Energia e Comércio: Acordos entre China e países do Oriente Médio e Norte da África remodelam a geopolítica global
- CERES
- há 1 dia
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Luis Augusto M. Rutledge
Geopolítica Energética
Diferentes regiões do mundo são frequentemente cercadas de grande interesse geoeconômico, entretanto, nenhuma área estratégica se compara ao potencial do Oriente Médio. A região que possui forte presença global devido aos seus recursos energéticos - petróleo e gás natural - eleva sua importância civilizacional, religiosa e econômica, sendo constantemente o foco de atenção das forças influentes globais.
Atualmente, as variáveis que contribuem para o Oriente Médio desfrutar de maior grau de independência e influência regional, surgem de seu histórico potencial energético, da multiplicidade de opções oriundas do multilateralismo e de uma maior gama de alianças com parceiros estratégicos ativos e blocos econômicos.
A amplitude de novas rotas comerciais nos últimos anos, fez aumentar a importância do Oriente Médio como um centro global, particularmente para o comércio com a Ásia.
Até o momento, as tensões geopolíticas e a instabilidade na região não foram capazes de perturbar o comércio regional e dissuadir o investimento estrangeiro. Independente disto, a região enfrenta a concorrência global de novos centros comerciais estabelecidos, necessitando de colaboração para se manter competitiva.
Em linhas gerais, o Oriente Médio é um importador significativo de grãos e óleo vegetal, com importações, principalmente da França, Brasil, Romênia e Índia. Há também uma demanda crescente pela importação de produtos de tecnologia verde, como painéis solares, veículos elétricos e soluções de iluminação LED, destacando a China como um importante fornecedor de carros elétricos e painéis solares para a região.
Nesta linha, a China se destaca. O fortalecimento da cooperação econômica entre países do Golfo e China no Oriente Médio possui dimensões que vão além do contexto energético. Recentemente a diplomacia chinesa foi fundamental nas cúpulas de acordos entre Arábia Saudita e Irã e, a cada dia, se torna cada vez mais influente na geopolítica da região. A China expandiu significativamente sua influência no Oriente Médio e Norte da África (MENA) à medida que o domínio ocidental diminui, alavancando investimentos econômicos, engajamento diplomático e parcerias estratégicas. Por meio de laços bilaterais, plataformas multilaterais como o BRICS e grandes acordos de infraestrutura e energia, a China se posicionou como uma potência externa importante na região. Sua abordagem pragmática e não intervencionista tem se mostrado eficaz. À medida que os estados do MENA buscam maior autonomia e diversificam parcerias, a ascensão da China representa um desafio direto à influência ocidental tradicional, remodelando o cenário geopolítico a seu favor.
E, no tocante à guerra comercial na gestão da economia global, a China com seu projeto Belt and Road, uma estratégia global de desenvolvimento de infraestrutura adotada pelo governo chinês em 2013 para investir em mais de 150 países e organizações internacionais, planejou sua iniciativa contando com a parceria dos principais países do Oriente Médio.
No lado da Arábia Saudita, o alinhamento da iniciativa de infraestrutura do Cinturão e Rota da China com o plano "Visão 2030" do príncipe herdeiro saudita Mohammed Bin Salman, pode corroborar com a redução da dependência da Arábia Saudita do petróleo. As negociações entre a China e o Conselho de Cooperação do Golfo estão paralisadas devido a preocupações de que as importações chinesas baratas possam prejudicar os planos de potência industrial da Arábia Saudita.
A China emergiu como uma grande potência altamente valorizada e respeitada. Grande parte desse apoio crescente decorre da abordagem estratégica multidimensional de Pequim, que inclui forjar extensos laços bilaterais com todos os estados do MENA, envolver-se por meio de plataformas multilaterais como o Fórum de Cooperação China-Estados Árabes e integrar sua política MENA com as principais iniciativas de política externa da China.
E, com diversos acordos comerciais globais paralisados por causa das tarifas impostas por Trump, a China recorreu nos últimos meses à Arábia Saudita para estreitar laços. A medida faz parte dos esforços da China para romper com uma guerra comercial de duas frentes com os EUA e a União Europeia, que impuseram tarifas sobre produtos chineses devido a preocupações com seu baixo custo e potencial inundação do mercado.
Enquanto isso, o atual governo norte-americano, demonstrando todo o seu desprezo pela diplomacia, impôs em maior grau sanções e tarifas visando recuperar sua influência política e econômica global na guerra comercial, intensificando como consequência suas diferenças com a China. E, para piorar, enfrenta um ambiente cada vez mais competitivo no Oriente Médio, onde o laço comercial de países árabes com Rússia e China se aperta cada vez mais. Neste ambiente geopolítico, a irrupção da China no Oriente Médio e o aprofundamento dos laços russo-iranianos no contexto da guerra na Ucrânia representam enormes desafios para Washington.
No contexto energético, o setor é inegavelmente uma pedra angular da crescente influência do Oriente Médio no comércio global. A segurança energética também desempenhou um papel fundamental na formação da estratégia MENA da China. À medida que a dependência da China do petróleo e gás MENA se aprofundou, garantir parcerias energéticas estáveis e de longo prazo tornou-se uma prioridade estratégica. A Iniciativa do Cinturão e Rota forneceu uma estrutura institucional inicial para tais compromissos. Além disso, a China procurou alavancar seus crescentes laços econômicos com os estados do MENA para desafiar o domínio do dólar americano no comércio global.
Os avanços positivos da China no reforço de seu soft power e status regional se traduzem em claras vantagens estratégicas para a China nos níveis regional (MENA) e internacional, que Pequim considera esferas interconectadas para aumentar seu prestígio global. Em todo o MENA, a China cultivou influência sobre estados e sociedades, ao mesmo tempo em que se opunha às narrativas ocidentais que a descrevem como um agressor ou ameaça. Mesmo estados alinhados aos EUA, como Marrocos e Jordânia, visualizam cada vez mais o envolvimento econômico e tecnológico com a China como algo positivo.
Logo, se torna fácil a percepção de que a visão geoestratégica e geoeconômica da política chinesa em relação aos países do Norte de África e do Oriente Médio converge com os interesses comerciais e de maior influência dos países árabes.
No entanto, a soma dos países que se enquadram no termo Oriente Médio é heterogênea em características com a presença de países não árabes como Turquia, Israel e Irã. Desta forma, o Oriente Médio se constitui numa região com um mosaico de identidades que tornam muito difícil a construção de um equilíbrio geopolítico. Além disso, hoje, tensões regionais e conflitos militares, alianças e projetos internacionais, são desafios que se refletem no Médio Oriente, Norte da África e, sem esquecer do Leste Europeu, na forma de terrorismo, pirataria, poluição ambiental, acidentes marítimos e várias tentativas de controlo das rotas marítimas.
Na complexidade da política global, somente a energia é capaz de assegurar alianças estratégicas e comércio internacional. Portanto, estamos diante de um novo cenário energético e político, onde acordos geopolíticos internacionais e regionais são desafiados.

Luis Augusto Medeiros Rutledge
Engenheiro de petróleo formado pela UNESA e possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC.
Pesquisador da UFRJ, Analista de Geopolítica Energética e Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior - FUNCEX.
Colunista do site MenteMundo.
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