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FRANÇA E ARGÉLIA UMA HISTÓRIA SEM FIM

  • Foto do escritor: CERES
    CERES
  • 12 de abr.
  • 11 min de leitura

NB : Este artigo foi elaborado no decorrer do mês de Março e suas conclusões foram revisadas devido à evolução da situação entre os dois estados citados.

Por isso foi acrescentado uma parte sobre as novas perspectivas no dia 06.04.25. 


UMA HISTÓRIA EM COMUM


A França e a Argélia compartilham uma história comum muita importe de fato devido ao passado colonial, mas não só. Argélia comparativamente a outras colónias tinha um vínculo muito mais  importante por ser oficialmente um distrito administrativo da França, quando os outros eram somente “territórios” e por ter um grande número de franceses que lá moravam (um milhão retornaram no final da independência para a metrópole).


A Argélia tornou-se independente após os acordos de Evian em 1962, depois de 132 anos de colonialismo e 8 anos de guerra mortal com mais de 250 000 argelinos mortos (e até dois milhões enviados em campos de agrupamento para uma população de dez milhões) e 25 600 soldados militares franceses mortos, além de 65 000 feridos.


Em 1965, um golpe de Estado liderado por Houari Boumédiène, derruba Ben Bella herói da luta de independência. O regime passou a adotar uma estrutura burocrática e militar inspirada na URSS que permaneceu até o ínicio do século XXI. Na década de 90, a Argélia viveu a “década negra”, após a vitória eleitoral dos islamitas (o partido FIS Frente Islâmica de Salvação), com uma guerra civil que custou quase 200.000 vidas.


 Atualmente, Abdelmadjid Tebboune está no poder desde 2019, após os 20 anos de presidência de Bouteflika.


A relação entre os dois estados apesar de ter inúmeros vincúlos sempre foi conturbada.

Após sua eleição em 2017, Emmanuel Macron queria renovar a relação Paris-Argel : a Argélia foi sua segunda viagem presidencial, após ter declarado durante sua campanha à presidência, que “a colonização francesa havia sido um crime contra a humanidade”, confiando posteriormente a historiadores argelinos e franceses um projeto memorial com o objetivo de acalmar os ânimos... Sem conclusão no momento.


Desde então a relação com a Argélia foi se desagregando, igual em outras antigas colónias francesas.


OS MOTIVOS DAS TENSÕES 


Existem vários motivos de tensões, mas as de hoje são essencialmente devidas ao Saara Ocidental, zona estratégica, um pedaço de deserto no centro da crise diplomática. Uma crise que tem sido manipulada em ambos os lados do Mediterrâneo. 


Com 2,4 milhões de km2, a Argélia é o maior país da África e do mundo árabe. Ao sul da Argélia fica o deserto do Saara, que cobre mais de três quartos do país. 


O Saara Ocidental é um território reivindicado pelo Marrocos e pela República Árabe Sahrawi Democrática (RASD), proclamada pela Frente Polisário em 1976. A Frente Polisário é um movimento cujo objetivo é a independência total do Saara Ocidental, uma reivindicação apoiada pela Argélia. Desde o cessar-fogo de 1991, Marrocos controla e administra cerca de 80% do território, enquanto a Frente Polisario controla 20%, deixados por Marrocos atrás de um longo cinturão de segurança, o “muro marroquino” que se tornou a fronteira de fato


A missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental patrulha todo o território. Na ausência de um referendo sobre autodeterminação até o momento, a ONU ainda considera esse território como um território não autônomo e não descolonizado.


Em julho de 2024, Paris reconheceu a soberania marroquina sobre o futuro do Saara Ocidental, no âmbito da sua nova aproximação com Marrocos, agravando ainda mais um relacionamento já complexo com Argel que chamou imediatamente seu embaixador em Paris e ameaçou com represálias.


Essa decisão foi extremamente criticada pela Argélia e se agravou devido a duas incidências francesas :

  • A primeira, a viagem em 26 de fevereiro do Gérard Larcher, presidente do Senado francês no Saara Ocidental, considerada pelo Conselho da Nação (o Senado argelino) como um “ato inaceitável que despreza a legitimidade internacional e vai contra as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. Em consequência, o Conselho da Nação anunciou a “suspensão imediata de suas relações” com o Senado francês. Essa visita foi taxada de “irresponsável” e que “reflete a ascensão da extrema-direita francesa e seu domínio do cenário político”, um “ato inaceitável que despreza a legitimidade internacional e vai contra as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. 

Essa visita seguiu de poucos dias a visita da ministra da Cultura, Rachida Dati que também foi lá e saudou a identidade marroquina das “províncias do sul”, designação marroquina para falar do Saara Ocidental.

  • O segundo, o exercício militar comum entre França e Marrocos vinculados ao projeto “Chergui 25”, em decorrência dos novos acordos entre os dois estados, sendo realizado perto das fronteiras argelinas no sul do país e que foi considerado como uma provocação forte.

Em uma entrevista recente ao L'Opinion , o presidente argelino Abdelmadjid Tebboune disse haver alertado Emmanuel Macron de que ele estava cometendo “um grave erro” nessa questão. “O clima é venenoso, estamos perdendo tempo com o presidente Macron”, comentou.


Marrocos e Argélia cessaram suas relações diplomáticas e fecharam suas fronteiras comuns desde agosto 2021. A postura clara da França de querer reatar suas realações também afetadas com Marrocos, foi claramente ao detrimento da Argélia. 


A ESCALADA DE AMBAS PARTES


Desde então novas situações surgiram que só levaram a aumentar a crise entre os dois estados, entre eles: 


- a prisão do escritor franco-argelino Boualem Sansal. Este foi detido e depois preso na Argélia em novembro de 2024 por “atos terroristas ou subversivos”, motivo invocado por Argel por ter apoiado a posição de Marrocos de que a colonização francesa amputou o território marroquino em benefício da Argélia. Dado a idade avançada do escritor e seu estado de saúde, as autoridades francesas manifestaram logo sua oposição à prisão do Sansal. Uma grande campanha de solidariedade foi lançada na França e repercutiu nas mídias e junto a líderes políticos que denunciam claramente um ato de retaliação por parte da Argélia.


- as tensões ligadas aos cidadãos argelinos considerados perigosos, expulsos da França, mas não readmitidos por Argel. No final do ano 2024, vários “influenciadores” argelinos (entenda-se de cidadania argelina e não franceses de origem argelina) lançaram uma campanha de apoio ao atual presidente da Argélia e apelaram a “matar opositores e atacar” a França. Diante desta situação e “surfando” no discurso partido da Marine Le Pen, o Ministro do Interior decretou a expulsão imediata (chamada de ponto de vista administrativo de OQTF) de alguns deles por apologia ao terrorismo. Quando o avião que levava o principal influenciador chegou a Argel, as autoridades locais negaram a entrada ao território dessa pessoa Non Grata deixando a França no embaraço de trazer de volta alguém que ela não quer mais em suas terras. Pior, devido ao regresso, o influenciador teve oportunidade de recorrer da decisão na justiça e o governo francês foi condenado e sua expulsão cancela. Dois vexames um atrás do outro para as autoridades francesas.


Outros casos, exacerbaram a situação quando se descobriu que recentemente, Argel impediu várias vezes a entrada em seu território do suspeito do ataque em Mulhouse, que estava aguardando deportação. O Ministro do Interior, Bruno Retailleau, enfatizou esse que a Argélia “recusou-se em dez ocasiões” a permitir que a França deportasse o homem que se tornou o principal suspeito do ataque de sábado, 22 de fevereiro 2025, em Mulhouse. Um transeunte foi morto a facadas e vários policiais e agentes municipais ficaram feridos perto de um mercado. O homem preso após o ataque era um argelino de cerca 30 anos, que estava no arquivo FSPRT (categorização das pessoas assinaladas como potenciais radicalizados com intuito de atos terroristas) e que estava sujeito a uma obrigação de deixar o território francês (OQTF), cuja execução havia sido impedida pela Argélia.


Esse caso aumentou o conflito com Paris, que ameaçou revisar os acordos de migração de 1968.

- restrições no número de vistos concedidos por Paris.


O acordo franco-argelino de 27 de dezembro de 1968 diz respeito à situação dos argelinos na França, particularmente em termos de circulação, residência e emprego. Para entender a estrutura jurídica que buscava regular a chegada dos argelinos à França, precisamos voltar no tempo. 


Em março de 1962, após a dolorosa guerra de independência da Argélia, a antiga potência colonial assinou os acordos de Evian com a Frente de Libertação Nacional (FLN). Esse tratado concedeu direitos específicos aos argelinos, incluindo um princípio que mais tarde daria origem a muita controvérsia: livre circulação entre as duas margens do Mediterrâneo para todos os argelinos que possuíssem uma carteira de identidade.


Um novo acordo foi assinado em 1968, com o objetivo de restringir a livre circulação. Ele fixou em 35.000 o número de trabalhadores argelinos autorizados a entrar na França a cada ano. Antes da admissão, os trabalhadores argelinos têm o direito de residência de nove meses para procurar trabalho. Se conseguirem provar que têm um emprego, terão direito a uma autorização de residência de cinco anos. Desde então, os argelinos não recebem autorizações de residência na França, mas sim “certificados de residência argelina” (CRA), dos quais 615.000 foram emitidos em 2023. No caso de reunificação familiar, os membros da família também recebem um certificado de residência de 10 anos na chegada, se a pessoa com quem estão se unindo possuir essa autorização. 


Os argelinos também podem solicitar uma autorização de dez anos após três anos de residência, em comparação com cinco anos para outras nacionalidades. Entretanto, como seu status é regido apenas por esse acordo, eles não podem solicitar outras permissões criadas recentemente, como o “passaporte de talentos” ou o cartão do “programa de mobilidade estudantil”.


Os estudantes argelinos, por sua vez, são prejudicados: eles não podem trabalhar, em um emprego de estudante, por exemplo, sem solicitar uma permissão temporária.

Em 1985, a França introduziu pela primeira vez a exigência de visto para cidadãos argelinos. Essa medida marcou um endurecimento de suas condições de entrada e residência no território francês.


Em 1994, foi aprovada uma lei que proibia qualquer argelino residente na França de permanecer fora do território francês por mais de três meses. Após decorrido esse período, a pessoa corria o risco de perder sua autorização de residência, aumentando assim o controle sobre seu status.


Em 2001, vários benefícios concedidos pelo acordo franco-argelino de 1968 foram abolidos. Essa revisão aproximou o regime especial desfrutado pelos argelinos do regime mais geral aplicado a outros estrangeiros.


Em um momento de tensões diplomáticas crescentes, François Bayrou, o atual Primeiro Ministro, anunciou que Paris estaria reexaminando todos os seus acordos com a Argélia. Ele se referiu especialmente ao histórico acordo de 1968. “A França vai pedir ao governo argelino que reexamine todos os acordos [de 1968] e a maneira como estão sendo implementados”. Esses acordos criam um status único para os cidadãos argelinos em termos de circulação, residência e emprego na França. Paris também apresentará ao governo argelino uma “lista de emergência de pessoas que devem ser autorizadas a retornar para a Argélia” e levará em conta a implementação dessas solicitações ao decidir sobre o futuro dos acordos de migração. 


PERSPECTIVAS


Apesar de tudo, os laços entre Paris e Argel permanecem fortes porque 891.000 pessoas que vivem na França nasceram na Argélia (primeira comunidade estrangeira do país). Se juntamos a esse número pessoas de origem argelina (segunda e até terceira geração nascida já na França) podemos falar em cerca de dois milhões de pessoas. Existe um vínculo imaterial muito forte em ambos países e essa degradação afeta diretamente e claramente muitas pessoas.


Eles também são próximos economicamente: a França é o segundo maior parceiro comercial da Argélia, atrás apenas da Itália. No centro desse comércio estão os hidrocarbonetos. É bom relembrar inclusive que o novo projeto de gazuduto Argélia- Itália assinado na meio á crise energética decorrente do conflito ucraniano em janeiro de 2023 também foi visto como um afastamento de Argel com Paris.


O Presidente da República Macron insistiu em seu desejo de aliviar as tensões com Argel, enquanto o Primeiro-Ministro e o Ministro do Interior intensificaram seus apelos por um “equilíbrio de poder” mais rígido nas questões que dividem os dois países. Com o desgaste das relações diplomáticas entre Paris e Argel, Emmanuel Macron deixou claro seu desacordo com o governo sobre essa questão e, mais particularmente, com a linha adotada por François Bayrou e seu ministro do Interior. Em entrevista no 3 de março, o Presidente da República insistiu em seu desejo de “engajar-se em um diálogo exigente e respeitoso” com Argel. Uma das formas de alcançar um apaziguamento seria Retomando o trabalho de memória que Macron tinha anunciado em 2017.


Bruno Retailleau, diante dessa postura do presidente mencionou a possibilidade de renunciar se Emmanuel Macron não seguisse sua linha nessa questão de endurecimento. Agora ele está recuando.


O Presidente Macron tem focado sua energia nas questões vinculadas ao conflito na Ucrânia e não participou de forma específica nessa crise, deixando um governo à deriva resolver esses assuntos. Governo no qual várias figuras se posicionam como potênciais candidatos para as eleições presidenciais de 2027 e cujo discursos se orientam mais para um populismo eleitoral do que a vontade real de encontrar uma solução.


Seja como for, Argélia quer voltar a ter um protagonismo com a França que ela perdeu recentemente para Marrocos, que também durante muito tempo tinha rompido com Paris.

Uma vez mais a política francesa na Africa é díficil, sem rumo claro, e avança conforme a atualidade e não como uma estratégia a ser desenvolvida. 


Por Marrocos estar em uma fase positiva de ponto de vista económico e diplomático e malta desde os acordos de Abraão, onde os Estados Unidos de Trump 1 reconheceram a soberania do país sobre o Saara Ocidental, a França quis aproveitar esse momento. Marrocos é a “nova porta de entrada” da Africa para Macron, ao detrimento da Argélia que acumula tensões, nomeadamente com o Mali.


ABRIL : NOVAS PERSPECTIVAS


Após meses de tensão entre Argel e Paris, os presidentes Emmanuel Macron e Abdelmadjid Tebboune iniciaram sua reconciliação durante uma conversa telefônica por ocasião do feriado do Aid-el-Fitr, que marca o final do Ramadão, na segunda-feira, 31 de março. 

Os dois presidentes expressaram o desejo de “continuar e finalizar o trabalho de memória” sobre a colonização da Argélia pela França (1830-1962) e a guerra de independência (1954-1962), que continuam a pesar muito nas relações bilaterais. A comissão conjunta de historiadores criada pelas duas capitais, que está paralisada há vários meses, retomará seus trabalhos “sem demora” para apresentar “propostas concretas” aos dois chefes de Estado “antes do verão de 2025”.


Mais um passo foi atingido com a visita do ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot, no dia 6 de abril “para dar rapidamente à relação (bilateral) a ambição que os dois chefes de Estado desejam dar a ela”. O ministro da Justiça, Gérald Darmanin, também fará uma visita em um futuro próximo para relançar a cooperação judicial.


Os dois presidentes também “concordaram em se reunir em um futuro próximo” e insistiram em seu desejo de “desenvolver a cooperação econômica” entre a França e a Argélia, que está envolvida nos altos e baixos políticos entre os dois países. Paris se comprometeu a apoiar a revisão do acordo comercial entre seu parceiro do norte da África e a União Europeia, assinado em 2002 e considerado desvantajoso por Argel.


O início do novo diálogo entre Emmanuel Macron e Abdelmadjid Tebboune marca, de certa forma, um retorno à uma “situação de normalidade” que prevalecia antes. Embora marcadas por um longo histórico de tensões, as relações franco-argelinas passam por uma crise de proporções sem precedentes nos últimos meses. A espinhosa questão do Saara Ocidental não foi mencionada explicitamente na declaração presidencial conjunta depois da ligação, ela poderá, no entanto, ser discutida em particular pelos dois líderes. 


Por fim, os dois líderes discutiram o destino do escritor Boualem Sensal, preso na Argélia, para quem o presidente francês pediu “um gesto de clemência e humanidade”.


O autor argelino de 80 anos, acusado de violar a integridade do território argelino foi finalmente condenado a cinco anos em 27 de março (ele arriscava dez), aumentando as esperanças de que um perdão presidencial poderia ser eventualmente concedido. Mas estamos longe desse cenário. Nessa retomada de contato entre presidentes, foi a “abordagem argelina que prevaleceu”, Argel se recusou a permitir que a libertação de Boualem Sensal “fosse uma condição para iniciar o diálogo” e Macron aceitou mesmo se ele descreveu a sentença como “totalmente arbitrária” e pediu expressamente a libertação do escritor.


É provável que as relações bilaterais continuem a flutuar de acordo com os interesses políticos na França, faltando dois anos para a eleição presidencial, assim como na Argélia, onde a questão da memória é levantada regularmente. A questão da Argélia e sua memória, as OQTFs, a segurança e as relações econômicas permanecerão centrais até 2027.



Marco Alves, Internacionalista Luso-Francês
Marco Alves, Internacionalista Luso-Francês


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