O CAPITALISMO EM CRISE E OS MUNDOS QUE RESISTEM: LIÇÕES DOS MOVIMENTOS SOCIAIS
- CERES
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Em meio a colapsos múltiplos, experiências como o MST, o zapatismo e Rojava revelam que outros mundos são possíveis — e já estão em construção.
Gabriela Oliveira Elesbão
Enquanto o mundo vive uma escalada de desigualdades, crises ecológicas e retrocessos democráticos, os movimentos sociais emergem como alternativas concretas ao colapso civilizacional promovido pelo capitalismo global. Mais do que denunciar, eles propõem e constroem — em seus territórios, práticas e discursos — modos de vida que colocam a dignidade humana, a coletividade e a justiça no centro.
Na América Latina, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com mais de 40 anos de história, é um dos maiores exemplos de organização popular e anticapitalista do mundo. Com base na ocupação e socialização da terra, o MST promove a produção agroecológica, a educação popular e a autogestão como fundamentos de uma nova relação entre sociedade e natureza. "A luta pela terra é uma luta pelo modelo de sociedade", costuma afirmar João Pedro Stédile, um dos principais líderes do movimento (STÉDILE, 2023).
Outro exemplo potente vem do sul do México. Em 1994, enquanto o país assinava o NAFTA com os Estados Unidos, os indígenas maias do Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) protagonizavam uma insurreição contra a marginalização secular dos povos originários. Desde então, os zapatistas mantêm comunidades autônomas baseadas em assembleias populares, justiça comunitária e resistência à lógica neoliberal. “Queremos um mundo onde caibam muitos mundos”, afirmam, reafirmando a diversidade como força e horizonte (MARCOS, 2003).
Fora da América Latina, a experiência de Rojava, no Curdistão sírio, desafia não só a guerra, mas também a lógica ocidental de organização estatal. Influenciado pelas ideias do anarquista americano Murray Bookchin, o líder curdo Abdullah Öcalan propôs o confederalismo democrático como base de um novo projeto político: descentralizado, feminista, ecológico e anticapitalista. Mesmo sob ataques constantes de forças como o Estado Islâmico e o governo turco, as comunidades de Rojava seguem construindo conselhos populares, milícias de autodefesa femininas e políticas de convivência multiétnica (ÖCALAN, 2011; BOOKCHIN, 2005).
Essas experiências partilham mais do que uma crítica ao capitalismo. Elas nos convidam a repensar o próprio conceito de desenvolvimento. Propõem um deslocamento: da acumulação para o cuidado; do individualismo para o comum; da verticalidade para a autonomia. São ensaios reais de uma outra política — aquela que nasce de baixo, do território, da luta e da imaginação coletiva.
Em tempos de avanço autoritário e mercantilização total da vida, os movimentos sociais não são apenas resistência: são a vanguarda de um novo mundo em gestação. E talvez, em um planeta ameaçado, sejam também nossa última esperança.

Gabriela Eslabão
Historiadora e mestra em Estudos Estratégicos Internacionais. Meus temas de pesquisa estão relacionados à América Latina, movimentos sociais e impactos do neoliberalismo no continente. Sou voluntária do CERES e gestora de educação.
Referências:
BOOKCHIN, Murray. The Ecology of Freedom: The Emergence and Dissolution of Hierarchy. Oakland: AK Press, 2005.
MARCOS, Subcomandante. Conversas com Durito: Histórias de um escaravelho. São Paulo: Editora Unesp, 2003.
ÖCALAN, Abdullah. Democratic Confederalism. International Initiative Edition, 2011.
STÉDILE, João Pedro. O MST e a luta pela reforma agrária no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2023.
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