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Classe C: do “Rolezinho ao reacionarismo”

Atualizado: 26 de set. de 2023

Durante os governos petistas no Brasil, foi inegável o crescimento econômico que elevou o país à sexta colocação entre as maiores economias do mundo, juntamente ao programa de redistribuição de renda, que auxiliou na emergência das classes sociais mais baixas e vulneráveis. Embora o cenário pareça resultar num saldo positivo para a sociedade brasileira, que viu seu poder de compra aumentar e ao mesmo tempo assistiu o Brasil participar de discussões em grupos e eventos internacionais de economia como um ator participativo e importante, os últimos anos mostraram, na verdade, um resultado bem diferente daquele que parecia ter se consolidado na década passada.


Nesse período de bonança que abarcou o país inteiro, não somente devido ao boom das commodities e por um momento favorável no sistema internacional para os países emergentes, mas pela capacidade do governo em promover políticas econômicas e socias bem-sucedidas, a chamada classe c, passou a frequentar lugares, antes inacessíveis. Essas políticas, responsáveis pela inserção das pessoas mais pobres dentro da cultura do consumo, ajudaram a elevar o padrão de vida e de bem-estar dessa parcela considerável da população brasileira deixando-os com a ideia de que poderiam e deveriam exigir cada vez mais espaço.


A realidade, é que, a inclusão através do consumo, ou seja, garantir o sentimento de pertencimento a um grupo ou o reconhecimento daquele indivíduo como cidadão, se dá, pelo consumo de bens materiais, levou um resultado diferente do ideal. Essa lógica ajudou e muito a boa avaliação dos dois períodos do governo Lula, e até mesmo do primeiro governo Dilma, porém, criou-se também, a ideia deturpada de que a cidadania está atrelada ao consumo de bens caros ou de luxo.


Não por acaso, durante os anos de 2010, jovens do país inteiro passaram a organizar através das redes sociais os chamados “rolezinhos”, que nada mais eram do que encontros de adolescentes em shoppings centers para namorar, conversar e se divertir. Ainda que o objetivo fosse o simples direito ao laser em espaços como o shopping, já que, nas regiões periféricas as áreas de cultura, laser e esporte são inexistentes, os donos desses estabelecimentos, a mídia e principalmente a classe média, interpretou a situação como algo perigoso comparável a tumulto e arruaça.



Além desses jovens estarem ocupando um local, que de acordo com os contextos sociais anteriores, não seriam possíveis e nem prováveis de ocupar, o sentimento desses adolescentes se pautava no reconhecimento de que eles também poderiam e iriam frequentar espaços como aquele. Esse comportamento pode ser explicado por um conceito econômico – demanda reprimida – que faz um contingente expressivo de pessoas buscarem por um bem específico, só que nesse caso, a busca se baseava em comprar itens e tornar-se cliente de lojas que antes eram frequentadas por classes mais abastadas.


Não se trata somente de vontade ou desejo de comprar, que em grande parte foi atiçado pelas próprias propagandas e valores da sociedade capitalista e consumista do nosso tempo, mas do reconhecimento, como comentado anteriormente, desses indivíduos como “gente”, ou seja, como cidadão. Dessa forma, consumindo bens, frequentando lugares e se comportando na medida do possível “igual” a classe média, esses jovens periféricos imaginavam que seriam tratados, ou melhor, respeitados tal como um jovem da classe média é tratado no Brasil.


Em grande medida, a ideia que permeava a cabeça desses adolescentes, mesmo que subjetivamente, não era somente de ser um “igual”, mas talvez de se colocar como “melhor”. Um exemplo, são as diversas letras dos funks ostentação, produzidos na mesma época que os rolezinhos estouraram, e contribuem para a análise de que houve uma distorção dos valores que devem ser reivindicados para alcançar o status de cidadão.


Não por acaso, as letas de boa parte dessa vertente do funk que por muito tempo se perpetuou como a mais popular entre os jovens e em meio ao público que consume o estilo musical, possuem um apelo ao consumismo como forma de auto realização. Em diversas frases não é difícil identificar a exaltação de marcas de roupas caras, famosas por serem de grife, tênis reconhecidos pelo seu alto valor, carros luxuosos e claro bebidas que são consumidas nas casas noturnas de áreas nobres das grandes cidades brasileiras.


Todos esses itens citados frequentemente pelos Mc´s que compunham grandes hits naquela época, tornaram-se a expressão de quando se alcança a vida desejada, a vida sonhada e em última instancia a vida digna. De primeiro momento, pode parecer somente uma questão de consumismo puro e simples, acompanhado da visão deturpada de cidadania, mas não deve-se desconsiderar o fato de que, muitos desses cantores que enriqueceram cantando melodias do funk ostentação, em sua grande maioria, tinham como objetivo ajudar a família, mas principalmente, oferecer uma qualidade de vida melhor à mãe através da compra da casa própria.


Nesse sentido, expondo em suas músicas quais marcas de roupa, bebidas, modelos de carro e até mesmo joias chamativas deveriam ser adquiridas, o objetivo do jovem da classe c, passa a ser “ter para ser”, ou seja, fazer parte do mercado de consumidor de forma ativa para ser reconhecido socialmente como digno, já que, além de comprarem os mesmo itens que a classe média também compra, ainda conseguem ver na sua história um exemplo de superação e um exemplo a ser seguido, elevando o padrão de vida próprio e de sua família. É justamente nesse ponto que a classe c se diferenciará da classe média, pois, mesmo que consuma os mesmos produtos a trajetória de uma pessoa periférica que alcançou outros patamares econômicos, terá obrigatoriamente uma ideia de meritocracia e conquistas por caminhos árduos.


No entanto, a classe média tradicional brasileira se viu ameaçada frente a essa nova realidade que se construía diante de seus olhos, o que gerou diversas reações para tentar coibir os movimentos espontâneos como o já citado, rolezinho. Mais do que a tentativa de medidas concretas como ganhar liminar na justiça que permita a “segregação” entre o público que poderá ou não frequentar o local, a mídia tradicional, foi responsável pela produção de matérias e colunas de opinião que expressam bem qual o sentimento recalcado da classe média em relação ao crescimento econômico das classes mais baixas.


Um grande exemplo desse momento, foram os comentários feitos pela então jornalista, Danuza Leão, que numa de suas colunas de opinião afirmava que viajar à Paris ou Nova Iorque havia perdido a graça, pois, existia a possibilidade de encontrar seu porteiro durante a viagem. E claro, sem muito esforço é possível resgatar frases que ficaram famosas nesse contexto, como “o aeroporto está virando uma rodoviária”, expressão que é fruto da maior circulação de pessoas com rendas menores dentro dos aeroportos para viagens nacionais com destino à terra natal para visitar a família ou até mesmo internacionais a passeio.


A realidade, é que, frases como as descritas acima, são oriundas do sentimento da perda de exclusividade que a classe média experimentou durante esse período. Pois, se antes comprar determinados itens de marcas caras e luxuosas, frequentar shoppings centers e casas noturnas em áreas nobres estavam restritas somente a classe média, com a melhora na renda da população atrelado a ideia de cidadania através do consumo esse comportamento não era mais exclusivo, ele passa a ser interpretado e executado como um direito.


Embora a classe c estivesse experimentado nesse contexto sua elevação no poder de compra, pouco tempo depois, acostumados a conseguir comprar itens básicos e até itens fúteis, principalmente os mais jovens, essa realidade não era mais suficiente, passou-se a exigir mais e mais “direitos” e espaço. Há também, a raiva crescente da velha classe média, que aos poucos via sua exclusividade se diluindo a cada vez que o padrão consumista da classe c se elevava, o que resultou num conflito entre ambos os setores econômicos e sociais do país.


Coincidentemente, no momento em que o Brasil entra num período de recessão econômica, o governo federal, mais especificamente a ex-presidente Dilma, na época ex-presidente Lula e o Partido dos Trabalhadores, viraram alvo e os principais atores “culpados” pelos recém descobertos esquemas de corrupção. A Lava-jato, operação iniciada em Curitiba, pela Polícia Federal, foi responsável por expor a relação antiga e promiscua de agentes do Estado com empresas privadas, com maior enfoque nas empreiteiras brasileiras e estatais como a Petrobrás.


Nesse contexto de enormes descobertas de desvio de dinheiro público, de estagnação do crescimento econômico do pais e de crise social que espalhava manifestações pelo Brasil inteiro, como no caso do ocorrido em São Paulo sobre o aumento das passagens, gerando um sentimento de revolta coletivo, que se expressou nas ruas pedindo o fim ou início de diversas pautas que iam desde melhores serviços públicos até peidos de impeachment, foi o momento da classe c pedir “mais”. O pedir mais, acabou tornando-se contrário ao governo que em grande medida havia sido responsável por aquela nova realidade que se formava, que no entanto, se mostrava em declínio.


A classe média, se junta em boa parte dessas manifestações, que antes eram caracterizadas pela sua espontaneidade e por causas diversas, para agora criarem uma nova roupagem, trazendo a pauta principal de anticorrupção, exaltando a operação Lava-jato e os atores que se destacavam, como o ex-juiz, Sérgio Moro. Pode-se dizer que, a classe c, que havia experimentado a sensação de “cidadania”, não queria voltar ao status de invisíveis diante à sociedade, lançando-se então como apoiadores à causa anticorrupção e reacionária colocada por boa parte da classe média.


Dado o impedimento à ex-presidente Dilma, os protestos ao redor do país e o crescente ódio à política e todos os direitos e espaços recém-conquistados pelas minorias representativas, a sociedade brasileira viu se desfazer a falsa ideia de cidadania através do consumo. Sendo assim, a mesma parcela ou uma parte considerável da mesma, que havia ganhado maior poder de compra e bem-estar num período de governo específico, agora rechaçava os responsáveis por essa conquista “cidadã”, ainda que deturpada, pois, o reacionarismo que tomou o lugar da esperança e reivindicação de condições ainda melhores, foi a consequência da tentativa de introduzir os direitos sociais via consumo e não através de políticas públicas verdadeiramente mais sólidas e robustas.



Bruna Dutra Ribas

Formada em Relações Internacionais pela FMU (Faculdades Metropolitanas Unidas), local que lhe proporcionou desenvolvimento pessoal e profissional. Durante a graduação pode participar de diversas atividades acadêmicas como o MUMFMU, RI Ponta da língua, monitora voluntária em Política Externa e um Intercâmbio na Polônia para estudar sobre multiculturalismo e UE. Ademais, cursou dois semestres em Políticas Públicas na Universidade Federal Fluminense, porém, interrompeu os estudos para se dedicar ao cargo de trabalho atual como Analista de Operações LATAM.

Por fim, anteriormente havia realizado diversos voluntariados, entre eles, exercendo a função de redatora e revisora acerca de temas relacionados a conjuntura internacional.


BRADINI, Valéria. O Consumo como Inclusão/Exclusão Social: A Dimensão Política da Circulação de bens no Brasil. Seminário de integração étnico-racial, 2015. Disponível em<https://ojs.eniac.com.br/index.php/Anais_Sem_Int_Etn_Racial/article/view/248/277>

RIBEIRO, Renato. A inclusão social pelo consumo. Observatório da imprensa, 2014. Disponível em<https://www.observatoriodaimprensa.com.br/jornal-de-debates/_ed783_a_inclusao_social_pelo_consumo/

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