Impacto Simbólico e Material da Diplomacia Presidencial: A Visita de Lula a Moçambique como Instrumento de Soft Power (poder brando) brasileiro.
- CERES
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Introdução
A relação entre Brasil e Moçambique possui raízes históricas, culturais e políticas que conferem à cooperação bilateral uma natureza singular no contexto das relações Sul-Sul. Desde o início dos anos 2000, especialmente durante os mandatos anteriores de Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil consolidou uma presença activa em África, com destaque para Moçambique, por meio de iniciativas de cooperação técnica, investimentos públicos e privados, e apoio em sectores sociais como saúde e educação. A visita oficial de Lula a Moçambique nest ano de 2025 representa, nesse sentido, um marco significativo no reposicionamento da política externa brasileira no continente africano.
A diplomacia presidencial, enquanto instrumento de projeção internacional, desempenha papel essencial não apenas na formalização de acordos, mas também na construção de perceções, confiança e prestígio elementos centrais do conceito de soft power (Nye, 2004:45). Assim, para além das decisões económicas e políticas, visitas de chefes de Estado funcionam como dispositivos simbólicos capazes de reconfigurar alianças, legitimar agendas e reforçar a imagem de um país no cenário internacional.
Este artigo analisa a visita de Lula a Moçambique em 2025 como um acto de diplomacia simbólica e material, argumentando que tal deslocação fortalece o soft power brasileiro ao reafirmar compromissos históricos, projectar liderança no Sul Global e estimular novas oportunidades de cooperação multissectorial. A pesquisa procura também compreender em que medida esse gesto pode influenciar a dinâmica regional da África Austral e o reposicionamento de Moçambique como parceiro estratégico no Atlântico Sul.
Justificativa
A análise da visita presidencial torna-se relevante porque as relações internacionais contemporâneas ultrapassam a lógica tradicional da força militar e do poder económico. Países emergentes, como o Brasil, procuram ampliar a sua influência mediante mecanismos simbólicos que promovem identificação, confiança e proximidade cultural. Como afirma Amorim (2010:55), a diplomacia brasileira caracteriza-se pela aposta na cooperação técnica, no diálogo político e na solidariedade internacional, constituindo um modelo alternativo às relações Norte-Sul dominadas pela assimetria.
Moçambique, por sua vez, atravessa um período de reconfiguração económica e diplomática, marcado por projectos de transição energética, diversificação de parceiros e reposicionamento geoestratégico no Índico. Assim, compreender o impacto da visita de Lula permite avaliar como Moçambique utiliza relações internacionais para fortalecer a sua capacidade de negociação e como o Brasil reinsere-se no continente africano após um período de retração diplomática entre 2016 e 2022.
A presente pesquisa é pertinente para académicos de ciência política, Relações internacionais, diplomacia e integração regional, bem como para decisores políticos interessados em compreender os efeitos concretos da diplomacia presidencial nos processos de cooperação. A abordagem é igualmente significativa porque acrescenta uma perspectiva crítica moçambicana sobre o papel do Brasil em África, ainda pouco explorada na literatura científica lusófona.
Diplomacia presidencial como instrumento de soft power
Segundo Nye (2004:60), soft power é a capacidade de um Estado influenciar outros através da atracção e não da coerção. Inclui cultura, valores políticos e política externa percebidas como legítimas e desejáveis. A diplomacia presidencial desempenha papel privilegiado nesse processo, pois envolve simbolismos, discursos públicos, gestos de respeito mútuo e construção de confiança entre povos.
A presença física de um líder internacional, especialmente em países com fortes laços históricos como Brasil e Moçambique, pode gerar impactos psicológicos, mediáticos e políticos. Como observa Cervo (2015:20), a política externa brasileira tende a valorizar a “diplomacia de presença”, que fortalece alianças e cria capital político de longo prazo.
Dimensão simbólica da visita
A dimensão simbólica da visita manifesta-se em três eixos principais:
· Resgate de laços históricos e culturais
· Reafirmação da presença brasileira em África
· Prestígio internacional de Lula
Dimensão material: acordos, cooperação e oportunidades
Entre as áreas que tradicionalmente marcam a relação Brasil – Moçambique, destacam-se:
· Saúde pública
· Agricultura e segurança alimentar
· Energia e infraestruturas
· Educação e formação profissional
Impacto regional e geoestratégico
A presença do Brasil em Moçambique possui também significado regional, pois o país situa-se em posição estratégica no Canal de Moçambique, uma das rotas marítimas mais importantes do mundo.
Conclusão
A visita do Presidente Lula a Moçambique em 2025 representa um dos eventos mais significativos da diplomacia Sul-Sul contemporânea. Mais do que uma deslocação protocolar, trata-se de um acto estratégico que combina dimensões simbólicas e materiais, reforçando o soft power brasileiro e revitalizando uma parceria histórica baseada em solidariedade, identidade e interesses comuns.

Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.
Referências Bibliográficas
Amorim, C. (2010). A política externa do Brasil no século XXI. Brasília: FUNAG.
Cervo, A. (2015). Inserção Internacional: formação dos conceitos brasileiros. Revista Brasileira de Política Internacional, 58(1), 5–22.
Machado, H. (2020). Cooperação internacional em saúde: o caso Brasil–Moçambique. Rio de Janeiro: Fiocruz.
Nye, J. (2004). Soft Power: The Means to Success in World Politics. New York: PublicAffairs.
Nye, J. (2011). Power and Interdependence Revisited. International Relations.
Saraiva, M. G. (2012). O Lugar da África na Política Externa do Brasil. Belo Horizonte: Editora UFMG.
Visentini, P., & Pereira, A. (2019). Relações Brasil–África: diplomacia, política e desenvolvimento. Porto Alegre: UFRGS Editora.

