O Desgaste do Clima Social ao Longo dos Dois Mandatos de Emmanuel Macron (2017–2025)
- CERES

- há 2 dias
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Hoje está claro que poder do Presidente Macron não existe mais. A incapacidade que virou crónica em não conseguir manter um governo (8 primeiros-ministros em sete anos — quase 9, na verdade, já que o Sebastien Lecornu se demitiu e foi reconduzido, três em menos de ano), a perda nas urnas em várias eleições seguidas, sem falar das humilhações sucessivas no palco internacional, são exemplos concretos que seu poder está morto ou “zumbi”, somente sobrevivendo.Hoje está claro que poder do Presidente Macron não existe mais.
Sem querer voltar em todos os erros cometidos em seu mandato (somente citar o aumento da dívida francesa em 1 trilhão de euros), o objetivo deste artigo de apresentar as principais medidas consideradas “antissociais” (reformas trabalhistas, reforma previdenciária, planos de austeridade) que ele lançou nos seus dois mandatos e os textos ou práticas percebidos como repressivos (leis de segurança, medidas de estado de emergência sanitária, leis de imigração). Macro destruiu o tecido social francês em inúmeros aspetos, e o simples fato da INSEE (instituto nacional de estadísticas e dos estudos económicos) anunciar que 15.4% da população é considerada com pobre (9,8 milhões de habitantes).
Para poder entender essa situação vamos apresentar uma breve cronologia de medidas-chave que impactaram o clima social francês e deterioram as condições de vida de várias camada da população e como o uso da força se tornou imprescindível para ele se manter no poder.
Cronologia e medidas-chave
2017 — Reformas do código do trabalho pelo viés do uso de decretos
• Reforma do Código do Trabalho (decretos) com o objetivo de flexibilizar o mercado de trabalho; contestada pelos sindicatos e dando origem a fortes mobilizações a partir de 2017 – 2018.
Essa reforma permitiu uma desregulamentação das proteções coletivas (simplificação das demissões por motivos econômicos, limitação de certas indenizações em caso de processo trabalhista com a imposição de um teto máximo seja qual for o nível de condenação do empregador, enfraquecimento dos setores) e é considera de forma justa pelos sindicatos como favorecendo os empregadores em detrimento dos empregados.
2018–2020 — Movimentos sociais e respostas públicas
• Movimento dos “coletes amarelos” (2018–2019): forte polarização social, confrontos repetidos com as forças da ordem. Esse movimento denunciava o custo da vida, a subida dos preços dos combustíveis, desejo de uma fiscalidade mais justa e o abandono de territórios periféricos o do interior.
O movimento dos Coletes Amarelos ganhou força e foi tremendamente reprimido. Houve vários confrontos entre policiais e manifestantes, causando mais de 4.300 feridos (dos quais 1800 policiais). Nesses feridos uma contatação o uso desproporcional da força pela polícia com as armas LBD (pistolas disparando bolas de borracha) usada em tiros diretos na cabeça e que proporcionaram 23 caolhos. Cinco anos depois, nenhuma condenação foi proferida contra policiais apesar de vários vídeos circulando na Internet mostrando disparos voluntários e os feridos não são oficialmente reconhecidos como vítimas impedindo indenizações.
2020 — Estado de emergência sanitária e poderes excepcionais
• Lei de emergência sanitária (março de 2020) que confere ao governo amplos poderes para gerir a pandemia (restrições de circulação, encerramentos, sanções). Essas medidas foram consideradas como restritivas para as liberdades públicas, com implementação de controles reforçados sobre deslocamentos, sobre reuniões alimentando críticas sobre a proporcionalidade e a duração de certas restrições.
Essa lei junto com o Estado de emergência e os plenos poderes do Presidente acabar de vez com o movimento dos coletes amarelos e foi extremamente repressiva na sua implementação.
2020–2021 — Leis ditas de segurança e “separatismo”
• Lei relativa à “segurança global” (promulgada em 25 de maio de 2021): reforço dos poderes policiais, debate público sobre a captação e difusão de imagens das forças da ordem. Em decorrência dos abusos policiais cometidos nos protestos dos coletes amarelos hoje é proibido filmar sem autorização um policial intervindo durante um protesto. Essa lei permitiu chegar a esta extremo.
• Lei que “reforça o respeito pelos princípios da República” (frequentemente chamada de “lei do separatismo”, agosto de 2021): controle reforçado das associações, restrições e regulamentação de certas práticas religiosas e educativas, quase todas elas de religião muçulmana, acrescentando o estigma já existente em relação à segunda maior religião do país (5.4 milhões de pessoas, 8% da população, das quais somente 56% se dizem praticantes).
• Lei de reforço dos poderes policiais e a lei de “segurança global” com uma multiplicação de textos destinados a aumentar os instrumentos policiais (acesso a imagens de câmaras corporais, extensão das prerrogativas das polícias municipais, artigo controverso que regulamenta a divulgação de imagens de policiais). Estas medidas alimentaram a acusação de uma vontade de restringir a transparência sobre o uso da força policial em um momento em que circulavam imagens e provas de casos de abusos e mortes (Cédric Chouviat, Adama Traoré ou mais recentemente Nahel Merzouk em Nanterre e as revoltas urbanas que seguiram).
2023 — Reforma das aposentadorias e uso do artigo 49.3[1]
• Reforma que aumenta a idade de aposentadoria de 62 anos para 64 anos e alteração das condições de cálculo (40 anos de cotização obrigatórios para ter uma aposentadoria completa e cálculo feito nos últimos dez anos e não mais nos cinco melhores anos ao nível de salário); o governo utilizou o artigo 49.3 da Constituição para aprovar o texto sem votação plena no Parlamento, provocando uma onda de manifestações e confrontos com a polícia na primavera de 2023. Essa lei foi claramente percebida por grande parte da população como uma perda de direitos sociais, adquiridos, provocando uma intensa mobilização social (78% da população contra a lei, 93% dos trabalhadores ativos não eram favoráveis ao aumento da idade legal de aposentadoria para além dos 62 anos).
Além dessa lei houve uma utilização de todos os instrumentos constitucionais e administrativos para contornar o debate parlamentar. O recurso ao artigo 49.3 foi utilizado 23 vezes durante o governo Borne (entre 2022 e 2024) excluindo qualquer debate democrático e um fator de ilegitimidade aos olhos dos opositores.
2024 — Leis sobre imigração
• Projeto e aprovação de textos que visam endurecer as regras de asilo e imigração (janeiro de 2024): medidas criticadas por ONGs e atores sociais por representarem um retrocesso nos direitos dos migrantes e interpretados pelos observadores como violações dos direitos e liberdades dos migrantes
2025 — Austeridade, movimentos “Bloquons tout” (Vamos bloquear tudo) e movimentos de setembro 2025
• Propostas de cortes orçamentários significativos no orçamento de 2026 (verão de 2025), levando ao surgimento do movimento “Bloquons tout” em 10 de setembro de 2025 e a um dia nacional de greves e manifestações em 18 de setembro de 2025, com centenas de milhares de manifestantes e prisões.
Essa lei orçamentária se insere nos planos de austeridade e cortes orçamentais (propostas para 2024 – 2026) com os anúncios de reduções nas despesas públicas, congelamento de cargos na função pública e possíveis cortes nos serviços: explicados pelo executivo como necessários para a recuperação das finanças públicas, mas denunciados como antissociais por sindicatos e ONGs.(ex diminuição de 7 bilhões do orçamento da saúde, corte de 3000 vagas de professores, diminuição da pensão dos deficientes físicos).
As contestações desse orçamento levaram o Primeiro Ministro François Bayrou a submeter o seu governo a um voto de confiança pelo Parlamento que acabou sendo censurado e levando a queda do governo.
O atual Primeiro-ministro Sebastien Lecornu que já se demitiu uma vez, essas leis orçamentárias voltam na frente do palco e existe uma probabilidade muito forte do governo ser censurado nos próximos dias ou semanas, já que o governo quer por todo o peso da austeridade nas costas dos trabalhadores e não dos mais ricos (em seu último ranking das 500 maiores fortunas da França, a revista “Challenges” observou que o patrimônio global deles atingiu seu nível mais alto, chegando a 1,2 trilhão de euros, um aumento de 30% em apenas um ano).
Impacto no clima social
- Existe uma fragmentação crescente, a sucessão de reformas foram percebidas como favoráveis ao mundo dos negócios e as camadas mais ricas da população ou à austeridade. A justaposição de políticas de segurança e crises (crise sanitária, custo de vida) alimentaram a desconfiança e a uma “raiva” crescente em relação ao poder.
- Tem-se percebido uma radicalização pontual das mobilizações, as ruas são o local de expressão de descontentamento e multiplicação dos movimentos (Coletes Amarelos, greves de 2023, Bloquons tout 2025) o demonstram. Notamos a presença de confrontos localizados e recurso frequente a dispositivos policiais (gás lacrimogêneo, granadas, detenções sistemáticas).
- Uma perda de confiança nas instituições, o recurso a procedimentos excepcionais (49.3), o encadeamento de leis de segurança e a percepção de uma resposta policial forte contribuíram para uma deterioração da confiança de parte da população no executivo. Os resultados das eleições legislativas de 2024 que viram perder o partido do Macron e a vitória da Nova Frente Popular (esquerda unida) e o não reconhecimento desses resultados com a nomeação de um Primeiro-ministro totalmente minoritário no Parlamento.
Conclusão
Entre 2017 e setembro de 2025, o clima social na França ficou tenso devido a uma série de reformas econômicas e sociais, leis de segurança e respostas administrativas percebidas como restritivas. Os dias de mobilização, que culminaram em 18 de setembro de 2025, testemunham uma raiva social recorrente, uma desconfiança crescente em relação ao poder executivo e um espaço público profundamente polarizado. No contexto atual acreditamos que a contestação crescente junto com a crise política forte (ex primeiros-ministros de Macron apelam à demissão dele), levará a mais tensões, protestos e radicalização no uso da força.
[1] O artigo 49.3 da Constituição francesa permite ao governo aprovar um projeto de lei sem votação da Assembleia Nacional, a menos que uma moção de censura seja aprovada pela maioria absoluta dos deputados. Nesse caso, o texto é considerado aprovado e, se uma moção de censura for apresentada e aprovada, o governo deve renunciar. Esse procedimento é frequentemente utilizado, especialmente para textos orçamentários.

Marco Alves
Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Paris Oeste Nanterre, em Direito Internacional e Europeu pela Universidade Grenoble Alpes e em Relações e Negocios Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais de Paris(ILERI).
Atuou em 30 países, dos quais o Brasil onde trabalhou durante 10 anos, inclusive para o Governo do Estado de Pernambuco como especialista em desenvolvimento.
Trabalhou para ONGs no continente Africano como especialista em retomada econômica em zonas pós conflito.
Hoje é diretor de uma consultoria internacional especializada em ciências e engenharia social com intervenção no Burquina Faso, Costa do Marfim, Mali e Niger.
Correspondente para a França e a Europa para a radio CBN Recife.
Presidente da Assembleia do IFSRA (Institute for Social Research in Africa)
Empreendedor social, palestrante e mentor pela organização internacional Make Sense
Consultor em inteligência estratégica e gestão de riscos para o setor empresarial.





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