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O Touchdown no Super Bowl foi abrasileirado: A desterritorialização dos gêneros musicais

Atualizado: 26 de set. de 2023

O segundo domingo do mês de fevereiro, o “feriado não oficial” dos estadunidenses, é reverenciado como o dia decisivo para a National Football League que, com o jogo de playoff final anual, define o campeão da liga nacional no principal evento televisivo esportivo dos Estados Unidos da América, o famigerado Super Bowl. E aquém da menção da equipe ganhadora (aos espectadores entendedores, o Kansas CIty Chiefs), cabe protagonismo aos intervalos do espetáculo global, ou à um em específico, midiaticamente referenciado pelas surpresas associadas à indústria musical e, no cenário brasileiro, pela espontânea projeção internacional na performance de Rihanna no uso do Funk Carioca.


Após cerca de sete anos sem aguardadas performances em shows, Rihanna, renomada atriz, empresária e cantora-compositora barbadense, regressou sob um televisionamento global com uma apresentação que alcançou novos recordes de audiência, anunciando uma inesperada gravidez e ainda impactando fãs brasileiros com a exibição da faixa Rude Boy, pela versão “remixada” que possuía como melodia, memoráveis batidas do Funk Carioca. A produção é autoria do DJ brasileiro Ewethon Carvalho Santos, mais conhecido como DJ Klean, dono do remix divulgado no ano de 2020, viralizado nas redes sociais. Pré sucesso, foi acusado de violação de direitos autorais e posteriormente reformulado.


Viralizado nas mídias, o remix chegou aos ouvidos da produção da artista por intermédio do TikTok, uma rede consolidada no marketing de influência e responsável pela criação e repercussão de tendências globais. Iniciando como uma publicação despretensiosa, uma famigerada brincadeira, logo auferiu em resultados de projeção internacional, e concedeu palco à uma figura pública brasileira, responsável pela referenciação do ritmo. Com as consequências advindas da globalização e ainda o fenômeno das mídias sociais na “desterritorialização” da música, é concedido poderio e influência a um indivíduo comum, que ocupa os “papéis originários” dos Estados Nacionais que se projetavam no globo.


A priori, as nações confeccionavam produções culturais (estratégica ou espontaneamente delineadas) derivadas de ambições econômicas, políticas e de dominação internacional, advindas de nacionalismos modificados ao longo de ações geracionais. Compreende-se que em meados do século 20, essas realizações se faziam significativas para a formação de uma identidade musical nacional, assim como em múltiplos campos das artes, sob a ideia primitiva de formulação de fronteiras entre países. Todavia, como mencionado, o processo globalizatório vivenciado e a ascensão e popularização da internet, modificaram o único e exclusivo domínio estatal nas projeções globais e/ou formulações identitárias.


A música possui um enorme poderio em cada uma de suas intencionalidades, seja como expressão cultural e artística ou quando confeccionada para conscientização de um povo, exposição reflexiva e identitária da sociedade, seja no cenário de comercialização nessa indústria ou expressão de modos de vivência e nacionalismos. Historicamente, inúmeros exemplos identificam que as composições não apenas originam-se e se perpetuam como símbolos sociais, mas operando ainda como moldes da sociedade, na medida em que infiltram-se em cenários significativos para política, diplomacia e o comércio exterior. Em síntese, o artifício poderoso para uso dos atores internacionais em seus intentos globais.


Esse poderio musical advém do conceito originário do campo das Relações Internacionais como disciplina, nomeado Soft Power (Traduzido de maneira lúdica como “Poder Brando”) que se difere do visível Hard Power, representativo no alcance bélico e militar, pois é dado como a capacidade estatal de persuasão sem o uso da força ou coerção, mas sob ideais intangíveis, como os valores e as produções culturais e artísticas, exemplificadamente. Na contemporaneidade, a aplicabilidade da música como expressão de poderes se encontra difusa, considerando o seu manuseio pelo indivíduo, como ator internacional, que se desprende das aspirações do Estado, mesmo que a ele direcione sucesso e mainstream.


A “heroína nacional de Barbados”, a aclamada Rihanna, não surpreendeu o espetáculo estadunidense com uma novidade na indústria musical, considerando que o Funk Carioca já não pode mais considerar-se a recém “descoberta” no repertório internacional, sendo hoje o estilo musical de origem brasileira mais ouvida globalmente, de acordo com o levantamento realizado no ano de 2019 pela mais acessada plataforma de streaming, o Spotify. Transgressora e inventiva, a música que segue as batidas notórias desse ritmo alcança possibilidades de força midiática pela posse de sua personalidade inovadora. Com uma capacidade projetiva musical para além da difusão da bossa nova e do samba.


Logo, o orgulho nacional após a divulgação do Funk Carioca remixado é devido a um jogo comercial da indústria para o alcance de ouvintes latinoamericanos ou o resultado da homogeneização musical decorrente do mix de identidades? Sabe-se que há um porquê para a divulgação ampliada do Funk Carioca em estratégias massivas de comunicação. Intencional ou espontaneamente, a performance musical de Rihanna com o uso do remix de DJ Klean suscita reflexões sobre a desterritorialização dos gêneros musicais e o “repasse” do uso e execução do Soft Power para os novos atores internacionais. Todavia, independentemente dessa reflexão: O Touchdown no Super Bowl foi abrasileirado.



Aline Batista dos Santos Silva

Graduada em Relações Internacionais (Bacharelado) pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU (Com Bolsa 100% pelo Programa Universidade para Todos - PROUNI) | Pesquisadora Acadêmica no Programa de Iniciação Científica - PIVIC (2017; 2018; 2019 e 2020) | Monitora Acadêmica das Disciplinas de: "Finanças Internacionais" (2018.2); "Economia Brasileira Contemporânea" (2019.1); "Eventos e Extensão" (2019.2); "Geopolítica e Geoestratégia" (2020.1); "Fundamentos da Economia" (2020.1) | Analista Internacional | Educadora para a Transformação e o Impacto Social | Pesquisa Acadêmica | Gestão de Projetos e Negócios Sociais |


FONTES CONSULTADAS =

BLACKING, John. Música, cultura e experiência. Cadernos de Campo (São Paulo, 1991), v. 16, n. 16, p. 201-218, 2007.

FREIRE FILHO, João; HERSCHMANN, Micael. Funk carioca: entre a condenação e a aclamação na mídia. Revista Eco-Pós, v. 6, 2003.

FREITAS, Marcello de Souza. As políticas para a difusão da música brasileira para o mundo. Revista Neiba, Brasil, v. 4, n. 1, p.66-76, ago. 2015.

TINHORÃO, José Ramos. História social da música popular brasileira. Editora 34, 1998.

VIANA, Luciana. O funk no Brasil: música desintermediada na cibercultura. Revista Sonora, Unicamp, Campinas/RS, vol. 3,n. 5. 2010.

VIANNA, Hermano. O mundo funk carioca. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.

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