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O apaixonante, mas desmotivador mundo das Relações Internacionais

Atualizado: 26 de set. de 2023


Entre as várias questões que apresentarei, algumas pessoais e outras fruto da vivência com inúmeros internacionalistas, há uma certeza: 95% ou mais até, das pessoas formadas em R.I. são apaixonadas pela sua formação. Sejam pelos temas debatidos que saem da sala de aula para o dia a dia, pelas disciplinas agregadoras e multiculturais, a alta capacidade de compreender diversos movimentos do mundo, conceituá-los e teorizá-los.


Como um internacionalista (nunca gostei desse termo, explico mais a frente) com quase 17 anos de atividade, acredito poder dizer as razões pelas quais acho R.I. apaixonante e ao mesmo tempo desmotivadora. Precisamos lembrar e talvez até "dar um alívio", que é uma área de estudo muito nova no Brasil - e em vários outros países do mundo também - se comparada a Europa ou Estados Unidos. Para se ter uma ideia, o primeiro curso de graduação no Brasil foi da Universidade de Brasília (UNB) em 1969, ou seja, ainda a completar 55 anos de existência, tempo que se revertido aos egressos, podemos afirmar que os primeiros devem ter algo em torno de 10 anos de aposentados. Enquanto nos Estados Unidos e principalmente na Europa já existem ramificações de estudos provenientes das Relações Internacionais, no Brasil ainda estamos caminhando para compreender o papel da formação, como ela deveria atuar, de que forma o mercado a enxerga e tudo isso em meio a uma constante montanha russa de novos cursos e outros fechando.


Considerado esse “alívio” de tempo de existência no Brasil e a clareza da paixão que os formados tem pelas R.I. preciso trazer algumas realidades, como dito no início algumas vividas por mim, mas também de uma enxurrada de experiências profissionais de colegas e amigos durante esses quase 20 anos de carreira. O ponto central da desmotivação de quase todo mundo tem nome e sobrenome, mercado de trabalho. É claro que várias outras carreiras também sofrem com esse “problema”, mas trazendo para nossa realidade explico as razões pelas quais com a nossa formação é algo mais peculiar.



Antes de começar a “chorar as pitangas”, devo dar uma breve explicação sobre o que de fato é uma formação em Relações Internacionais, e para isso recorro a melhor definição feita pela melhor acadêmica da área viva no Brasil, a professora doutora Cristina Pecequilo que afirmou em conversa que tivemos: “as Relações Internacionais são o substrato, ou o resultado, dos estudos geopolítico, geoeconômicos e da geosociedade.” Logo é factível prever que o egresso deverá ter estudado sobre política, economia e aspectos da sociedade, sociologia, filosofia, cultura, direito, e todas as suas interações entre si, tudo isso com a visão de mundo, ou seja para aplicar ao seu objeto primário de observação, os países e suas relações. Obviamente que nem todos os cursos assim o fazem, alguns preferem focar em determinadas áreas, uma vez que a área de estudo é muito generalista. Porém também é verdade que há uma gigantesca diferença entre a ciência Relações Internacionais e comércio exterior, marketing internacional, gestão logística, cadeia de suprimentos entre outros. Em suma o profissional de Relações Internacionais está infinitamente mais próximo do analista internacional do que do restante, e aqui é uma das razões pelas quais não gosto do termo “internacionalista”, uma vez que o sufixo “ista” reduziria, no meu entendimento, que o profissional somente diagnostica e “cura” os problemas internacionais, e é bem mais profundo do que isso.


Então quem estuda e se forma em R.I. deve entender algumas premissas importantes: observe bem as disciplinas do curso (para entender se existe uma ênfase em alguma área específica), compreenda que é uma formação generalista e que o caminho que você vai trilhar terá mais peso e será mais importante o quanto antes definir do que em outras carreiras, tenha em mente que a sociedade e o mercado em sua grande maioria não faz ideia do que esse curso ensina ou forma e o principal que acredito poder compartilhar, a maturidade de alguns anos depois de formado mudam completamente sua compreensão sobre a carreira.


O grande problema que temos no Brasil é a falta de uma cultura internacional ou de internacionalização, claro que acontece dentro de grandes multinacionais que já possuem em seu DNA essa característica ou de organizações internacionais atuantes por aqui, porém essa é uma parte pequena do mercado, que ainda segmenta a absorção da mão de obra de R.I. em comércio exterior, atuações ligadas a cultura e idiomas (como ajuda a expatriados, vistos e imigração), logística entre outras que não são “de fato” R.I. Vejam, não há nenhum problema, acredito que é até muito positivo para as empresas, que um formado atue nessas áreas, porém existem cursos específicos para cada uma dessas áreas que não são “de fato” R.I.


O profissional de nossa apaixonante área deve ou deveria estar concentrado em setores estratégicos de empresas, institutos, organizações, ao invés de setores burocráticos e rotineiros. Defendo essa afirmação devido ao que escrevi acima sobre o que de fato é o curso, a formação, as áreas de conhecimento que são ensinadas. Por não termos uma cultura onde a tríade política, economia e sociedade, tem papel de relevância ímpar, os cargos estratégicos acabam sendo ocupados por profissionais de conhecimento de aplicação imediata e que provavelmente não tem uma visão macro das influências dos acontecimentos do mundo para o negócio, como um profissional de R.I. possui.


Compreendendo tudo isso, a pergunta que deve estar ecoando (ou em mim estaria) é: então onde o profissional de R.I. tem trabalhado no Brasil? É evidente que o mercado melhorou muito nos últimos 20 anos, temos mais escritórios de organizações internacionais no país, ONGs e institutos do terceiro setor cada vez mais internacionalizados, o próprio poder público nas três esferas (federal, estadual e municipal) têm cada vez mais iniciado projetos e secretárias direta ou indiretamente ligadas às atuações de R.I. No entanto, a realidade não é tão glamurosa quanto o que escrevo, esses cargos são poucos e muitos de baixa remuneração e estabilidade se comparado a cargos estratégicos no setor privado, assim sobram outras duas áreas que tem sido as mais atrativas para nós, o setor público (concursos, principalmente o CACD - Concurso de Admissão à Carreira Diplomática) e a área acadêmica (cursando pós graduação, mestrados, doutorado, pós doc.) em universidades privadas.


Em um grande resumo, o curso de Relações Internacionais é profundo em sua formação do pensamento crítico, se estuda, lê, pratica muito sobre política, filosofia, sociologia, direito, economia, apesar de entregar ao “mercado” um profissional generalista. Fazendo uma comparação com o curso de administração, que apesar de ser um curso generalista, entrega ao mercado profissionais mais “prontos” para assumirem inúmeras posições diferentes. Com toda essa bagagem e cosmovisão o egresso de R.I. encontra um mercado que não compreende as valências do profissional e acaba por deixá-los em cargos burocráticos e de baixa complexidade estratégica internacional (que é o real perfil do formado), assim como de fazê-lo competir com profissionais mais “agradáveis” ao mercado para essas funções ou planejar uma carreira assim, por estarem mais “prontos”. Muitas vezes tornando o curso de Relações Internacionais como uma ótima alternativa para se tornar uma pós -graduação lato sensu caso o profissional, vindo de outra área, esteja assumindo uma posição estratégica internacional.



Não é raro encontrar formados atuando em comércio exterior, logística, marketing internacional, apoio internacional, e que muitas vezes acabam trabalhando décadas sem nunca conseguir atingir a área estratégica da empresa, mesmo sendo bem sucedidos e sendo ótimos profissionais. Ou em carreiras muito indiretas, quase paralelas às Relações Internacionais, como áreas do setor público que são de fato abertas a praticamente qualquer formação superior. O que tem de comum nesses dois casos é que ao longo da carreira o profissional acaba por não utilizar tanto ou até mesmo não se ver mais como alguém que estudou tantas questões profundas e relevantes para se compreender o mundo e a sociedade.


Outra coisa muito comum é de pessoas que se formaram fizeram cursos de pós graduação, mestrado e etc…. mas acabam optando pela transição de carreira, buscando mais reconhecimento, remuneração, plano de carreira mais coerente com o que foi estudado. Enfim acabam se desmotivando de sua formação mãe, a apaixonante e nunca esquecida Relações Internacionais.



Bernardo Monteiro é graduado em Relações Internacionais pela UNESA e também pós graduado (MBA) em Relações Internacionais pela FGV-RJ; autor de Para uma Estabilidade Democrática, possui formação como analista político internacional; atua como escritor, analista político, pesquisador e divulgador científico sobre: política brasileira, história da democracia, democracias ocidentais e sociopolítica;

foi pesquisador associado do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil (LSC-EGN/MB); foi professor convidado para a disciplina Análise de Política Internacional para a graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ; foi professor de Análise de Política Externa para o I Congresso de Relações Internacionais (I CONRI); foi palestrante e professor sobre política brasileira, análise política, geopolítica, democracias e cenários prospectivos.


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