A Fé como Ferramenta de poder: o que está por trás da fala de Trump sobre a Nigéria
- CERES

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Quando Donald Trump afirmou que a Nigéria vive um genocídio de cristãos e que o Pentágono deveria se preparar para uma intervenção militar, ele não fez apenas um apelo moral, fez política. Por trás do discurso religioso, há um cálculo eleitoral e uma leitura de poder global.
Trump fala a um público específico, sua base cristã, que o vê como um defensor dos valores cristãos em um mundo ameaçado pela secularização e pela violência religiosa. Ao se apresentar como o líder disposto a proteger cristãos perseguidos, ele reforça uma narrativa de ser o escolhido para restaurar a força moral e espiritual dos Estados Unidos. Mas essa retórica vai muito além da religião. A escolha da Nigéria como alvo do discurso não é aleatória. O país é uma das maiores potências africanas, possui vastos recursos naturais e, nos últimos anos, tem se aproximado de China e Rússia. Para Washington, isso representa uma perda de espaço estratégico em uma região que, até recentemente, orbitava em torno da influência ocidental.
Falar em “genocídio” permite a Trump vestir a bandeira da defesa humanitária, mas com objetivos que cheiram a geopolítica clássica. O moralismo religioso serve como cortina para justificar o retorno dos Estados Unidos à África, num momento em que potências rivais consolidam presença econômica e militar. É o velho jogo da influência global, agora envolto em linguagem religiosa.
O governo nigeriano, por sua vez, vê com desconfiança qualquer menção a intervenção externa. Ainda que o país enfrente tensões religiosas reais, com confrontos entre comunidades cristãs e muçulmanas, a narrativa de genocídio é questionada por organizações internacionais e por parte da própria sociedade civil nigeriana. Para muitos, trata-se de uma simplificação perigosa e, acima de tudo, conveniente demais para os interesses norte-americanos.
ONGs locais e estrangeiras alertam que discursos desse tipo inflamam divisões e dificultam o diálogo interno. Ao transformar um conflito complexo em cruzada religiosa, Trump alimenta a polarização e reduz a política externa a um palco de simbolismos.
Se os Estados Unidos realmente avançarem na ideia de uma ação militar, o impacto seria devastador. Um ataque em nome da fé reacenderia o antiamericanismo na África, fortaleceria a propaganda russa e chinesa contra o Ocidente e exporia, mais uma vez, o uso instrumental da religião como ferramenta de poder. No fim das contas, o que está em jogo não é a defesa dos cristãos, mas o retorno de uma lógica imperial revestida de piedade. E, como a história já mostrou, quando fé e política se confundem demais, o resultado raramente é a salvação.

João Pedro do Nascimento
Bacharel em Relações Internacionais, com pós-graduação em Políticas Públicas. Atua como editor-chefe de um site especializado em análises internacionais e tem experiência em tradução, mediação de negócios e cooperação internacional. Fluente em inglês e espanhol, já colaborou com empresas e organizações em contextos multilíngues e multiculturais
Referências
AL JAZEERA. “No Christian genocide in Nigeria” gov’t says after Trump’s threats. Al Jazeera. Disponível em: <https://www.aljazeera.com/news/2025/11/2/nigeria-welcomes-us-assistance-to-fight-terrorism-after-trumps-threats>.
OBASI, Nnamdi. Why is President Trump Threatening a Humanitarian Intervention in Nigeria? | International Crisis Group. Crisis Group. Disponível em: <https://www.crisisgroup.org/africa/nigeria-united-states/why-president-trump-threatening-humanitarian-intervention-nigeria>.
THE ECONOMIST. Donald Trump says he may strike Nigeria to save Christians. Really? The Economist. Disponível em: <https://www.economist.com/middle-east-and-africa/2025/11/06/donald-trump-says-he-may-strike-nigeria-to-save-christians-really>. Acesso em: 11 nov. 2025.
WINTER, Joseph. Trump tells military to plan for “action” over his claim that Nigeria allows killing of Christians. BBC News, 2025. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/articles/cev18jy21w7o>.





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