A Irlanda do Norte é um pequeno país ocidental, de origem normanda e religião cristã. Não está localizado entre o pobre recorte geográfico em que se transformou o continente africano, muito menos encravado nas disputadas colinas árabes. Nem de perto esconde riquezas naturais que fariam brilhar os cofres de uma economia, nem ocupa um ponto estratégico capaz de justificar a mais longas das guerras. Mesmo assim esse diminuto território – que nem de longe preenche os esteriótipos de um território em conflito – foi palco de uma guerra civil que durou, oficialmente, cerca de trinta anos e que dividiu o país ao meio.
De um lado, unionistas lutavam pela manutenção do domínio do Reino Unido e a permanência da vinculação do País à Coroa Britânica. Do outro, nacionalistas reivindicavam a anexação do território ao norte da Ilha à República da Irlanda e a desvinculação do país do império britânico.
O conflito teve como característica principal uma disputa interna entre dois povos que conviviam na mesma região e passaram a viver em um mesmo território após o reconhecimento da Irlanda do Norte como um governo independente em 1921. Com uma longa história de conflitos, irlandeses e britânicos tinham tratamentos distintos pela Coroa Britânica, sendo isso uma das principais causas das primeiras marchas por igualdade de direitos no País em 1968. Essa disputa, que pode ser categorizada como um conflito interno com influências externas (Irlanda e Reino Unido), teve consequências importantes no âmbito dos Direitos Humanos e da Legislação norte-irlandesa.
Entre 1968 e 1998 a população da Irlanda do Norte vivenciou um conflito conhecido como “The Troubles” (em português literal, “Os Problemas”), no qual era comum fazer-se parte dos ataques constantes do Exército britânico e do Exército Republicano da Irlanda – o IRA. Por anos foram tentados acordos de paz entre as partes, mas sem sucesso, pois as revindicações não eram atendidas de forma satisfatória para nenhum dos lados.
A principal reivindicação dos britânicos era a extinção do IRA e a permanência da Irlanda do Norte no Reino Unido, já os irlandeses pediam por direitos igualitários e a separação do Reino Unido.
Atualmente a Irlanda do Norte serve como exemplo aos parâmetros da diplomacia no domínio de resoluções de conflitos duradouros por meio de mecanismos pacíficos. Desde 1998 o país é o objeto e a via do Tratado de Paz de Belfast, conhecido como Acordo da Sexta-Feira Santa. Esse tratado selou a trégua entre protestantes e católicos que lutavam pelo controle da Irlanda do Norte.
Ao longo desses 17 anos de pacificação, muitos pontos do acordo foram atingidos, como o desarmamento do IRA (Exército da Republicano Irlandês), a diminuição da violência, a garantia de direitos civis e igualdade entre a população e a participação de irlandeses e britânicos no parlamento da Irlanda do Norte.
No âmbito jurídico e diplomático, o Tratado foi embasado nas reivindicações dos grupos representantes da população em conflito, na argumentação de soluções por meio de encontros diplomáticos, na informação oferecida a população sobre a importância do Acordo de Paz e na consulta, em forma de referendo, aos moradores do país, que votaram pelo reconhecimento do Tratado de Belfast, outorgado por ambas as partes.
Este artigo analisa, do ponto de vista do direito internacional e das relações internacionais, qual a conjuntura que levou a elaboração do Tratado de Belfast e qual o efeito do documento para a situação política e social da República da Irlanda, do Reino Unido e da Irlanda do Norte.
Para isso, será necessário discorrer sobre a natureza dos Tratados, sua forma e regimento, assim como sua interferência nas políticas públicas e regimentais na região. E por fim, fazer um recorte analítico sobre a aplicabilidade do Tratado de Belfast na Irlanda do Norte.
O TRATADO NO DIREITO INTERNACIONAL
Uma das grandes inquietações sobre o Direito Internacional é quanto a sua ontologia. A validação do direito como método de mediação é por diversas vezes questionada diante da ação dos países e da justiça. É uma realidade bem próxima das Relações Internacionais, que enquanto disciplina ainda encontra dificuldade em se firmar como ciência.
A ideia de uma disciplina jurídica que abrange as práticas internacionais ainda se depara com entraves que a delimita, mas ao mesmo tempo, é o alicerce que a constrói como matéria legislativa. O Direito Internacional é em sua essência o resultado de um constante ajuste às normas do direito interno, seja privado ou público. Para Celso de Mello, considerando os sujeitos da ordem jurídica internacional, teríamos a seguinte definição: “Direito Internacional é o conjunto de regras que determinam os direitos e os deveres respectivos do Estado nas suas relações mutuas”.
Sendo assim, o Direito Internacional é um tema recorrente das Relações Internacionais e rege a Política Externa em diversos setores, podendo ser exclusivamente jurídico ou não. Hans Kelsen, em sua “Teoria Pura do Direito” afirmou que:
“o direito internacional apenas pode ser definido ou determinado pela forma como suas normas são produzidas. É um sistema de normas jurídicas que são produzidas pelo costume dos Estados, por tratados entre Estados e por órgãos internacionais que são instituídos por tratados concluídos entre Estados”.
Esse conjunto de normas estipula e delimita as práticas jurídicas entre as nações. Dessa maneira, o advento do conceito de estado-nação e soberania entre as nações contribuiu formalmente para a normatização do Direito Internacional e suas valias, dentro da conjuntura das relações internacionais. Para ACCIOLY (2008), o nascimento do Estado é um fato histórico e não jurídico. Mas é preciso observar que o Estado é uma força a serviço do direito.
A relação entre a estrutura normativa do direito internacional e a estrutura social do sistema internacional é influenciada pelo fato de predominar no sistema internacional um subsistema. O sistema possui um subsistema predominante quando uma de duas partes pode influir de maneira característica ou importante no funcionamento do sistema – no caso do direito, a estrutura da norma. O sistema é predominante quando esta maneira característica atua como um parâmetro, com o qual a parte deve conforma-se ou sofrer consequências. No sistema internacional de equilíbrio de poder, as grandes nações tinham grande influência individual na estrutura normativa do sistema. Mas se determinada nação se desviasse das normas toleradas pelas outras nações, era, em geral, forçada a obedecê-las. (KAPLAN & KATZENBACH, 1964).
Acordos, pactos, tratados. Essas palavras são terminologias para o mesmo conjunto de normas que gerem um consentimento mútuo entre dois ou mais Estados. Esse tipo de gerência entre nações existe desde quando a humanidade passou a encurtar distâncias e aumentar o estreitamento de suas relações no âmbito internacional.
O direito dos tratados sempre teve como base três princípios básicos que garantiam a sua manutenção: o da boa fé, do consentimento mútuo e o do pacto sunt servanda – que em latim significa que os acordos devem ser cumpridos. Com o estreitamento das relações internacionais e a consolidação do Direito Internacional como matéria jurídica, princípios e normas sobre os tratados foram delimitadas para o uso das nações.
No Direito Internacional, um tratado é definido por ser um instrumento da diplomacia que visa criar ou modificar regras mediante uma nova e conflituosa situação. Os tratados funcionam como os contratos de direito interno para os Estados, e regulamentam variadas práticas jurídicas entre as nações, podendo ser vigentes por um prazo determinado ou não.
Claudio Finkelstein em seu livro “Direito Internacional” discorre sobre a definição de Tratados sob a ótica da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1980), no qual cita a seguinte passagem:
[o tratado] define o Tratado como um “acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer seja sua denominação específica”. (FINKELSTEIN, 2007).
Desse modo, é possível concluir que um tratado é um instrumento do Direito Internacional que expressa a vontade de celebrar um acordo entre as partes, com temáticas variadas, sejam elas de cunho econômico, social, acadêmico, sanitário ou nuclear. FINKELSTEIN (2007, p. 23) explicita que tais acordos devem ser firmados pelas partes envolvidas, “o que implica afirmar que deve ser um instrumento escrito, e revestido de todos os atos prescritos pela Convenção de Viena”. Sendo assim, os Estados devem celebrar esse tipo de acordo por meio de uma assinatura, troca de instrumentos constitutivos do tratado, ratificação, aceitação e aprovação, entre outros meios previstos no tratado para manifestar certos pontos do texto.
No Direito Internacional o tratado internacional pode ser identificado pelas seguintes fases internas e externas: negociação, assinatura, procedimento interno, ratificação, promulgação, publicação e registro. A negociação é a fase inicial do tratado, envolvendo o poder executivo – ou não – na redação do texto consensual. A assinatura marca o início do prazo e autentica o texto do acordo. Já o procedimento interno leva a aprovação do tratado às normas jurídicas internas dos países, transformando- em uma norma processual do Poder Legislativo. Logo em seguida, o texto deve ser ratificado juntos às partes dentro de suas especificações jurídicas para que possa ocorrer a promulgação do texto e a sua execução.
Como fim do processo, os tratados devem ser registrados na Secretaria da ONU, para que se evite a prática da diplomacia secreta.
A Convenção de Viena explicita que todos os Estados têm a capacidade de constituir tratados, com a possibilidade de ser um documento temporário ou perpetuo. Ao ratificar o tratado, as partes envolvidas no texto exprimem, no plano internacional, o desejo de cumprir o acordo. Um tratado pode ser ainda extinto em três momentos: o da violação, da pela incapacidade de cumprimento, e pela mudança das circunstâncias.
Na era dos Estados modernos, a busca por resoluções pacíficas para controvérsias entre os países se tornou cada vez mais recorrente. Uma delas são os tratados de paz, que antecipam o fim de uma situação de conflito, beligerante ou não, entre nações por meio de acordos mútuos firmados entre as partes.
O estudo dos tratados como uma técnica de pacificação eficaz para a resolução de conflitos nos dá a compreensão global das práticas jurídicas nas relações internacionais.
HISTÓRICO DO CONFLITO DA IRLANDA DO NORTE
O conflito faz parte de qualquer relação, seja entre indivíduos ou sociedades. Para análise e resolução, o conflito não deve ser encarado como um ato extremo, nem como uma luta entre certos e errados. É preciso ter uma compreensão ampla dos motivos e caminhos, nos âmbitos social, político e cultural, que levaram ao início do conflito. Afinal, as aspirações distintas levam a interesses distintos, e em algum momento podem gerar um choque de interesse, podendo polarizar uma relação já estabelecida.
Para entender o conflito entre a Irlanda e o Reino Unido, e como isso levou a série de entraves beligerantes durante o século XX, é preciso retornar ao século XII, e compreender como a História desses países levou a situação de choque de interesses entre a população da Irlanda do Norte.
Durante a Idade Média a Irlanda foi invadida pelos normandos, e a expansão territorial britânica na época fez da Ilha uma extensão da Coroa. Ao longo dos séculos, os britânicos proibiram os irlandeses de manifestar sua cultura, falar sua língua e professar sua fé, tendo que se submeter às leis impostas pelos invasores e seu governo. Não era possível falar o gaélico nem promover rituais católicos, e bem como qualquer forma de expressão cultural, como dança e música, sendo isso considerado uma violação passível de punição. Essa situação provocou uma série de levantes, geralmente abafados com grande repreensão por parte do exército invasor. No século XIX, com a construção dos Estados modernos, a Irlanda passou a ser parte, oficialmente, do Reino Unido, e governada pela coroa britânica, perdendo ainda mais a sua autonomia.
Foi em 1916 que a Irlanda iniciou sua última guerra por independência, na qual acabou por obter sucesso, declarando sua separação em 1919 e passando a ser reconhecida como República em 1922. Nessa conjuntura a Irlanda foi dividida, e a porção ao norte foi ocupada pela maioria de protestantes britânicos. A cidade de Belfast passou a ser a sede do governo do norte, enquanto a República da Irlanda, de maioria católica, tinha seu governo em Dublin.
Essa divisão foi aceita apenas como medida provisória, tendo a ocupação ao norte da ilha tendo sido descrita como de caráter transitório na Constituição da Irlanda, durante a declaração de independência do país. Apesar disso o Reino Unido não demonstrou nenhuma vontade em acatar a prerrogativa, se mantendo no governo de Belfast, e garantindo a indexação da Irlanda do Norte à Coroa britânica.
Nos primeiros anos da Irlanda do Norte como território o lugar se tornou uma região inóspita para a população católica, que era tida como uma população de “baixa categoria”, a qual tinha menos direitos sociais, políticos e trabalhistas, conforme definição do ganhador do Prêmio Nobel da Paz e ex-ministro da Irlanda do Norte, David Trimble.
Dessa maneira, a Irlanda do Norte passou a ser objeto de disputa entre República da Irlanda e o Reino Unido, e palco de uma guerra civil denominada pelo povo local como “The Troubles”. Em 1972, uma manifestação por Direitos Civis na cidade de (London)Derry marcou o acirramento desse conflito entre católicos e protestantes. O dia 30 de janeiro daquele ano ficou conhecido como “Bloody Sunday” (ou Domingo Sangrento, em português). 14 civis desarmados foram mortos pelo exército britânico e outra dezena ficou ferida. Foi nessa época que as tropas britânicas passaram a interferir no conflito, repreendendo os focos de resistência e as investidas do IRA contra o Reino Unido.
As negociações para um tratado de paz começaram a ser construídas desde este momento. Em 1973, um acordo chamado Sunningdale Agreement foi estabelecido, e em 1985, o Anglo-British Agreement, e ambos pretendiam estabelecer mecanismos para evitar o derramamento de sangue na região. O último concedeu à República da Irlanda participação no parlamento da Irlanda do Norte, um dos alicerces para o futuro Tratado de paz.
Os anos de 1990 foram determinantes para a construção de uma alternativa aos conflitos na Irlanda do Norte. À medida que os distúrbios avançavam também se criavam mecanismos para que um cessar-fogo entre a Irlanda e a Coroa britânica fosse possível. As intenções de negociação entre o primeiro-ministro britânico Tony Blair e Gerry Adams, representante do Sinn Fin, partido representante da nacionalista da Irlanda, foi um acontecimento sem precedentes na história do conflito. O sucessor de John Major e Margaret Tatcher demonstrava que era preciso partir para o campo da diplomacia para resolver a questão, assim como o Sinn Féin, considerado por muitos o braço político do IRA (Exército Republicano Irlandês).
Em 10 de abril de 1998, o mundo testemunhou um conflito chegar ao fim. O Acordo da Sexta-Feira Santa, como ficou conhecido o tratado de paz de Belfast, listava uma série de recomendações legais e sociais que determinavam o fim do conflito na Irlanda do Norte, o qual envolvia diretamente a República da Irlanda e o Reino Unido.
O Acordo garantia que os cidadãos da Irlanda do Norte tinham o poder de decisão constitucional por meio do voto, estabelecia a criação de uma Assembleia da Irlanda do Norte com poderes legislativos, com a característica de poder partilhado entre ministros dos principais partidos (método de Hondt). Previa também que se deveria estabelecer um Conselho britânico-irlandês, composto por representantes dos governos da República da Irlanda, da Irlanda do Norte, Reino Unido, Escócia, País de Gales, Ilhas do Canal e Ilha de Mann, para a discussão dos assuntos de interesse comum, modificação de parte da constituição da Irlanda sobre e reivindicação do território da Irlanda do Norte, assim como uma nova legislação sobre direitos humanos.
O acordo celebrava um cessar-fogo permanente, a deposição das armas até os anos 2000, e a negociação referente a libertação de prisioneiros paramilitares pertencentes a organizações que acatem o cessar-fogo. Esses foram os principais pontos do acordo discutido entre lideranças pertencentes aos dois lados do conflito e consultado pela população por meio de um referendo. Na época, o tratado foi celebrado como um acordo de paz que colocava um fim em uma guerra sem vencedores.
O ex-secretário de Estado da Irlanda do Norte, Lord Prior, enfatizou em uma entrevista ao jornalista britânico Peter Taylor, em setembro de 2014, que ninguém havia ganhado a guerra, pois ela tinha chegado ao fim por meio de um acordo de paz. A opinião do jornalista que analisou os 16 anos do Acordo de Belfast e os 20 anos do cessar-fogo, no documentário produzido pela BBC intitulado “Who Won the War” (em português, “Quem Ganhou a Guerra”) é de que, no momento, os britânicos haviam ganhado a guerra, pois o IRA não existe mais e as “Irlandas” não estão unidas, mas que ele não se surpreenderia se em um futuro próximo o jogo virasse, pois nesse processo, e por causa das políticas públicas adotadas pelo governo da Irlanda do Norte pós Tratado de Paz, tem unificado a nova geração de norte irlandeses e abafado o sentimento separatista dos mais velhos.
O TRATADO DE BELFAST
O Tratado de Belfast, de 1998, é caracterizado sob a observação das normas jurídicas como um texto celebrado em âmbito internacional entre dois Estados, a República da Irlanda e o Reino Unido, afetando internamente um terceiro país: A Irlanda do Norte, que faz parte do Reino Unido.
Como estrutura, o Tratado de Belfast de apresenta da seguinte forma:
Parte Um: As instituições democráticas da Irlanda do Norte;
Parte Dois: O conselho ministerial norte/sul;
Parte Três: O conselho Britânico-Irlandês e os britânico-irlandeses;
Conferência Intergovernamental;
Outras seções:
– Garantir os Direitos de Igualdade de Oportunidade: pilares que garantam os Direitos Humanos da população.
– Desativação: desativação de órgãos militares.
– Segurança: Aumento da segurança no país.
– Policiamento e Justiça: Uma reforma no sistema judiciário que evitasse a coerção da população católica local.
– Prisioneiros: Libertação dos prisioneiros de guerra.
– Validação, Implementação e Revisão: manutenção e cumprimento do Acordo.
Nesse caso, estando caracterizado como um “tratado-simples”, garantia os elementares princípios negociados pelas partes.
Esses pontos procuraram resolver questões cruciais para a manutenção da paz entre católicos e protestantes na Irlanda do Norte, de modo que deveria abolir a discriminação entre católicos e protestantes por parte do governo e de políticas públicas, desmilitarizar os grupos de oposição, promover participação política igualitária e uma reforma judicial.
Nesses pontos de reivindicação o Tratado de Belfast contemplou os pontos firmados e almejados.
CONCLUSÃO
A guerra é a mais antiga das relações internacionais. A necessidade de interligar o direito e a guerra levou à criação de normas de ordem jurídica para repelir as hostilidades beligerantes entre as nações. Nesse contexto, foi aperfeiçoada a lei sobre os acordos, e nos caso do Direito da Guerra, os acordos de paz, cessar-fogo, não proliferação de armas, entre outros.
O Tratado de Belfast é visto como um acordo maduro do ponto de vista jurídico: validado pela lei, obedecendo todos os preceitos de um texto desta natureza, e obedecendo as fases de outorgação dos tratados.
A negociação é a fase mais intensa e interessante do ponto de vista de construção do Tratado de Belfast. Ela se intensificou na década de 1980, quando o diálogo entre Irlanda e Reino Unido se firmou com o objetivo de resolver o conflito de forma pacífica e não apenas de acabar com a guerra.
É interessante observar que as negociações ocorreram tanto no âmbito do poder público quanto secretamente entre os atores envolvidos. Do ponto de vista do Direito Internacional, acordos precisam ser registrados na Secretaria da ONU. Foram essas conversas paralelas, conhecida como o “back channel communication”, entre os atores do conflito que permitiram os governos a chegarem ao Acordo. Relações pessoais entre essas pessoas, entre os partidos e personagens influentes foram cruciais para a chegada de um entendimento entre as partes.
É reconhecido que essa “comunicação secreta” no Conflito da Irlanda do Norte, durante a década de 1970 a 1990, foi essencial para o Tratado de Belfast, indo de encontro com a prática de esclarecimento das negociações diplomáticas no Direito Internacional.
Porém, foi em uma mensagem paralela entre o governo britânico e o Séin Finn que determinou que para se chegar a um acordo era preciso que as atividades do IRA fossem cessadas. Um dos principais pontos da redação do Tratado de Belfast.
Outra característica peculiar do Conflito, e do Acordo da Sexta-Feira Santa, é a veemente participação multipartidária nas negociações, com destaque para o Séin Finn, partido nacionalista católico da Irlanda do Norte. Seu líder, Gerry Adams foi uma voz preponderante na redação do Tratado.
O envolvimento do IRA, do Séin Finn e do governo britânico pode ser um precedente para se considerar a participação de negociações paralelas ou da veemente participação de terceiras partes nesses acordos.
O senador americano George Mitchell foi enviado para a Irlanda do Norte em 1996 para mediar as negociações. Com a conversa, ficou estabelecido uma série de princípios, tais como: a resolução política e democrática dos problemas por meio pacífico; o desarmamento total dos paramilitares; o cessar imediato das punições por morte ou espancamento, entre outros.
Esses foram os princípios que levaram a assinatura do Tratado de Belfast em 1998. Porém, antes de ser assinado de fato, o texto do Acordo foi largamente difundido entre a população, e passou por um referendo no qual o resultado foi a favor do Tratado – 71% da população votou pelo sim.
Seguido de alguns procedimentos internos quanto a Constituição da Irlanda, que reivindicava a posse da Irlanda do Norte, e por parte do Reino Unido, a extinção da lei de prevenção que previa o direito do Estado de prender e punir suspeitos por crimes de guerra, sem qualquer julgamento. Essas foram as condições que levaram aos países ao Acordo.
Depois de todos os passos alcançados, o Acordo da Sexta-Feira Santa está vigente há 16 anos e avançando ano após ano. Do ponto de vista jurídico, o acordo é satisfatório, já que apresenta um acordo mútuo sobre as questões, foi feito de forma pacífica, com uma larga consulta popular e participação civil e conversas multilaterais que concordavam que o Tratado deveria existir.
Podemos concluir que a mediação de terceiras partes, políticas e civis, foi de extrema importância na construção do Acordo de Belfast. Sua aplicação também tem sido notória, com o desarmamento total do IRA, a diminuição de pontos de conflito, a crescente participação política irlandesa no Parlamento da Irlanda do Norte, criando uma conjuntura mais pacífica, porém não totalmente resolvida.
Uma das principais críticas ao Tratado foi feita pelo líder do Séin Finn, Martin McGuiness, no qual ele diz que um tratado é um texto em constante movimento, e por isso, deve ser constantemente revisado. Atualmente, tem havido uma escalada, mesmo que de forma menor do que a previamente existente, de ataques terroristas por grupos dissidentes. Além do acirramento dos ânimos entre católicos e protestantes, que mesmo depois de quase 20 anos do Tratado de Belfast fomentam a construção de um muro que divide as principais cidades da Irlanda do Norte.
McGuiness cita também a forte crise econômica européia e o ressurgimento das ondas separatistas no continente como uma forma de enfraquecer o Tratado de Belfast. Relembrando que as crises econômicas da década de 1920 e do pós-guerra em 1940 foram preponderantes para a construção de medidas econômicas e rechaçamento cultural de que os dois povos não poderiam viver no mesmo território.
De todo modo, o Tratado de Belfast conseguiu resguardar os Direitos Humanos da região, o crescimento da democracia e a abolição de grupos terroristas de grande escala. Porém, o problema cultural ainda afeta o acordo, mesmo depois de uma geração desde a assinatura do Tratado.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ACCIOLY, Hildebrando. SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e. “Manual de Direito Internacional Público”, capítulo 4. São Paulo: Saraiva, 1996. ANNAIDH, Séamas Mac. “Irish History”. Bath: Parragon, 2007. FINKELSTEIN, Cláudio. “Direito Internacional” – 2 ed – São Paulo: Atlas, 2013. KAPLAN, Morton. KATZENBACH, Nicholas. “Fundamentos Políticos do Direito Internacional” – Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1964. NOGUEIRA, João Pontes. “Teoria das Relações Internacionais: correntes e debates” – Rio de Janeiro, Elsevier, 2005. REZEK, José Francisco. “Direito Internacional Público”, capítulo 1.
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