Portugal e a crise migratória: legalidade ou cortina de fumaça?
- CERES
- há 2 dias
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Portugal vive um momento delicado, em que a política migratória ganha centralidade no debate público não apenas por necessidade institucional, mas também como reflexo de instabilidade política e crise econômica. O recente anúncio do governo português, que pretende notificar 18 mil imigrantes para deixarem o país, levanta uma questão crucial: trata-se de uma medida de justiça administrativa ou de uma manobra política em plena campanha eleitoral?
O ponto de partida dessa ofensiva foi a descoberta de uma rede organizada de legalização fraudulenta de estrangeiros, que teria beneficiado mais de dez mil imigrantes. A operação da Polícia Judiciária revelou um esquema sofisticado capaz de fornecer contratos de trabalho falsos, documentos fiscais, registros de saúde e até validações oficiais com o uso indevido de selos consulares. A denúncia é grave e exige uma resposta firme do Estado.
Entretanto, a resposta do governo parece ter ido além do combate ao crime organizado. O endurecimento das políticas migratórias, anunciado às vésperas do início oficial da campanha eleitoral, coloca em suspeição a real motivação dessas ações. A determinação de expulsar milhares de imigrantes com prazos curtos, ameaça de detenção e vigilância eletrônica, surge num momento em que o país enfrenta a queda do PIB e a crise política que levou à dissolução do Parlamento.
Não por acaso, entidades como a Casa do Brasil de Lisboa denunciaram o uso da imigração como “cortina de fumaça” para encobrir escândalos de corrupção e a fragilidade da atual coligação governista. Quando o número de brasileiros barrados na fronteira aumenta em mais de 700% em um ano, é inevitável a sensação de que os estrangeiros, especialmente os de países do Sul Global, estão sendo convertidos em bodes expiatórios de uma gestão em apuros.
A migração é, sem dúvida, um tema sensível e exige regras claras, justas e aplicadas com responsabilidade. Mas é também um campo onde o populismo e o oportunismo eleitoral encontram terreno fértil. Portugal, historicamente acolhedor, não pode se permitir resvalar para políticas punitivistas que alimentam o medo e a xenofobia, muito menos sob o pretexto de restaurar a ordem.
Combater redes ilegais, sim. Expulsar sumariamente milhares de pessoas sem diálogo, sem alternativas e sob o fogo cruzado da política partidária, não. O Estado de Direito se mede também pela forma como trata os mais vulneráveis, sobretudo quando a tentação de usá-los como escudo político bate à porta.
Portugal precisa enfrentar seus desafios migratórios com seriedade, não com espetáculo. A crise é real, mas a resposta precisa ser humana, proporcional e livre de instrumentalizações eleitorais. A democracia agradece.

João Pedro do Nascimento
Bacharel em Relações Internacionais, com pós-graduação em Políticas Públicas. Atua como editor-chefe de um site especializado em análises internacionais e tem experiência em tradução, mediação de negócios e cooperação internacional. Fluente em inglês e espanhol, já colaborou com empresas e organizações em contextos multilíngues e multiculturais.
Referências Bibliográficas
BBC NEWS BRASIL. Imigração em Portugal: país vai notificar milhares, incluindo brasileiros, para que deixem o país - BBC News Brasil. BBC News Brasil. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0784dlldnro>.
ECO. Fraude abriu portas na AIMA a pelo menos dez mil imigrantes. ECO. Disponível em: <https://eco.sapo.pt/2025/05/08/fraude-abriu-portas-no-sef-e-na-aima-a-pelo-menos-dez-mil-imigrantes/>.
UOL. Crise política: o que está por trás de ação contra imigrantes em Portugal. UOL. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2025/05/06/por-que-portugal-notificar-imigrantes.htm>.
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