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Yes, she can’t

                                                                                              Por Carlos Frederico Pereira da Silva Gama[i]

Herói de vitórias improváveis, caminhando contra o vento na ressaca de Barack Obama, Bernie Sanders já tem voz acreditada, mesmo sem nomeação. Isso conta nas disputas de representação.

O lugar onde ele pode falar já está concebido de antemão. Foi um espaço de fala para outros, antes dele. Esse lugar improvável poderia ter sido apropriado em seu favor, ao longo da campanha. Existia essa possibilidade já, em nossas mentes. Há outros lugares para Sanders à vista – simbolizando um revigoramento normativo do Partido Democrata que pode, no longo prazo, conduzi-lo à liderança via sociedade civil, como ocorreu com Jeremy Corbyn no Reino Unido.

Hillary Clinton não desfruta de tais privilégios. Mesmo com maioria dos votos e a nomeação prestes a ser assegurada, ela persiste lutando para ter uma voz – que não foi ouvida nos últimos 240 anos na América dos Estados Unidos. Antes que Hillary possa falhar ou frustrar, despertar qualquer apelo, ela precisa de um lugar que possa chamar de “lugar seu”. De saída, restrições já foram invocadas. Demandando justificativas. Como muitos eleitores já vocalizaram: “estou votando Hillary, mas…”.

O esvaziamento do capital simbólico de Hillary na narrativa eleitoral se tornou ainda mais visível diante do pouco entusiasmo do Presidente Obama com a candidatura de sua ex-Secretária de Estado.  Entretanto, os fracassos detalhados à exaustão – reformar o sistema de saúde, decapitar a Al-Qaeda (apesar de ter trazido o escalpo de Osama Bin Laden do Paquistão), consolidar a “mudança de regime” na Líbia – importam menos do que a obsolescência programada nos corações e mentes.

Hillary demonstrou notável fluidez política ao longo de três décadas. Ela se vê na desconfortável posição de alguém que mudou, mas que permanece aprisionada numa imagem pré-concebida, uma expectativa compulsória – que Michel Foucault chamou de “sujeito[ii] e Judith Butler, de “gênero[iii].

Hilary Cliton

#feelthebern é um discurso que pode ser sentido seguramente, de forma autoritativa, como o pontapé inicial para sonhos. Um futuro para acreditar – mesmo que soe quase irreal, no revolver das crises de 2016, um país onde o eleitorado queira viver, sem pesares e temores. Jogando com a utopia, a hashtag já tem algo a oferecer – memórias customizadas.

bernie

Pelo contrário, Hillary percorre uma trajetória penosa. Sobre seu alegado pragmatismo, paira uma espada de Dâmocles que nenhum acaso pode arruinar. Ela não tem nenhum lugar ao qual recorrer – Hillary pilota uma nave inaudita, por trajetos indeterminados. Ao lutar por um lugar feito por si mesma, ela rompe com aquele homem que definiu a Política em primeiro lugar: para quem não é homem, o silêncio é de ouro na esfera pública[iv]. Entretanto, atividades privadas são indesculpáveis (cuide regularmente de seus e-mails). Aristóteles não tinha que se preocupar com isso na época das democracias de homens brancos e seus cultos[v].

Assim segue o show de Hillary, diante de expectativas de que ela invariavelmente cairá de súbito. Porta-voz de Wall Street, primeira-dama que não era bela, recatada e do lar, aspirante a Henry Kissinger – tudo isso numa só persona e ainda assim, não há lugar adequado para a senhora Hillary no olho da TV (tampouco numa disputa olímpica com Angela Merkel).

Hillary lida com o incômodo de justificar cada vez mais sua candidatura – apesar de vitoriosa nas prévias. A coroa pode rumar para sua cabeça, mas já fizemos nossas decisões. Certas coisas vão cair.

A incorporação tardia de temas de Sanders confunde o marketing e passa uma impressão de incerteza propositiva. Diante de sentimentos de angústia nas urnas e comícios, o inconveniente fantasma de Bill cresce à sombra dos conselheiros. Esqueça o movimento, feche os olhos. A roupa nova da rainha é invisível. 2016 é o novo 1992. Efemérides jogam contra Hillary (e marcam, no Brasil, o ocaso mudo da primeira mulher reinante desde a Princesa Isabel – a Presidenta Dilma Rousseff).

dila

Essa expectativa desigual joga a favor do candidato republicano Donald Trump. Contra prognósticos e a vontade de seu partido, o empreendedor e estrela de reality show mobilizou maiorias ruidosas nos estados da União para sobrepujar a previsibilidade dos candidatos associados com a máquina partidária. A perda da nomeação seria a improvável coroação da trajetória sui generis: desmotivar boa parte do eleitorado favorece o Partido Democrata e legitima a mobilização seletiva de ódios[vi]. Mexicanos, chineses, negros, imigrantes, LGBTs, mulheres se tornaram peças do puzzle distópico de muros, tarifas, precarização, ansiedade política e demonstrações de força nas ruas. Trump pôs em marcha uma nostalgia reativada[vii] pelas contradições de uma democracia plural, mas que (em paralelo com o Brasil) se torna mais aristocrática[viii], em detrimento do eleitorado.

trumpo

Paradoxalmente, a aquiescência a Trump – a inconveniente e cada dia menos improvável nomeação – reconcilia os republicanos com o populismo (no sentido norte-americano), ao custo da coesão partidária. Nas terras arrasadas de Kasich, Cruz e Rubio, Trump seria o grande eleitor de si mesmo – um outsider – e, ao mesmo tempo, um líder de massas.

trump

O triunfo individualista de Trump contra “o sistema” é o reverso da agonia sistêmica encarnada por Hillary.

Enquanto o candidato a candidato republicano se acomodou no papel de porta-voz das maiorias ruidosas, a candidata democrata se tornou o assunto do dia nos talk shows por gritar com seus apoiadores nos comícios[ix].

Gayatri Spivak[x] fez há tempos a pergunta: pode a subalterna falar?

Yes, she can’t.


colaborador

DOUTOR EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO IRI/PUC-RIO (2011).

MESTRE EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELO IRI/PUC-RIO (2005).

BACHAREL EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS PELA PUC-MINAS (2002).

[i] Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT).

[ii] Foucault, M. (1982). The Subject and Power. Critical Inquiry Vol. 8, No. 4, 777-795

[iii] Butler, J. (1988). Performative Acts and Gender Constitution: An Essay in Phenomenology and Feminist Theory. Theatre Journal, Vol. 40, No. 4., 519-531.

[iv] Aristóteles apud Allen, P. (2006). “The Concept of Woman: The Early Humanist Reformation, 1250-1500, Part 2”. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, pp.721.

[v] Marche, S. (2016). “The White Man Pathology: Inside the Fandom of Sanders and Trump”. The Guardian. http://www.theguardian.com/us-news/2016/jan/10/white-man-pathology-bernie-sanders-donald-trump

[vi] Gama, C.F.P.S. (2016). “Entre Ódio e Impeachment, a Democracia Silenciada”. Medium. https://medium.com/@CarlosFredericoPdSG/entre-%C3%B3dio-e-impeachment-a-democracia-silenciada-ac878394be03#.yr1p6tgpk

[vii] http://www.politico.com/story/2015/12/donald-trump-biff-tannen-back-to-the-future-217161

[viii] Gama, C.F.P.S. (2016). “Sob Judice: A Nova República em Trânsito”. SRZD. http://www.sidneyrezende.com/noticia/262141

[ix] http://www.washingtonexaminer.com/article/2582265

[x] Spivak, G. C. (2010). “Can the Subaltern Speak?: revised edition” In R. C. MORRIS (Ed.), Can the Subaltern Speak?: Reflections on the History of an Idea (pp. 21–78). Columbia University Press. http://www.jstor.org/stable/10.7312/morr14384.5

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