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2024, o mundo vai às urnas

Atualizado: 15 de fev.

Neste ano teremos um recorde em pleitos eleitorais ao redor do mundo, cerca de 50 países irão às urnas representando pouco mais de 2 bilhões de pessoas, 1/4 da população mundial, que hoje está próxima de 8,1 bilhões de pessoas. A diversidade cultural e política desses pleitos é enorme, desde as eleições legislativas que ocorreram em Janeiro, em Bangladesh, passando pela escolha dos representantes no parlamento europeu, na União Europeia, chegando às grandes disputas executivas nos Estados Unidos e na Rússia. Esse será o maior número de eleitores indo às urnas em um mesmo ano eleitoral, na história.


No entanto, o que parece ser uma grande “festa de direitos sociais”, pode se transformar em uma grande ameaça ao equilíbrio da democracia. As principais pautas em quase todos os países passam, em alguma medida, sobre questões ligadas ao nacionalismo, visões de mundo mais individualistas, revisão de modelos político econômicos e liberdades vs direitos individuais.


Esse início do nosso século XXI já está marcado, em termos políticos, por uma grande retomada de pensamentos e ideias conservadoras e em grande parte conectadas com ideologias da extrema direita. Há sem dúvida um grande movimento de inquietação na sociopolítica, ou seja, um descontentamento das sociedades com a política institucional de suas regiões. Se no final da primeira década, houve um grande questionamento sobre a eficácia do modelo ocidental da social-democracia, hoje vemos um aprofundamento disso, inflado pelos discursos de antigos membros de uma direita clássica e que viram na extrema direita a oportunidade de retornar ao poder.


Os discursos nacionalistas, ufanistas do “mundo à moda antiga”, as ideias protecionistas extremas, o pensamento xenofóbico e individulista, uma defesa de modelos neoliberiais, o ataque ao progressismo cultural, entre outras pautas, são os maiores sinais de que o mundo da democracia contemporânea pode estar vivendo dias muito dificeis.


Essas grandes eleições deste ano de 2024 podem e acredito que devem escalar ainda mais as tensões na política de um modo geral. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial não tínhamos um cenário global com uma discordância e uma distância tão grande de pensamentos e visões de mundo entre candidaturas. Ainda que houvesse oposições e situações, em muitos aspectos e até em ações, a distância de pensamento político interno e externo se aproximava, algo que hoje é improvável que aconteça.


O grande exemplo disso serão as eleições presidenciais nos Estados Unidos, onde o atual mandatário, Joe Biden, tenta a reeleição pelo partido democrata sob fortes desconfianças e números de aprovação bem baixos. Ele tem a 3ª pior aprovação depois de 3 anos de mandato em 70 anos nos Estados Unidos, com 41%, ficando à frente apenas de Ronald Reagan e Jimmy Carter com 41% e 40%, respectivamente. Números importantes se juntarmos aos de Donald Trump, que aparece logo após Biden, com 43%, que em comum com Carter do partido Democrata não conseguiram se reeleger.


Como pode ser o mundo no final deste ano?


Acredito que teremos de maneira quase certa, uma grande guinada à direita, que não a clássica, mais moderada e de debates, e sim algo próximo ou até mesmo a própria extrema direita, isso em grande parte das eleições. O exemplo ocorrido na Argentina é muito claro, décadas de uma crise profunda, onde diversos políticos entraram e saíram - em 2001 a Argentina teve 5 ministros da economia em 1 semana - deixaram a população sem qualquer credulidade em partidos e políticos moderados, levando a eleição de uma das figuras mais excêntricas e de extrema direita do país, Javier Milei.


Ao observar os pleitos mais importantes pelo mundo, os que destaco a seguir, entendo que temos muito com o que nos preocuparmos. O mundo já vive tensões muito elevadas, seja por conta da guerra na Ucrânia, seja devido à crise, que cada vez tem uma escalada maior, em Israel, porém podemos viver uma situação mais dramática.


Sobre as eleições, na Rússia e na Venezuela não teremos surpresa, até pela configuração dos regimes e dos pleitos, Putin e Maduro serão reeleitos. O olhar sobre a Índia me preocupa pela instabilidade regional e com o mundo ocidental, mas a reeleição de Moda também é muito certa. 


Portugal deve ter uma mudança brusca, saindo da esquerda socialista para uma extrema direita, do partido Chega, mas o Reino Unido deverá voltar para os Trabalhistas. Os receios ficam por conta da ascensão da extrema direita dentro da França e Alemanha e do parlamento europeu, situações que ainda acho que serão rechaçadas internamente mas que continuarão avançando.


Nos Estados Unidos as eleições serão, mais uma vez, extremamente conturbadas, devido às incertezas sobre a “elegibilidade” de Donald Trump, como o partido democrata pode fazer uso disso em campanha e as questões jurídicas sobre os processos que o ex -presidente enfrenta. Entendo que somente questões jurídicas devem complicar a vida de Trump, porque nas urnas o magnata tem plenas condições de voltar à Casa Branca.


Por fim, uma eleição pouco falada mas que pode mudar inclusive a balança de poder regional, são as eleições gerais em Taiwan, que devem eleger a sequência do projeto de se afastar cada vez mais do controle chinês e buscar sua democracia totalmente independente. Para isso a ilha precisará contar com a forte defesa política e militar dos Estados Unidos, já que a China já alertou que irá subir o tom e promete uma forte reação, o que pode levar a mais uma região do globo a tensões.


O que está em jogo nos Estados Unidos?


Antes de qualquer análise precisamos entender que no atual momento Donald Trump está enfrentando inúmeros processos, sendo 4 criminais, relacionados às invasões ao Capitólio no dia 6 de Janeiro de 2021, o que pode complicar muito as eleições. Será a primeira vez na história dos Estados Unidos, que um candidato poderá concorrer e até mesmo ganhar, em meio a um processo criminal ou até mesmo se for condenado. Importante lembrar que não existe um mecanismo jurídico como a lei da Ficha Limpa que temos no Brasil, ou seja, ainda que condenado em qualquer instância, um candidato pode assumir o cargo. Há ainda uma grande discussão jurídica sobre a sessão 3 da 14ª emenda constitucional que diz: 


“No person shall be a Senator or Representative in Congress, or elector of President and Vice President, or hold any office, civil or military, under the United States, or under any state, who, having previously taken an oath, as a member of Congress, or as an officer of the United States, or as a member of any state legislature, or as an executive or judicial officer of any state, to support the Constitution of the United States, shall have engaged in insurrection or rebellion against the same, or given aid or comfort to the enemies thereof. But Congress may by a vote of two-thirds of each House, remove such disability.”


“Nenhuma pessoa poderá ser senador ou representante no Congresso, ou eleitor do presidente e vice-presidente, ou ocupar qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos ou em qualquer Estado, que, tendo previamente prestado juramento, como membro do Congresso, ou como um oficial dos Estados Unidos, ou como um membro de qualquer legislatura estadual, ou como um oficial executivo ou judicial de qualquer Estado, para apoiar a Constituição dos Estados Unidos, se tiver envolvido-se em uma insurreição ou rebelião contra o mesmo, ou tenha dado ajuda ou conforto aos seus inimigos. Mas o Congresso pode, por uma votação de dois terços de cada Câmara, remover essa impossibilidade.”


Em praticamente todas as pesquisas de intenção de voto feitas no final de Janeiro, Trump aparece com vantagem em relação a Biden, e estando praticamente garantido nas prévias do partido Republicano, considerando que De Santis já retirou sua campanha e declarou apoio a Trump e Haley perdeu com considerável margem nas últimas primárias em New Hampshire.


Donald Trump baseia seu discurso no total antagonismo à política Democrata de Joe Biden e seus antecessores, assim como na atuação tradicional do próprio partido Republicano, hoje liderado pela grande base trumpista. Seguindo suas ideias de “Fazer a América grande de novo” e no slogan “América primeiro”, o ex presidente, agora candidato, tem dobrado a aposta contra imigrantes, latinos, empresas transnacionais, atacado a China e as relações comerciais e financeiras com Pequim, buscado ainda mais o seu eleitorado cativo. Ainda se refere às últimas eleições como fraudes e se coloca como “perseguido do sistema”.


Mais um mandato para Putin?


As eleições também ocorrem na Rússia de Vladmir Putin, que está praticamente certo de sua vitória em mais um pleito, seguindo para o seu 5º mandato, uma vez que o principal opositor, o ativista Alexei Navalny, foi localizado em prisão na Sibéria e está impedido de concorrer.


Sem dúvidas que os maiores debates para o futuro da Rússia estão ligados a campanha na Guerra da Ucrânia, a questão de fornecimento de energia, gás, para a Europa e uma forte retomada do sentimento Soviético, nacionalista, de retorno as origêns. 


Os conflitos na Ucrânia completam 2 anos e inúmeras crises internas já afetam o Kremlin, o desgaste das tropas, o número de perdas militares, os gastos elevados e uma promessa de combate e anexação de territórios rápida que não ocorreu. Por outro lado há uma propaganda de resgate ao sentimento conservador do passado Soviético, Putin tem buscado defender que a Rússia deveria voltar seus olhos para o que já foi o grande império soviético, o que tem de alguma forma afetado sua popularidade, principalmente entre a população mais velha e mais conservadora.


As maiores eleições do mundo


Teremos eleições nas duas nações muçulmanas mais populosas do mundo, onde um líder que foi destituído acusado por corrupção, pode influenciar e muito o pleito, e no país que realizará as maiores eleições do mundo em um único dia, cerca de 200 milhões de eleitores e mais 1,5 milhão de diásporas, no Paquistão e na Indonésia, respectivamente.


Teremos também o pleito na democracia mais populosa do mundo, a Índia, onde uma grande transformação política e social está sendo consolidada. A tranfromação de uma democracia que até outro dia tinha ares progressistas, se tornou um projeto em andamento de um Estado Nacionalista Hindu, uma teocracia conservadora liderada pelo atual primeiro ministro e concorrente a reeleição, Narendra Modi. As tensões aumentam com o endurecimento inflexível das leis hindus que ignoram os 200 milhões de muçulmanos e 28 milhões de cristãos, que tentam se adaptar a essa nova realidade. Nas relações internacionais o que preocupa é que esse governo tem uma grande proximidade com a Rússia e a China e um forte antagonismos ao Paquistão - com históricos problemas e fronteira - além de ser um grande parceiro comercial do ocidente - principalmente dos Estados Unidos - e uma força internacional pujante.


África do Sul e América Latina


A África do Sul poderá ter pela primeira vez em 30 anos, uma demonstração de fraqueza do partido de Nelson Mandela. Nas últimas eleições há dois anos, o partido conquistou menos de 50% dos votos e a tendência é de que a insatisfação com a corrupção e falta de governabilidade no país leve a uma guinada à direita.


No México podemos ter um avanço muito importante, uma mulher deverá ser eleita presidente, uma vez que temos duas candidatas como favoritas para a disputa. Ambas montaram grandes coligações e devem disputar a preferência dos eleitores. Ainda que exista uma diferença na defesa das pautas, o consenso sobre a alta criminalidade, o combate ao narcotráfico e as delicadas questões do sobre imigração para os Estados Unidos parecem unir ambas.


A Venezuela é um caso à parte, uma auto proclamada democracia, mas que já deixou de ser há algum tempo, terá eleições para presidente. Nicolás Maduro praticamente é candidato único, uma vez que seu regime persegue e impede - de diversas formas - as oposições de participarem do pleito. A última tentativa foi de Juan Guaidó que não chegou perto de assumir o cargo, ainda que muitas agências observadoras afirmasse que, caso as eleições não tivessem sido fraudadas, o mesmo teria sido eleito. Um ponto preocupante são as recentes declarações e intenções públicas de Maduro retomar o plano de anexação da província de Essequibo, hoje território da Guiana, alvo de disputas no século XIX.


Taiwan poderá ser a gota d’água para uma intervenção?


A ilha dissidente do regime comunista chinês sempre foi alvo de muita pressão, tanto interna, quanto de Pequim por um lado e dos Estados Unidos por outro. Inúmeros episódios de escalada bélica já aconteceram, mas a China sempre conseguiu manter, em alguma medida, o controle político em Taiwan. Porém as eleições deste ano podem não somente mudar o rumo da ilha, como ser o motivo que faltava para intervenções mais sérias.


Com três candidatos, sendo o favorito defensor da total independência política e democrática de Taiwan, a China já se pronunciou alertando para, caso os eleitores escolherem esse caminho - que mostram as tendências - isso poderia significar a “escolha pela guerra”.


Para onde vai a União Europeia?


Teremos eleições para escolha de representantes dos Estados dentro do parlamentos europeu, em um momento decisivo para o bloco regional, que precisa compreender quais rumos deve tomar: ampliar internamente nas questões comerciais, focar em novos acordos, ser mais flexível em ações unilaterais, fomentar a entrada de mais países, lidar com as questões da previdência e da imigrção…


Será a primeira eleição para o parlamento da UE desde a saída do Reino Unido, e apesar de existirem tais preocupações, o avanço da direita pode levar os partido conservadores a se tornarem o terceiro maior grupo parlamentar, levando pautas contrárias a evolução do bloco e que dificultariam a resolução de problemas internos, tais como: mais ajuda a Ucrânia  sanções a Rússia, revisar e provavelmente dificultar o diálogo diplomático com a China, retrocessos climáticos e restrições a imigração.


Ainda é importante lembrarmos que essa direita europeia pode e deverá influenciar uma ascensão ainda mais forte na França e na Alemanha, e juntamente a isso teremos eleições em Portugal, onde o primeiro ministro foi forçado a sair, depois de 8 anos no cargo, por investigações de corrupção e que podem levar a extrema direita do partido Chega ao poder.


As eleições no Reino Unido, que devem acontecer no final desse ano ou início do próximo, podem ser o fator diferente nesse cenário europeu, onde pela primeira vez em 14 anos o partido conservador pode perder as eleições e deixar o governo para  volta do partido Trabalhista.


É fundamental compreendermos que o mundo vive um momento político de inquietação social e principalmente dúvidas quanto à eficácia das ideias moderadas, de esquerda e progressistas. Claro que isso se deve a um conjunto de fatores, como a apropriação do discurso, a propagação via redes sociais, o uso criminoso de notícias falsas para se moldar a narrativa, mas também é crucial refletirmos sobre os últimos 30, 35 anos. As escolhas feitas pela defesa de uma política institucional moderada e que busca a social democracia com receios de realizar grandes mudanças no status quo têm gerado resultados sociais para quem de fato precisa? Ou a vibrante tensão revolucionária de esquerda ficou somente na revolução francesa em 1789? Me parece que os moderados, progressistas de esquerda e o modelo de social democracia governados até hoje, por medo de saírem do poder ou por gosto pelo mesmo, evitaram mexer em grandes “vespeiros”, fazerem grandes transformações, principalmente políticas, assim como pararam no tempo na comunicação e no contato com a sociedade. O ano de 2024 poderá ser o início de uma nova onda política global conservadora e de extrema direita, e isso não é necessariamente bom, mas extremamente preocupante.



Bernardo Monteiro, é graduado em Relações Internacionais pela UNESA e também pós graduado (MBA) em Relações Internacionais pela FGV-RJ; autor do livro: Para uma Estabilidade Democrática, possui formação como analista político internacional; atua como escritor, analista político, pesquisador e divulgador científico sobre: política brasileira, história da democracia, democracias ocidentais e sociopolítica;

foi pesquisador associado de Cenários Prospectivos do Laboratório de Simulações e Cenários da Escola de Guerra Naval da Marinha do Brasil (LSC-EGN/MB); foi professor convidado para a disciplina Análise de Política Internacional para a graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional da UFRJ; foi professor de Análise de Política Externa para o I Congresso de Relações Internacionais (I CONRI); foi palestrante e professor sobre política brasileira, análise política, geopolítica, democracias e cenários prospectivos.



Referências Bibliográficas:









Podcast “O assunto, Ep: O caminho aberto para Trump na eleição americana”


Podcast “O assunto, Ep:Trump x Biden (de novo) na eleição dos EUA”


Podcast “Ao Ponto, Ep. Os desafios dos governos de esquerda eleitos na América Latina”


Podcast “Ao Ponto, Ep. A Fraqueza das Democracias na América Latina”

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