixados ao esforço colonizador e, mais importante, o modo como as Américas eram percebidos na Europa produziam de fato os países do continente, produção não só conceitual, mas material. Exemplos disso podem ser encontrados nas formas de governo e organização “adotados”, na arquitetura, arranjos econômicos, o modo com se desenham as ruas e se canalizam rios, afinal, não é como se não houve povos já habitando o território. Mas, o que mais chama a atenção é que essa produção é externa, feita por estrangeiros (na acepção pura da palavra), não necessariamente como reprodução do que já havia, mas do que seria o “melhor” para a população americana.

Novamente, por questões históricas, os países do norte conseguiram a independência real, a de produzir a própria vida. Não eram mais construídos pela visão externa do interlocutor, mas agora produziam de fato a própria matéria. Não careciam mais da tutela sábia dos mestres e pais, mas passaram a ditar as regras do mundo pós-guerra. Exemplos não faltam: Bretton-Woods, ONU, OMC, sistema financeiro lastreado em U$ Dollar.

O que se observa, no entanto, a permuta de senhor não inverteu a lógica da super-estrutura versus infra-estrutura. A América do Sul continua a ser construída de fora para dentro. Somos o que as novas “metrópoles” acredita que somos.

Sem juízos de valor ou morais, o que classifica os governos sul-americanos não é a denominação doméstica, mas a internacional. Se outro, membro de um conselho, de segurança, classifica aquele país como ‘ditadura’, assim será, tanto na terra como no céu. “Só será democracia se for a minha democracia”. O discurso é velho e implícito, mas ainda é vigente.

Isso leva a nova classificação do Brasil como investidor. O país passa por uma crise financeira e, mais perigosa ainda, política. No entanto, a nota atribuída ao país mais parece uma tarja de “afaste-se, doença contagiosa”; é como se, da noite para o dia, um corpo saudável contraísse ebola e gangrenasse a vista de todos. É preciso a chancela do outro para ser de fato.

O mundo, assim como o Brasil, vive em crise desde 2008. Não houve sintomas? É só com a opinião de especialistas e agencias internacionais que a situação se torna real? Pessoas só existem quando cruzam a fronteira? Ou quando levam rasteira (literalmente)?

Não são os Estados soberanos para declarar as próprias situações? São então moldados por outras classificações. Os atores nominais estão postos, mas o atores reais ainda não são muito bem compreendidos. A consequência é a subordinação do público ao privado, como claramente acontece na América Latina (mas não só), sempre refém de pacotes fiscais e políticas de austeridade, decidas por órgãos outros, mesmo que formados por entes estatais, mas com claro objetivo de saldar uma dívida, à um banco, privado.

Assim, o que constrói a realidade do Estado não é a política entre esses entes, mas uma política privada. É caso, histórico, da América Latina.

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