As implicações geopolíticas da China na África Subsaariana
- CERES
- há 2 dias
- 4 min de leitura
Luis Augusto M. Rutledge
Geopolítica Energética
A crise do desenvolvimento há décadas assombra a África. O recente posicionamento do governo Trump, com o fechamento de uma agência dos EUA que investiu bilhões em infraestrutura africana, deixou grande interrogação quanto ao futuro dos projetos norte-americanos em andamento em diversos países do continente.
Entretanto, Washington ao se posicionar com interesse limitado no continente, em especial, na África Subsaariana, está na verdade evitando uma disputa geopolítica já perdida. Nas últimas duas décadas, a China tornou-se o maior parceiro comercial bilateral da África Subsaariana.
China passou os últimos 20 anos aumentando sua influência nas nações africanas. Financiou projetos de infraestrutura em todo o continente e expandiu seu poder em diversos setores. O financiamento chinês para o desenvolvimento na África Subsaariana tem foco, no reforço da resiliência da cadeia de suprimentos de Pequim e da força marítima de dois portos. Embora isso possa aumentar as tensões geopolíticas ou conduzir a expansão territorial, as complicações permanecem em torno da execução de tal estratégia.
São vários os objetivos chineses na África Subsaariana. Fortemente conectada politicamente à transição energética, muito embora ainda extremamente depende de gás natural, Pequim busca reforçar sua cadeia de suprimentos. A China depende fortemente de matérias-primas africanas - petróleo, cobre, cobalto e minerais raros – e ao investir em infraestrutura de ferrovias, rodovias e, principalmente, portos, os chineses buscam garantir o fluxo contínuo de recursos com menos interferência de potências ocidentais. Esta visão estratégica diminuiu a vulnerabilidade da China nos últimos anos a choques externos que afetem diretamente as rotas tradicionais da cadeia de suprimentos.
No comércio exterior, a China também está garantindo que uma quantidade significativa de sua construção portuária esteja projetada para trabalhar na forma de porto duplo, podendo atender seu mercado exportador, mas também para uso militar em situações de riscos geopolíticos. Além disso, Pequim está dobrando suas iniciativas de soft power na África como parte da estratégia para explorar mercados emergentes, moldar normas de governança global e expandir sua influência.
De uma perspectiva puramente econômica, a África é um mercado potencialmente lucrativo para a China. Com seu mercado mal atendido e população em expansão, o escopo de expansão para a África oferece um enorme potencial para as empresas chinesas. É inegável que os laços econômicos da China com a África cresceram significativamente desde o início dos anos 2000. A China é o principal destino de exportação para a maioria dos países do continente africano e, desde 2013, a China se tornou o maior provedor bilateral de investimento estrangeiro direto (IED) para a África. Porém, o aprofundamento das conexões econômicas da China e os fluxos de investimento para a África têm sido objeto de discussão sobre sua composição, intenção e as compensações percebidas de benefícios para riscos com potenciais implicações de longo prazo para o desenvolvimento industrial local do continente, atualização e transformação econômica sustentável.
Segundo o Fórum Econômico Mundial, daqui a alguns anos, o setor privado da China, e não suas empresas estatais, provavelmente liderará o comércio e o investimento na África. Das 3.000 empresas chinesas que investem na África, mais de 70% são empresas do setor privado. A Área de Livre Comércio Continental Africana provavelmente acelerará essa tendência, promovendo o crescimento das cadeias de valor regionais, oferecendo às empresas chinesas acesso a um mercado africano unificado maior.
No contexto da transição energética, vale a pena notar que as preocupações ocidentais com a forte influência chinesa na África não se resumem apenas às questões geopolíticas. Os líderes ocidentais estão monitorando se os pesados investimentos chineses podem atrasar ou até impedir a transição para geração limpa de energia na África.
Apesar de os países africanos com regulamentações ambientais mais fortes tenderem a ver aumentos menores nas emissões de IED chinês, a falta de aplicação efetiva da regulamentação ambiental ou a presença de instituições reguladoras fracas de forma mais ampla em todo o continente africano prejudicam o monitoramento das questões ambientais.
No momento atual, os países africanos devem equilibrar crescimento com sustentabilidade. O investimento chinês tem sido um dos principais impulsionadores do crescimento econômico e da industrialização em todo o continente. O aumento associado nas emissões industriais de carbono pode prejudicar as metas climáticas globais e expor os países africanos a riscos econômicos futuros à medida que o mundo faz a transição para uma economia de baixo carbono.
Para enfrentar esses desafios, é necessária uma abordagem multifacetada. Primeiro, os governos africanos devem priorizar o desenvolvimento e a aplicação de padrões ambientais robustos para garantir que os investimentos estrangeiros estejam alinhados com as metas de sustentabilidade. O reforço da regulamentação ambiental será crucial para atenuar os impactos adversos das atividades industriais.
Em segundo lugar, incentivar o investimento em indústrias inovadoras e de alta tecnologia pode ajudar os países africanos a avançar para caminhos de desenvolvimento mais sustentáveis. A concentração em setores com utilização intensiva de conhecimentos poderia incluir a concessão de incentivos fiscais para investimentos ecológicos em indústrias inovadoras e de baixas emissões, promovendo assim um crescimento económico mais sustentável.
Em terceiro lugar, facilitar a transferência de tecnologias limpas e melhores práticas de empresas chinesas para empresas africanas locais pode ajudar a construir capacidade doméstica para atividades industriais de baixo carbono. A promoção da transferência de tecnologia será essencial para dotar as indústrias locais dos instrumentos necessários para o desenvolvimento industrial sustentável.
A maioria dos bens que a China importa da África são recursos naturais. Muitos desses recursos têm relevância estratégica, por exemplo, na fabricação de baterias. Em troca, as empresas chinesas exportam uma ampla gama de produtos para a África, incluindo produtos manufaturados, máquinas industriais e agrícolas e veículos.
Concluindo, a China busca cada vez mais consolidar seus interesses políticos e econômicos através de acordos comerciais com o continente africano. Com os líderes ocidentais prestando pouca atenção à África, a China não precisa tensionar sua diplomacia para aumentar sua influência.

Luis Augusto Medeiros Rutledge é Engenheiro de Petróleo e Analista de Geopolítica Energética. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC. Atua como pesquisador da UFRJ, Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior – FUNCEX, Colunista do site Mente Mundo Relações Internacionais e autor de inúmeros artigos publicados sobre o setor energético.
Commenti