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Implicações de Adesão de Moçambique no Tribunal Penal Internacional

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    CERES
  • há 4 dias
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A adesão de qualquer país ao TPI, traz consigo um conjunto de obrigações de cumprimento e de responsabilidades, sob ponto de vista de institucionalização dos mecanismos judiciais para trabalhar em cooperação com o TPI nas diversas solicitações que o país poderá receber, bem como ponto de vista das obrigações que o Estado ficará sujeito a cumprir advindas da ratificação do Estatuto de Roma.


Moçambique é um país que tornou-se membro da ONU em 1975 logo que alcançou independência e  que já assinou o Estatuto de Roma que criou o TPI, contudo até a presente data ainda não ratificou essa assinatura. Com a assinatura, embora não possa obstruir o seu cumprimento, não está obrigado a colaborar com o Tribunal Penal Internacional, nem sujeita o seu território que é soberano  à jurisdição do TPI.


De forma metodologia foi adoptada a técnica bibliográfica aquela que abrange toda a bibliografia já tornada pública em relação ao tema em estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais, revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc., até meios de comunicação orais. Sua finalidade é colocar o pesquisador em contacto com tudo que foi escrito, dito ou filmado sobre dado assunto, inclusive conferências seguidas de debates que tenham sido transcritos por alguma forma, quer publicadas ou gravadas. A pesquisa bibliográfica é útil para este trabalho na medida em que este basea-se nas informações já obtidas e trabalhadas por especialistas no assunto. 


Criação do Tribunal Penal Internacional


O TPI surge como uma ferramenta jurisdicional inédita para evitar a impunidade dos que cometem crimes de vultosa gravidade, que transcendem a esfera da soberania do Estado, atingindo a comunidade internacional como um todo. Assim em 17 de julho de 1998, após três anos de debates na Assembléia Geral da ONU, foi aprovado na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas o Estatuto de Roma, instrumento responsável pela criação do TPI. O facto de sua criação ser fruto de ampla negociação com participação de vários países representa relevante distinção quanto aos tribunais ad hoc, formados pelos países vencedores de conflitos (Tribunal de Nueremberg) ou por imposição de uma Resolução do CSNU com debate restrito de países em sua adopção (Tribunal para Ruanda).


Competências


Para julgar os crimes de genocídio, crimes contra humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão, sendo as suas respectivas definições trazidas no estatuto de Roma para viabilizar essa nova perspectiva de actuação jurisdicional internacional sobre os crimes, o TPI se funda sobre alguns princípios e características que o difere dos tribunais ad hocs anteriormente instituídos.  De plano, nota-se que o TPI é a primeira corte penal internacional permanente e independente. Trata-se, portanto, de uma organização internacional com personalidade jurídica própria, não vinculada a nenhum Estado ou organismo internacional.


Que implicações para Moçambique


A adesão de Moçambique ao TPI, irá requerer um conjunto de medidas e acções com vista a que o país possa cumprir com as obrigações exigidas pelo TPI a qualquer Estado-membro da orga-nização principalmente no âmbito da cooperação entre o TPI e as autoridades judiciais locais.


Ao nível do sistema legislativo. 


O país deverá dar primazia a adequação da Constituição da República e de outras leis infraconstitucionais ao Direito Internacional, de modo a acomodar os aspectos legais preconizados pelo Estatuto de Roma, que contrariam o preceituado na Constituição da República de Moçambique como:


O código penal nacional, no que se refere aos crimes que em virtude do Direito Internacional são obrigados a investigar e a pro-cessar. Crimes como genocídio, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, bem como suas especificações devem ser incorpora-das a lei penal em Moçambique.


Esta adequação seria um grande ganho para os países que queiram aderir ao TPI pois permitiria aos Estados terem jusrisdição sobre seus crimonosos, sem precisar da acção subsidiário do TPI e com isso a adesão ao TPI servirá, meramente, como instrumento de projecção internacional da imagem do Estado ratificante, enquanto promotor dos direitos humanos (Arifa et al,  2014)  .


Entretanto, a solução desta controvérsia está no próprio Estatuto de Roma no artigo 80 que estabelece que esta pena se aplica apenas ao TPI, não afetando os sistemas judiciais nacionais, ou seja não haveria necessidade de ser instituida em Moçambique.

Para Duma (2011) a razão pela qual Moçambique não aderiu até então ao Tribunal Penal Internacional não tinha nada que ver com as incompatibilidades constitucionais, mas sim com o facto se ter adoptado uma política externa de fuga de responsabilidades quando se trata de matéria de direitos humanos.


Corroborando com a ideia de Duma, considera-se que a questão da incompatibilidade da Constituição da República com o Estatuto de Roma já está acautelada no próprio Estatuto de Roma, pelo que, não há exigência alguma de adequação das leis nacionais ao Estatuto de Roma neste sentido.


Um grande desafio para implementação do Estatuto de Roma nos Estados Africanos no geral, e Moçambique não fica de fora, é a questão da irrelevância da qualidade oficial estabelecido no Estatuto de Roma no seu artigo 27º segundo qual: “o Estatuto será aplicável de forma igual a todas as pessoas, sem distinção alguma baseada na qualidade oficial. Em particular, a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de fun-cionário público em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal, nos termos do presente Estatuto, nem constituirá de per si motivo de redução da pena”.


Críticas e controversia sobre actuação do Tribunal penal Internacioal  


Uma das principais críticas que tem sido levantadas sobre a actuação do TPI é sobre o seu não alargamento do âmbito geográfico, concentrando sua acção penal no continente africano. Embora África seja um dos continentes que mais colaborou para implemetação do TPI, e tenha maior número de países como Estados-membros do TPI (33 países até o ano 2016), a acção do TPI tem sido alvo de muitas críticas no continente. Este fenómeno tem levado que muitos países africanos solicitem sua saída TPI (Bavon, 2010).


O principal motivo desta saída é o facto de que o TPI tem sido visto como um tribunal criado para caçar apenas os Africanos. Um estudo sobre balanço dos 20 anos do TPI, concluiu que maior parte dos processos em julgamento no TPI foram de casos de países africanos, dando a perceber que o TPI tem como missão perseguir apenas os africanos.


Essa situação foi muito mais além levando a União Africana a propor uma saída em bloco dos países africanos, a rejeitar a instalação de uma representação oficial do TPI em Adis Abeba, na Etiópia, em vez disso, foi proposta a institucionalização de uma secção penal para crimes graves de âmbito internacional no Tribunal Africano dos Direi-tos do Homem e dos Povos (Ambos, 2015).


Críticas e controversias sobre o Tribunal penal Internacional 


Uma das principais críticas que tem sido levantadas sobre a actuação do TPI é sobre o seu não alargamento do âmbito geográfico, concentrando sua acção penal no continente africano. Embora África seja um dos continentes que mais colaborou para implemetação do TPI, e tenha maior número de países como Estados-membros do TPI (33 países até o ano 2016), a acção do TPI tem sido alvo de muitas críticas no continente. Este fenómeno tem levado que muitos países africanos solicitem sua saída TPI (Bavon). 


Outro assunto que tem merecido debates é pelo facto do Estatuto de Roma admitir que os Estados possam negociar aspetos processuais atinentes à entrega de suspeitos, no âmbito de acordos celebrados (Bavon, 2010). 


Essa permissão faz com que muitos países celebrem acordos bilaterais de imunidade, de modo a impedir que os seus cidadãos civís e militares, possam ficar sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. 


A questão da a politização do TPI, é outra crítica que vem sendo  levantada contra este órgao, pelo facto de que o tribunal não conseguir perseguir os mais altos responsáveis de crimes graves do âmbito internacional, preferindo julgar pessoas de pouca relevância no que diz respeito ao cometimento de crimes contra os direitos humanos ( Bavon, 2018 et al).

Finalmente a dependência financeira, vem sendo contestada pelo facto de que o financiamento do TPI ser feito por contribuições na sua maior parte do Estados Ocidentais, como a Alemanha, da França e da Grã-Bretanha, e o Japão. O tribunal recebe também doações de pessoas privadas ou fundações. Essa depedencia financeira de alguns países e particulares, levantam dúvidas sobre a imparcialidade e isenção do TPI face aos seus financiadores (Bavon, 2018).


Conclusão


O presente artigo tinha como objectivo principal compreender as implicações da adesão de Moçambique ao Tribunal Penal Internacional. O TPI é uma organização internacional, com personalidade jurídica interncional que tem competencia para actuar sobre crimes contra os direitos humanos cometidos em grande escala, com transcendência internacional, nos países que tenham assinado e ratificado o Estatuto de Roma. 


Até então vários países aderiram ao TPI, que exige aos países membros que o tribunal passe a ter jurisdição automática sobre o território, podendo actuar em casos de cometimento, por cidadãos nacionais ou estrangeiros residentes, que cometam os crimes de guerra, crime contra humanidade, crime de genocídio e crimes de agressão. 


Os países membros por sua vez, são obrigados a cooperar com o TPI, na isntrução e condução dos processos criminais sob alçada do TPI, ficando as autoridades judiciais encarregues de fazer a recolha das provas, audição de testemunhas, proteção das vítimas, efectuar a prisão e executar a penas, visto que o TPI não tem poder de coerção - uma força militar ou polícia para o efeito. 


Em face a estas exigências, consideramos que a adesão de Moçambique ao TPI teria como implicações a necessidade de adequar o quadro legal/constitucional de modo a acomodar os preceitos previstos no Estatuto de Roma, no que respeita a tipificação e categorização dos crimes, a pena de prisão perpétua, a imunidade dos membros do governo e outros oficiais do Estado e a extradição de nacionais e estrangeiros. 



Jaime Antonio Saia
Jaime Antonio Saia

Jaime Antonio Saia

Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.

Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.Com ampla experiência em Gestão de Empresas.



REFERÊNCIAS 

                      Arifa, B. (2014). O Tribunal Penal Internacional e a Constituição: desafios do cumprimento dos Estatutos de Roma pelo Brasil. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, Brasil. Acessado a 05 de Março de 2025. Disponível em https://repositorio. unb.br/bitstream/10482/18907/3/2014_BethaniaItagibaAguiarArifa.pdf

                       Assembléia da República de Moçambique. Lei nº 1/ 2018 de 12 de Junho, aprova a Constituição da República de Moçambique.

                        Assembléia da República de Moçambique. Lei nº 24/ 2019 de 24 de Dezembro, aprova a lei de revisão do Código Penal de Moçambique.

                     Bavon, I. (2018). África e o Tribunal Penal Internacional (2002 a 2016). Dissertação de Mestrado. Instituto Superior de Ciencias Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, Portugal. Acessado a 05  de Março de 2025. Disponível em https://www.repository.utl.pt/ bitstream/10400.5/16233/1/Trabalho%20Final%20de%20Disserta%C3%A7%C3%A3o%20 Revisto%202018.pdf

                                       Cardoso, E. (2012). Tribunal Penal Internacional: Conceitos, Realidades e Implicações para o Brasil. Brasília: FUNAG. Acessado a 05 de Março de 2025. Disponível em http://funag. gov.br/biblioteca/index.php?route=product/product&path=71&product_id=936 Cresswell, J. (2007). Projecto de pesquisa: método qualitativo, quantitativo e misto. Porto Alegre: Artemed. 

                                   Lewandowski, E. (2002). Tribunal Penal Internacional: De uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estudos Avançados. 16 (45). Acessado a 28 de Outubro de 2020. Disponível em https://www.scielo.br/pdf/ea/v16n45/v16n45a12.pdf

                                  Maia, C. e Hama, K. (2012). [Em linha]. O Tribunal Penal Internacional visto desde a África: Órgão Jurisdicional ou Órgão Político? In Revista L’Observateur des Nations Unies. Vol. 32, 2012, pág.75-98. Acessado a 25 de Outubro de 2020. Disponível em https://revistas. ulusofona.pt/index.php/rfdulp/article/view/4321 Organização das Nações Unidas. Decreto nº 4.388 de 25 de Setembro de 2002, promulga o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional.

                                          Viviam, W. (2015). Considerações sobre o Tribunal Penal Internacional. In: Revista Electrônica do Curso de Direito na Faculdade de OPET- Curitiba. N. 13, ISSN 2175-7119. Acessado a 25 de Outubro de 2020. Disponível em https://jus.com.br/artigos/35660/ consideracoes-sobre-o-tribunal-penal-internacional.

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