Em uma concepção ocidental, colonialista, acreditava-se que a filosofia tem seu berço na Grécia Antiga. Uma ideia deturpada de que a filosofia não existia antes dos gregos antigos.
Esta é uma visão, atualmente, bem problemática. Há estudos que apontam que não foi na Grécia dos pré-socráticos que a filosofia se iniciara. Até a própria palavra filosofia, em sua estrutura, não é de origem totalmente grega. Há relatos de filósofos gregos que foram à África, buscar conhecimentos (MONTEIRO 2020). Este artigo, entretanto, não tem por objetivo entrar na discursão da origem da Filosofia, mas mostrar que existem outros polos de pensamentos filosóficos não ocidentais.
A Filosofia Africana, pensada pelo negro, sempre foi vista com maus olhos pelos acadêmicos ocidentais, pois, para eles, somente o ocidental branco faz uso da razão para filosofar, o negro não, este é levado por emoção, sem raciocínio lógico, por misticismo, sem elementos científicos. Para Ramos “Historicamente, foi construída uma ideia de subjugação do pensamento negro, como se os negros não fossem capazes de criar, planejar, construir e desenvolver obras, ciências, medicina e filosofia”.
Essa perspectiva vem se alterando. Com o surgimento de muitos pensadores africanos e sua diáspora ao redor do globo criando, pesquisando e construindo saberes sobre a história, filosofia e cultura africana. Infelizmente, no Brasil, mesmo com leis para a obrigação do ensino da História e Cultura Afro-brasileira, ainda precisamos avançar muito no desenvolvimento de conhecimento da nossa própria História, pois o que seria o Brasil sem o negro?
Na filosofia é possível encontrar muitos nomes de pensadores africanos e sua diáspora que vem desenvolvendo muitos saberes em torno da história, filosofia e cultura do continente africano. Há diversos conceitos filosóficos nessa vertente: como o estudo da Etnofilosofia, ou a Filosofia da Sagacidade (também conhecida como filosofia do Sábio) e a perspectiva Ubuntu, que tem se tornado bastante falada: com sua alternativa ao individualismo ocidental. Estes saberes dão-nos uma nova visão não só da filosofia africana, mas de todo o contexto histórico e cultural daquele continente. Neste sentido, este artigo visa, em uma propedêutica, explanar sobre a Filosofia Ubuntu.
Para se discutir a metafisica africana, a filosofia africana de modo geral, tem-se de passar pela cosmovisão do conceito de ubuntu. O Ubuntu representa o conceito de humanidade o qual o indivíduo está conectado ao todo na máxima: eu sou porque nós somos. A etimologia da palavra é originária da etnia xhosa, grafada também como umuntu na etnia zulu. No conceito ubuntu, a ontologia e a metafisica são áreas de importância fundamental pois é exatamente por fundamentar a noção existencial dos povos que esse conceito determina a ética e a filosofia moral dos africanos.
Para Kashindi (2015):
“Aqui tomamos a acepção de ubuntu como uma ética africana fundamentada na máxima xhosa que diz: “Ubuntu ungamuntu ngabanye abantu”; no sentido de que a humanidade e o humano não se realizam senão por meio ou através dos seres humanos. Essa máxima, em suas diversas expressões, é entendida como o fundamento de uma cosmovisão africana, sem qual não se vive ubuntu de forma distinta e contextualizada. Em zulu, língua de outra etnia sul-africana, [...] esta mesma ideia se expressaria dizendo-se “umuntu ngumuntu ngabantu”, o qual se traduz como “a pessoa é pessoa em meio às outras pessoas” ou, como ocorre traduzir Desmond Tutu, “eu sou porque nós somos” (KASHINDI, 2015 Apud MONTEIRO, 2020.)
Para Dirk Louw, Doutor em Filosofia Africana pela Universidade de Stellenbosch, o ubuntu é um fundamento tradicional do continente africano que busca articular um respeito básico pelos outros. O qual pode ser interpretado tanto como uma regra de conduta ou por um conceito ético/social.
Desta forma percebe-se a ideia da Filosofia Ubuntu como um conceito de humanidade comum, sendo uma unidade, isto é, uma humanidade da qual você e eu somos um só. É um contraponto ao pensamento individualista surgido na idade moderna com René Descartes que é a base ao pensamento econômico capitalista.
No ubuntu, o indivíduo se torna humano ao se fazer pertencente à uma comunidade. Desta forma, a comunidade é indispensável para que os indivíduos existam. É o viver em sociedade que condiciona o sujeito a desenvolver sua humanidade. Sua identidade se forma não apenas da construção pessoal, senão da comunitária. Sendo assim, o grupo se beneficia do aperfeiçoamento do sujeito e vice-versa (MONTEITO, 2020).
Nas relações internacionais o ubuntu surge como uma alternativa para a resolução de conflitos de forma pacífica. No continente africano por exemplo, tem sido aplicada a Filosofia Ubuntu para as resoluções: a Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul é o melhor exemplo, a qual foi liderada por Desmond Tutu, conhecido justamente por ajudar os sul-africanos a lidar com as feridas do Apartheid e ganhador do Prémio Nobel da Paz, de 1984. E talvez o principal nome moderno da Filosofia Ubuntu.
No pensamento político esta filosofia afirma que o poder político é voltado para o cuidado social, o poder do Chefe de Estado, de qualquer governante, é tão somente, cuidar e zelar pelo bem-estar da comunidade. A missão de quem detém o poder é cuidar para que todos tenham vida em abundância. O poder, consequentemente, não é um privilégio adquirido por status social ou de articulações para se chegar ao poder. Não é algo apenas de direito ou legalista. A força do governante vem de seus súditos e por isso que se o povo for fraco, terá um governo débil.
A resolução de conflitos no pensamento ubuntu se torna mais fácil pois, nesta cosmovisão, acredita-se que os laços comuns dentro de uma sociedade, são mais importantes do que quaisquer discussões, que quaisquer divisões individuais dentro de uma sociedade.
Para Kashindi
Sem o outro, não existe a possibilidade da humanidade, do conhecimento da vida; com outro, ao contrário, postula-se o humano e outros valores como a solidariedade afetiva, calorosa, a responsabilidade... e liberta-se dos ídolos da morte que são o egoísmo, a marginalização social, o racismo, entre outros (KASHINDI, 2015 apud MONTEIRO, 2020).
Torna-se mais fácil de se resolver conflitos com solidariedade afetiva, de forma calorosa, eliminando a marginalização social, o racismo e outros problemas. Uma filosofia cuja essência se concentra na comunidade, na humanidade e não no egoísmo, torna-se mais passível de uma coexistência igualmente pacífica.
O ubuntu é uma nova perspectiva a esse mundo individualista, egoísta que, através do capitalismo, é super difundido no mundo. Através dele podemos mudar de ideia em relação ao pensamento egocêntrico do “o que é bom para mim” e colocarmos em ação a ideia de que “o que é bom para mim, é bom para o outro também”.
O ubuntu é um conceito filosófico e um meio de vida. Sua importância, além do supracitado, é que nos dá outra cosmovisão além da ocidental. O ubuntu também é importante para o continente africano no sentido de poder mostrar ao mundo que, diferentemente do que se é pensado, não é só o ocidente que é capaz de criar conceitos filosóficos. O Ubuntu é um de muitos conceitos e ideias vindas de um continente marginalizado também no âmbito do conhecimento científico.
Este artigo tem como intuito estimular ao leitor a buscar outros modos de ver o mundo não só na ótica ocidental, esta propedêutica à Filosofia Ubuntu tem como objetivo não exaurir o leitor sobre conceitos e fundamentos, mas estimulá-lo e introduzi-lo ao pensamento africano, desta forma para finalizar, deixo como indicação de leitura para outros temas citados na introdução deste escrito o livro organizado por Ivan Luiz Monteiro: Introdução ao pensamento filosófico africano.
GENILDO PEREIRA GALVÃO, Graduado em Relações Internacionais pelo Centro Universitário IESB. Cursou um semestre do seu curso na Universidad Autónoma de Guadalajara, México. Conquistou essa oportunidade em um programa de bolsas do Programa Santander Universidades, no qual ficou entre os 9 selecionados do processo seletivo de 2017. Iniciou uma Licenciatura em História, em 2021, que trancou para iniciar uma em Filosofia que segue cursando. Atualmente está trabalhando no Ministério da Educação como Analista Jurídico Júnior pela THS Tecnologia. Membro do CERES.
REFERENCIAS
MONTEIRO, Ivan Luiz. Introdução ao pensamento filosófico africano. 2020.
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