Geopolítica, um impedimento para avanços da transição energética
- CERES

- 20 de nov.
- 5 min de leitura
Luis Augusto Medeiros Rutledge
Geopolítica Energética
No ano em que o Acordo de Paris completa 10 anos e se realiza a COP30, inúmeras dificuldades na aplicação de políticas energéticas limpas escancaram que não é possível alcançar a neutralidade de carbono nas próximas décadas e, que de fato, não há transição energética em curso, mas há uma adição contínua de energia de fontes variadas.
A dissonância entre a transição energética e infraestrutura desatualizadas, desigualdade de investimentos e forte dependência de fontes fósseis são barreiras para alcançar, num curto prazo, um sistema energético global sustentável. Destacamos algumas limitações à sustentabilidade.
Uma das principais limitações se encontram em países em desenvolvimento, onde as infraestruturas de energia são há décadas projetadas para combustíveis fósseis e a necessidade de produzir petróleo e gás para se desenvolver é cada vez maior.
O melhor exemplo entre o hiato entre abraçar a energia renovável e renunciar à exploração de reservas de petróleo potencialmente lucrativos é o continente africano. Enquanto China, Estados Unidos e Brasil lideram em inovação tecnológica e investimentos para energias limpas, os países africanos mantêm investimentos contínuos na produção e exploração de combustíveis fósseis. Essa disparidade reduz o impacto global na luta contra as mudanças climáticas e perpetua uma transição energética desigual.
A expansão da produção de combustíveis fósseis na África, muito impulsionada por petroleiras ocidentais, se traduz em desenvolvimento econômico e maior acesso à energia. Atualmente, a África é responsável por mais de três quartos do déficit global de acesso à energia. Quase metade da população do continente, não têm acesso à eletricidade. Apesar da alta e crescente demanda local por energia, a maior parte do investimento em petróleo e gás na África vem de fora do continente, em grande parte impulsionado pela necessidade europeia por sua própria segurança energética.
De acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE), a população da África está crescendo a um ritmo duas vezes superior ao da média global e, como consequência, estima-se que a demanda de energia aumente em mais de 50% até 2040 sob as políticas atuais. Apesar disso, cerca de 600 milhões de africanos ainda vivem sem acesso à eletricidade, enquanto milhões de outros enfrentam interrupções frequentes no fornecimento de energia.
Outro ponto limitante é a equação entre demanda e oferta energética. Quando adotamos políticas públicas de mudança climática e implantamos maior inserção de energia solar, eólica e de biocombustíveis, visamos diminuir a presença gradual do carvão, gás e petróleo, uma substituição batizada de transição energética. Entretanto, o aumento maciço da demanda de energia significa que precisamos de todas as fontes disponíveis, impedindo o imediato recuo das fontes tradicionais. De certo, diversos indicativos apontam que a produção global de energia renovável mais do que dobrará até 2040 e, em particular, no continente europeu.
Entretanto, o gás natural liquefeito (GNL) crescerá 50% através do uso cada vez maior de plantas de regaseificação. Outro fator interessante é que o petróleo ultrapassou o carvão como principal fonte de energia mundial na década de 1960. Atualmente, o mundo utiliza três vezes mais carvão do que naquela época, o que evidencia que todas as fontes de energia estão se tornando cada vez mais necessárias para atender à crescente demanda global. Não uma transição e sim uma adição de energia devido aos recursos contínuos.
Importante notar que a transição para sistemas de energia limpa tem um grande impacto nas cadeias de valor globais, nas estratégias geoeconômicas dos principais players e na engrenagem uma economia sólida e global atrelada ao petróleo.
Não menos importante, as relações internacionais podem limitar ou acelerar a transição sustentável. Ao longo dos últimos anos, incluindo a COP30 deste fim de ano, as discussões sobre a transição energética envolveram mais geopolítica e geoeconomia, ao invés de pesquisa e tecnologia.
A competição geoeconômica da transição energética entre países e blocos econômicos buscam liderança em tecnologias limpas que proporcionem vantagens estratégicas, empregos e influência global. Em paralelo, a cooperação internacional se torna extremamente necessária, pois sem acordos multilaterais, transferência de tecnologia e financiamento climático, muitos países em desenvolvimento ficam à margem de uma inserção energética e permanecem atrelados à influência das fontes fósseis e de países produtores.
Hoje, estamos na transição intermediária para a energia limpa e que poderá durar décadas. O sistema de energias limpa e fóssil são grandes o suficiente para atender a demanda global, mas não grandes o suficiente para lidar separadamente com as próximas décadas de crescimento populacional, desenvolvimento e, claro, maior demanda energética. Nesse caso, muito provavelmente, a energia continuará com papel relevante sobre o qual as relações internacionais serão construídas.
A energia constitui o alicerce fundamental sobre o qual se estruturam as relações internacionais contemporâneas. Mais do que uma simples mercadoria negociada nos mercados, a energia impulsiona as economias, viabiliza os fluxos de transporte e sustenta o desenvolvimento em escala global. Seu papel vai muito além da dimensão econômica, entrelaçando-se de forma profunda com a segurança nacional, a estabilidade macroeconômica e a projeção de influência diplomática.
A transição energética tem promovido uma profunda reestruturação das relações internacionais, na medida em que incorpora novas commodities que se tornarão determinantes nas negociações diplomáticas e nos arranjos de cooperação interestatal.
A realização da COP-30 ofereceu um espaço privilegiado para a articulação de compromissos políticos em torno da sustentabilidade; entretanto, profundas desigualdades de ordem social, econômica e geopolítica seguem comprometendo a fluidez e a eficácia do processo de transição energética.
O movimento global em direção a matrizes energéticas sustentáveis tem introduzido pontos significativos de divergência entre as nações. Países desenvolvidos, frequentemente dotados de maior capacidade financeira e tecnológica, tendem a adotar metas ambiciosas de descarbonização, apoiadas na rápida expansão das energias renováveis, no uso da energia nuclear ou na implementação de tecnologias de captura e armazenamento de carbono. Já as nações em desenvolvimento, a exemplo de diversos países africanos, tendem a priorizar o crescimento econômico e a redução da pobreza, preservando, no curto prazo, certa dependência de combustíveis fósseis mais acessíveis e percebendo a transição energética tanto como um possível fardo quanto como um potencial vetor de novas formas de dependência.
A convergência entre os entendimentos geopolíticos e as dinâmicas da transição energética assumirá papel estratégico na consolidação de um modelo global de desenvolvimento sustentável.
Por fim, a situação é ainda mais preocupante quando a disputa pela definição do país anfitrião da COP-31, prevista para 2026, já se encontra fortemente atravessada por considerações de natureza geopolítica.
Geopolítica e energia, uma relação de poder.

Luis Augusto Medeiros Rutledge é Engenheiro de Petróleo e Analista de Geopolítica Energética. Possui MBA Executivo em Economia do Petróleo e Gás pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Pós-graduado em Relações Internacionais e Diplomacia pelo IBMEC. Atua como pesquisador da UFRJ, Membro Consultor do Observatório do Mundo Islâmico de Portugal, Consultor da Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior – FUNCEX, Colunista do site Mente Mundo Relações Internacionais e autor de inúmeros artigos publicados sobre o setor energético.





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