Golpes de Estado e narcotráfico na Guiné-Bissau: uma análise aprofundada da instabilidade política e de segurança (1974–2025)
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NOTA BENE: Este artigo não pretende dar respostas completas a este tema denso e complexo, mas procurará fornecer sequências e marcos cronológicos e factuais para que os leitores possam ter uma visão geral da questão. Por isso, a utilização de sequências em pontos é uma escolha deliberada do autor.
Há duas décadas, a Guiné-Bissau ocupa um lugar singular no espaço político e criminal da África Ocidental. Frequentemente apresentada como a “primeira narco-república africana”, ela constitui um laboratório extremo onde se entrecruzam fragilidade institucional, intervenções militares repetidas, ingerências estrangeiras, fraqueza econômica crônica e profunda penetração de redes criminosas transnacionais.
A instabilidade política que caracteriza este país — golpes de Estado, assassinatos políticos, motins, alternâncias caóticas — não pode ser compreendida sem levar em conta o enorme crescimento do narcotráfico desde o início dos anos 2000. A geografia costeira, o arquipélago de Bijagós, o fraco controle estatal e o envolvimento progressivo de parte da hierarquia militar local transformaram o país em uma plataforma logística fundamental para o tráfico de cocaína com destino à Europa, reforçada pela intervenção de atores latino-americanos e redes sahelianas.
Neste ensaio, vamos voltar ao recente golpe de Estado de novembro de 2025 e compreender as dinâmicas existentes entre essas intervenções militares e o desenvolvimento do narcotráfico neste território.
I) Golpe de Estado na Guiné-Bissau Novembro 2025 : fatos, origens, consequências
A) O que aconteceu
Em 26 de novembro de 2025, alguns dias após as eleições presidenciais e legislativas realizadas em 23 de novembro, um grupo de militares anunciou a tomada do poder, a prisão do presidente cessante Umaro Sissoco Embaló e a suspensão do processo eleitoral.
Logo após o anúncio, o exército fechou as fronteiras, fechou as instituições, decretou toque de recolher e assumiu o controle da mídia estatal.
O novo regime militar, apresentado como o “Alto Comando Militar para a restauração da ordem”, instalou um governo de transição, liderado pelo general Horta Inta-A, e nomeou um novo primeiro-ministro.
B) Origens e gatilhos: um contexto explosivo
Vários fatores parecem ter provocado este golpe ou, pelo menos, justificado a sua execução por parte de alguns militares:
Resultados eleitorais contestados : o golpe ocorre antes do anúncio oficial dos resultados, num contexto de forte tensão entre o presidente cessante e a oposição, com acusações mútuas de fraude.
Acusações de manipulação e fraude : o exército justificou sua intervenção alegando a descoberta de um “plano de desestabilização” com o objetivo de manipular os resultados, com a suposta participação de políticos e barões da droga.
Instabilidade política crônica : a Guiné-Bissau está acostumada a golpes de Estado e à interferência do exército na vida política há décadas, o que torna o recurso ao golpe quase rotineiro em crises eleitorais.
Presença de interesses criminosos : o país é frequentemente citado como um centro de tráfico de drogas, o que alimenta redes paralelas de corrupção e poder — um contexto propício para alianças entre grupos criminosos e facções militares.
C) Consequências imediatas e reações nacionais e internacionais
- Reações internacionais
· A União Africana (UA) suspendeu a Guiné-Bissau de suas instâncias a partir de 29 de novembro de 2025, reafirmando sua “tolerância zero” a qualquer mudança inconstitucional de governo.
· A CEDEAO (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental) também suspendeu o país de seus órgãos decisórios e mandatou uma missão de mediação de alto nível.
- A nível interno:
· Vários responsáveis políticos, magistrados e altos funcionários — e até mesmo opositores — teriam sido detidos arbitrariamente ou colocados em prisão preventiva.
· O exército impôs medidas de controle rigorosas: toque de recolher, proibição de manifestações, controle dos meios de comunicação, o que constitui um retorno ao autoritarismo.
· Os mercados, as atividades econômicas e as instituições públicas foram profundamente perturbados no imediato, o que pode agravar a crise socioeconômica em um país já frágil.
D) Desafios a médio prazo: incertezas e cenários
- Estabilização ou consolidação de um regime militar?
· O regime militar afirma querer restaurar a ordem, garantir a segurança e combater a fraude e até mesmo o narcotráfico.
· Mas tal regime também corre o risco de se transformar em um poder autoritário duradouro: supressão de liberdades, detenções arbitrárias, falta de transparência — o que poderia alimentar uma resistência interna ou internacional.
- Isolamento diplomático, sanções, perda de legitimidade
A União Africana (UA) e a CEDEAO, mas também potencialmente outros parceiros internacionais, correm o risco de interromper a cooperação normal com Bissau, e o país corre o risco de entrar em uma espiral de isolamento diplomático, econômico e institucional. Isso poderia comprometer a ajuda internacional, os investimentos e a segurança.
- Risco de instrumentalização das questões de segurança e narcotráfico
O pretexto da luta contra a fraude ou o narcotráfico pode servir de justificação para a instalação de um poder nas mãos dos militares.
Isso representa o risco de um duplo confinamento : controle político + controle criminoso, o que poderia perpetuar a corrupção, a impunidade e dificultar qualquer reforma real.
- Provável retorno à instabilidade
Se o regime não conseguir demonstrar avanços concretos (transparência, respeito pelos direitos, governança inclusiva), o ciclo de golpes de Estado poderá continuar: contestações, motins, rivalidades internas e questionamento do poder.
E) Uma virada frágil e preocupante
O golpe de Estado de novembro de 2025 na Guiné-Bissau é o resultado de uma longa história de fragilidade institucional, interferências militares, crise de legitimidade política e compromissos relacionados ao narcotráfico.
Ele abre uma nova era de incerteza :
O país pode cair numa ditadura militar consolidada
Ou passar por um período de transição real com o retorno ao poder civil, mas essa é hoje a opção menos provável, dada a força das redes de interesse.
Para a África Ocidental, é um sinal forte: o “modelo golpe + instabilidade” continua a prevalecer, mesmo que a região já esteja marcada por várias crises (como confirma a tentativa de golpe de Estado em Benin, em 6 de dezembro de 2025).
II) Histórico detalhado dos golpes de Estado e tentativas (1974–2023)
A) 1974–1980: independência e fragilidades estruturais
Quando conquistou a independência em 1974, a Guiné-Bissau herdou um sistema político-militar marcado por:
Um papel central desempenhado pelos combatentes do PAIGC,
Um exército fortemente politizado,
Um aparato administrativo praticamente inexistente,
Uma economia de subsistência fragilizada.
· Uma autonomia em relação ao poder civil,
· A existência de facções regionais (Balante majoritários nas forças armadas).
O assassinato de Amílcar Cabral, líder histórico do PAIGC, em 1973, priva o país do seu arquiteto político mais sólido. Desde o início, o Estado assenta num equilíbrio frágil entre civis e militares.
A partir de 1974, o exército não é um instrumento do Estado : ele é o Estado.
B) 1.2. 1980: o golpe de Estado fundador de Nino Vieira
Em 1980, João Bernardo “Nino” Vieira derruba o presidente Luis Cabral.
Essa ruptura marca uma virada:
O exército se torna o ator central e incontornável da governança
O golpe de Estado adquire uma legitimidade implícita como modo de transição e regulação política
As divisões étnico-regionais (Balante, Papel, Manjaco) cristalizam-se em torno das lealdades militares.
As redes militares desenvolvem fontes de financiamento paralelas
C) 1998–1999: guerra civil e derrubada de Vieira, tráfico de armas e nascimento da economia clandestina
A guerra civil eclode em 1998, quando um conflito interno opõe Vieira ao chefe do Estado-Maior Ansumane Mané, acusado de tráfico de armas para a Casamance (região do sudoeste do Senegal)
Consequências:
Colapso total das instituições e fragmentação militar
Intervenção da CEDEAO
Derrubada de Vieira em 1999
Aumento da militarização da economia
Primeiras ligações documentadas entre oficiais e redes criminosas
Este período, denominado “guerra dos generais”, inaugura um ciclo de rivalidades internas que marcará duradouramente o exército.
D) 2000–2009: assassinatos políticos, lutas internas e ascensão do narcotráfico
Os anos 2000 testemunham a ascensão das redes criminosas e um Estado já frágil torna-se vulnerável a manipulações externas.
Episódios significativos:
2003: golpe de Estado (conservador) contra Kumba Ialá.
Motivações:
Contestação interna no exército,
Medo de marginalização de certas facções,
Busca de controle sobre os circuitos informais.
2009: assassinato simultâneo de
Nino Vieira (presidente),
Tagme Na Wai (chefe do Estado-Maior).
Este duplo assassinato (raro na história política africana) marca um ponto sem retorno:
A hierarquia militar está totalmente fragmentada
Os doadores internacionais abandonam parcialmente o país
As redes criminosas encontram um terreno ainda mais favorável
Elementos essenciais para permitir uma análise da situação:
Não se trata de um golpe de Estado formal, mas de uma grande reestruturação da segurança
Eliminação simultânea do presidente e do chefe do Estado-Maior,
Operação quase militar conduzida por oficiais rivais.
Possibilidade mencionada em vários relatórios de purgas relacionadas à divisão dos lucros do narcotráfico.
Após esse evento, podem-se contabilizar duas outras tentativas nos dois anos seguintes
Ø 2010 : Revolta Militar. Não resultou em uma mudança de regime, mas foi uma revolta nas Forças Armadas.
Ø 2011 : Tentativa de Golpe de Estado (dezembro) sem sucesso.
E) 2012 : o golpe de Estado mais ligado ao narcotráfico, o “Golpe da Cocaína”
O golpe de 12 de abril de 2012, liderado pelo general António Indjai[1] , interrompeu o intervalo entre os dois turnos das eleições presidenciais. Carlos Gomes Júnior, favorito nas eleições e considerado reformista, foi preso.
Vários relatórios (UNODC, ICG, GI-TOC) concluem que:
Gomes Júnior foi preso porque ameaçava os interesses de certos oficiais,
Operações contra o narcotráfico estavam prestes a ser lançadas,
Alguns militares temiam ser extraditados para os Estados Unidos.
Havia oposição interna a um acordo militar com Angola (operação MISSANG);
Pressões sobre o exército para reformar a cadeia de comando.
Este golpe de Estado é provavelmente um dos episódios mais bem documentados por várias instituições e é por isso que se pode determinar que este golpe de Estado “preventivo” tinha como objetivo proteger os oficiais diretamente envolvidos no tráfico.
F) 2022 : tentativa de golpe de Estado contra Embaló
Em 1º de fevereiro de 2022, um grupo armado ataca o palácio do governo. Embaló afirma que a operação foi financiada por “atores ligados ao tráfico de drogas”.
Este ponto está de acordo com as tendências observadas:
Redução da margem de manobra das redes criminosas
Reformas parciais na vigilância das atividades marítimas e, portanto, operações de controle discretas
Reformas de segurança visando certas unidades
Renovação dos conflitos internos entre os ramos militares
Retorno agressivo do tráfico desde 2019
Em 2023, uma nova tentativa de golpe de Estado (novembro). O Presidente Umaro Sissoco Embaló dissolveu a Assembleia Nacional, acusando-a de envolvimento na alegada tentativa de golpe.
III) A Guiné-Bissau e o narcotráfico : génese de um centro transatlântico
A) Os Bijagos : um arquipélago feito para a clandestinidade
O arquipélago conta com mais de 80 ilhas dispersas, com :
· Uma fraca presença do Estado, portos sem vigilância,
· Áreas complexas e desabitadas,
Corredores marítimos ideais para entregas noturnas.
Os cartéis colombianos exploram esta geomorfologia desde 2003.
B) Por que razão os cartéis sul-americanos se instalam na Guiné-Bissau?
- Várias razões:
A ausência de radares marítimos,
A ausência de uma guarda costeira eficaz,
A total porosidade das fronteiras,
Elites dispostas a cooperar em troca de remuneração (lealdade militar a baixo custo)
A proximidade com as rotas para a Europa (Cabo Verde, Marrocos, Mauritânia, Sahel).
- Cartéis envolvidos (fontes OSINT consolidadas)
· Redes colombianas (ex-dissidentes das FARC);
· Grupos venezuelanos;
· Células brasileiras;
· Facilitadores guineenses, guineenses-bissauenses e senegaleses.
C) 2004–2008: primeira fase: instalação dos cartéis
Em setembro de 2006, a polícia da Guiné-Bissau, alertada pela INTERPOL, anunciou a apreensão de 674 kg de cocaína. A droga tinha sido transportada através de uma pista de aterragem militar. Vários oficiais guineenses estão envolvidos na proteção das cargas.
Após a apreensão, a droga foi transferida para um cofre do Tesouro Nacional, de acordo com declarações oficiais. Mas, alguns dias depois, os pacotes “desapareceram misteriosamente”.
Dois cidadãos colombianos detidos em conexão com essa carga acabaram por ser libertados sem acusação.
Esses eventos foram interpretados por muitos especialistas como um dos indícios da transformação progressiva da Guiné-Bissau no que eles chamam de “narco-república” — um Estado cujas elites (militares, políticas, judiciais...) estão profundamente envolvidas no tráfico (para mais detalhes, ver Anexos).
D) 2008–2015: estruturação das redes[2]
- A Guiné-Bissau torna-se:
Uma zona de armazenamento,
Um ponto de redistribuição,
Um centro de negociação entre cartéis latino-americanos, oficiais locais e intermediários regionais.
E) Após 2015: mudanças e adaptação[3]
- O tráfico torna-se mais discreto, utilizando :
Drones,
Barcos rápidos,
As interconexões sahelianas (Mali, Níger).
IV) Narcotráfico, exército e política: uma interligação sistêmica
A) O exército como centro de gravidade
- Desde 1980, o exército é:
O ator político dominante,
O vetor de estabilidade ou instabilidade,
A instituição mais suscetível de ser capturada pelo crime.
- O papel dos “barões militares”
Vários oficiais superiores foram designados para:
Operações de proteção,
Escolta de cargas,
Utilização de unidades militares para armazenamento,
Acordos de distribuição regional.
B) Por que alguns oficiais protegem o narcotráfico?
Escala do tráfico :
Estima-se que a quantidade de cocaína que transitava pelo país em certos períodos superava o Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Para as elites criminosas, o controle ou a influência sobre o poder político-militar tornou-se essencial para garantir a impunidade e a segurança de suas operações.
- O tráfico traz:
Financiamentos paralelos,
O financiamento de campanhas eleitorais
Capacidade de cooptação (pagar pela lealdade dentro do exército),
Influência interna,
Redes clientelistas
Recursos em caso de crise política
A corrupção nas alfândegas, na polícia e na justiça.
C) Os golpes de Estado como “ferramenta de proteção”
- O golpe de 2012 ilustra perfeitamente esse mecanismo:
Um presidente suspeito de querer reformar o exército, resultado
Os oficiais envolvidos no tráfico se organizam,
Um golpe preventivo ocorre,
As redes criminosas são preservadas.
Este modelo repete-se sob diferentes formas.
D) A cumplicidade das elites civis
Parte da classe política:
Beneficia do financiamento proveniente do tráfico,
Utiliza esses recursos para financiar campanhas e clientelismo,
Fecha os olhos às exações militares.
Ex : Casos da Cocaína (Operações Carapau e Navarra, 2019)
Em 2019, duas grandes apreensões de cocaína demonstraram a escala do tráfico e sua proteção política:
Operação | Data | Quantidade apreendida | Localização |
Carapau | Março de 2019 | 789 kg | Escondida no fundo falso de um caminhão que transportava peixe. |
Navarra | Setembro de 2019 | 1.869 kg | Escondida numa casa em Binhante e Caió. |
O Caso Seidi Bá ilustra a forma como o narcotráfico corrompe o sistema judicial :
· Líder: Braima Seidi Bá, empresário com ligações políticas e alegado líder da rede responsável pelas remessas da Operação Navarra e Carapau.
· A Sentença e a Absolvição Camuflada : Bá foi inicialmente condenado pelo Tribunal Regional a 16 anos de prisão. No entanto, a investigação denunciou que :
Bá não se apresentou para cumprir a sentença e circulava livremente em Bissau, alegadamente protegido por homens fardados e, segundo rumores, sob a proteção de Indjai.
Mais tarde, o Supremo Tribunal de Justiça guineense absolveu-o do crime de narcotráfico, uma decisão que foi vista por observadores internacionais como uma “absolvição camuflada” e uma prova da subversão judicial.
Vários reclusos condenados nas operações Carapau e Navarra foram “libertados” da prisão sob falsos pretextos médicos, sublinhando a impunidade dos elementos criminosos ligados à elite.
V) Consequências regionais e internacionais
A) Um elo importante do eixo Cocaína Sahel-Europa
O tráfico segue três grandes rotas:
Rota marítima: Bijagós → Cabo Verde → Europa
Rota costeira: Guiné – Serra Leoa – Senegal
Rota saheliana: Guiné-Bissau → Mali → Níger → Líbia → Europa
Esta última é a mais preocupante para a segurança regional.
B) Ligações indiretas com grupos armados no Sahel
A cocaína que transita pelo Mali ou pelo Níger permite:
Financiar a logística dos comboios,
Alimentar redes criminosas afiliadas a grupos armados.
Essa ligação não é sistemática, mas está documentada.
C) Interesses internacionais: Estados Unidos, UE, CEDEAO
A DEA realizou várias infiltrações no país.
A União Europeia lançou uma MSSR (reforma do setor de segurança).
A CEDEAO tenta estabilizar a governança.
Nenhum desses atores conseguiu desmantelar as redes de forma duradoura.
Conclusão
A Guiné-Bissau representa um caso clássico em que:
A fragilidade institucional alimenta o narcotráfico,
O narcotráfico alimenta os golpes de Estado,
os golpes de Estado protegem o narcotráfico,
E tudo isso impede a consolidação democrática.
Para sair desse ciclo, seria necessário:
Uma reforma profunda do exército,
Uma redução de sua politização,
Uma luta internacional coordenada,
Uma alternativa econômica credível para os atores locais,
A neutralização das redes criminosas transnacionais que operam nas Bijagós.
A Guiné-Bissau constitui um caso único de politização militar do narcotráfico, onde os golpes de Estado não são apenas rupturas políticas, mas mecanismos de gestão interna do narcotráfico. Por enquanto, os fatores de resiliência criminosa superam as capacidades estatais, mantendo a Guiné-Bissau em uma zona cinzenta duradoura.
O país continuará, durante a próxima década, a ser um ponto de vulnerabilidade estrutural para a África Ocidental, enquanto não for implementada uma reforma profunda do exército, das alfândegas e do litoral.
Anexos: Tabela cronológica completa das principais apreensões de drogas na Guiné-Bissau (2000–2025).
Ano | Quantidade | Tipo | Detalhes | Desfecho do processo | Contexto político-securitário |
2000–2003 | Pequenas quantidades (10–50 kg) | Cocaína | Interceptações pontuais, muitas vezes mal documentadas | Nenhum julgamento significativo | Período de recomposição pós-guerra civil; ascensão das redes criminosas. |
2004 | ≈ 200–250 kg (estimativa não confirmada) | Cocaína | Chegadas via Bijagos; primeiras menções a militares envolvidos | Nenhuma ação judicial | Início das ligações visíveis entre militares e traficantes colombianos. |
2005 | ≈ 300 kg (relatório não oficial) | Cocaína | Cargas transportadas por go-fast através do arquipélago | Desaparecido | Preparação logística da transição 2006–2007. |
Setembro de 2006 | 674 kg | Cocaína | Apreendida em uma casa perto de Bissau; operação relacionada à INTERPOL | A droga desaparece do cofre do Tesouro | Início do rótulo “narcoestado”; libertação dos suspeitos; suspeita de envolvimento de altos oficiais. |
2007 | 630 kg | Cocaína | Apreendida em uma caminhonete; envolvendo três oficiais | Droga desaparece; suspeitos libertados | Afirmação de uma rede militar protegida. |
2008 | 1,5 tonelada (estimativa; não apreendida oficialmente) | Cocaína | Relatórios indicam roubos noturnos em Bijagós | - | Menhà Mané e outros oficiais citados em relatórios da imprensa. |
2009 | 700 kg | Cocaína | Carga encontrada e transferida para instalações militares | Evaporada | Ano do duplo assassinato Vieira/Tagme Na Wai; lutas entre facções. |
2010 | 260 kg | Cocaína | Apreendida em Bijagos | Desconhecida | Investigação bloqueada por oficiais superiores. |
2011 | Várias pequenas apreensões (5–50 kg) | Cocaína | Rotas mais fragmentadas | - | Tentativa de reduzir a visibilidade antes das eleições. |
2012 | 500–800 kg (não apreendidos; fluxos estimados) | Cocaína | Dados pré-golpe de Estado | - | Golpe de Estado de 12 de abril de 2012 com o objetivo de proteger oficiais expostos; tentativas angolanas de reforma do setor de segurança. |
2013 | 8 toneladas (carregamento interceptado em Cabo Verde, proveniente da Guiné-Bissau) | Cocaína | Mega-carregamento apreendido pela MAOC-N e pelas autoridades cabo-verdianas | Julgamento em Cabo Verde | Prova internacional de que Bissau é um importante centro de distribuição. |
2014 | 500 kg (circulação estimada) | Cocaína | Apreensões mínimas a nível local | - | A DEA intensifica a sua atividade de inteligência. |
2017 | 1,3 toneladas (apreensões acumuladas na África Ocidental) | Cocaína | Rotas do Sahel | - | Aparente diminuição do tráfego marítimo direto. |
2018 | 789 kg | Cocaína | Apreensão conjunta internacional | Procedimento parcial | Tráfico mais discreto, mas presente. |
2019 | 1,9 toneladas | Cocaína | Grande apreensão em uma vila perto de Bissau | Prisão (raro) | Sob pressão internacional. |
2020 | 1,8 toneladas | Cocaína | Transporte marítimo; dez suspeitos detidos | Libertações rápidas | Indícios de corrupção persistente. |
2021 | 2 toneladas (estimadas) | Cocaína | Fluxo via go-fast e lanchas | - | Instabilidade política prevalecente. |
2022 | 1–1,5 toneladas (fluxos estimados) | Cocaína | Várias rotas | - | Tentativa de golpe de Estado contra Embaló: narcotráfico oficialmente apontado como causa. |
2023 | ≈ 1,3 tonelada | Cocaína | Operações costeiras | - | Reorganização interna militar. |
2024 | 2,4 toneladas | Cocaína | Avião proveniente da Venezuela; operação internacional conjunta | Procedimentos em andamento | Prova de um forte retorno dos cartéis. |
2025 | 1,5–2 toneladas (estimativa anual) | Cocaína | Chegadas regulares; métodos difusos | - | Golpe de Estado de 2025: acusações mútuas de manipulação político-narcotraficante. |

Marco Alves
Mestre em Ciências Políticas pela Universidade de Paris Oeste Nanterre, em Direito Internacional e Europeu pela Universidade Grenoble Alpes e em Relações e Negocios Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais de Paris(ILERI).
Atuou em 30 países, dos quais o Brasil onde trabalhou durante 10 anos, inclusive para o Governo do Estado de Pernambuco como especialista em desenvolvimento.
Trabalhou para ONGs no continente Africano como especialista em retomada econômica em zonas pós conflito.
Hoje é diretor de uma consultoria internacional especializada em ciências e engenharia social com intervenção no Burquina Faso, Costa do Marfim, Mali e Niger.
Correspondente para a França e a Europa para a radio CBN Recife.
Presidente da Assembleia do IFSRA (Institute for Social Research in Africa)
Empreendedor social, palestrante e mentor pela organização internacional Make Sense
Consultor em inteligência estratégica e gestão de riscos para o setor empresarial.
Bibliografia
- Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) — Relatório Mundial sobre Drogas (séries 2007–2024). Relatórios regionais do UNODC sobre as rotas de cocaína na África Ocidental
- Iniciativa Global contra o Crime Organizado Transnacional (GI-TOC) — Política da cocaína na África Ocidental: redes de proteção da Guiné-Bissau (2022)
Artigos sobre incidentes recentes, retomada do tráfico e dinâmica dos cartéis na Guiné-Bissau (2022–2025). Ex. “O que dois incidentes recentes revelam sobre a política da cocaína na Guiné-Bissau?
- ENACT / Índice de Crime Organizado (ACSS / ENACT África) — Perfil do país da Guiné-Bissau e resumo do Índice de Crime Organizado (relatórios de 2023–2025: mercados criminosos)
- International Crisis Group (ICG) — relatórios e CrisisWatch sobre a Guiné-Bissau (análises políticas e cronologias das crises).
- Departamento de Justiça dos EUA / Registro Federal — Lei Kingpin e designações (sanções direcionadas contra atores ligados ao narcotráfico na África Ocidental)
- Resumo de políticas da ISSAfrica — O fim da impunidade? Após os chefões, o que vem a seguir para a Guiné-Bissau? (2013).
- CETRI / análises regionais — estudos francófonos sobre «As consequências do narcotráfico num Estado frágil (Guiné-Bissau)»
- Deb, M. et al. — O desafio do tráfico de drogas para a governança democrática na África Ocidental (análise regional, CORE / revista acadêmica) — útil para o quadro teórico dos “narcoestados”.
- Bollom, J.E., Baldé, A., Jandi, Z., et al. (2021) — Determinantes sociais da suscetibilidade ao uso de narcóticos entre adolescentes em idade escolar em Bissau, Guiné-Bissau: uma análise transversal. Adolescentes. (Estudo empírico local sobre consumo e impactos sociais).
- Adeyanju, C.G. (2020) — Drug Trafficking in West Africa Borderlands (revista regional, ligação entre tráfico e política).
- Reuters — “Guiné-Bissau: polícia apreende mais de 2 toneladas de cocaína em avião proveniente da Venezuela” (relatório de apreensão importante, setembro de 2024)
- Repórteres Sem Fronteiras / relatórios de campo — investigações sobre a interligação entre o narcotráfico e a política e a liberdade de informação (documentos e análises históricas).
- AP / Global Initiative reporting — artigos sobre novas substâncias (nitazenos) e evoluções do mercado de drogas na África Ocidental (indicador da evolução das cadeias criminosas).
[1] O General António Indjai
Indjai é a figura que melhor simboliza a fusão entre o poder militar e o crime organizado:
Acusação nos EUA: Em 2013, um tribunal federal dos Estados Unidos (EUA) acusou Indjai de narcoterrorismo, conspiração para importar cocaína para os EUA e conspiração para vender armas (incluindo mísseis antiaéreos) às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), em troca de dinheiro proveniente do tráfico de drogas.
Sanções: Devido ao seu papel no golpe de 2012 e ao envolvimento no tráfico, foi alvo de sanções internacionais impostas pelas Nações Unidas e pela União Europeia, que o impediram de viajar e congelaram seus bens.
[2] Ver anexos
[3] Idem





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