O golpe de Estado em Madagascar: Entre a Crise Democrática e a Reconfiguração do Poder Civil-Militar
- CERES
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Jaime António Saia
Introdução
O golpe de Estado ocorrido em Madagáscar em 2025 marcou um novo ponto de inflexão na instável trajectória política do país, reabrindo o debate sobre a consolidação democrática e a interferência militar na esfera civil. O evento não foi apenas uma ruptura institucional, mas também uma manifestação profunda de uma crise de legitimidade e de representatividade política, num contexto de tensões socioeconómicas e polarização partidária (Reuters 2025).
O golpe de Estado, é o reflexo de um descontentamento generalizado e fragilidade institucional, onde verifica-se a ausência das instituições sólidas e independentes, por um lado. Por outro, o golpe de Estado, ocorre quando se verifica a erosão da legitimidade, devido a corrupção, fraude eleitoral ou repressão política, consolidando a teoria da democracia delegativa. Importa referir que o legado colonial da França deixou exércitos centralizados e politizados, sem plena subordinação ao poder civil não só em Madagáscar, mas em todas antigas colónias. A França diferentemente das outras antigas colónias não deu uma independência real as suas ex-colónias, pois continua apoiar regimes autoritários ou amigos vassalos que minam a democracia, portanto o pecado da França não é apenas histórico, mas estrutural e ético.
Contexto político e institucional de Madagáscar
Desde a sua independência em 1960, Madagáscar tem vivido ciclos de instabilidade que reflectem as fragilidades estruturais do seu sistema político. As crises de 2002, 2009 e 2025 evidenciam a fragilidade das instituições e a incapacidade de consolidar uma cultura política democrática (Al Jazeera 2025). O golpe de 2025 teve lugar após semanas de protestos contra o aumento do custo de vida e alegações de corrupção envolvendo figuras próximas do governo.
Crise democrática e génese do golpe
O golpe de 2025 não ocorreu de forma abrupta, mas foi antecedido por um prolongado processo de erosão institucional. O governo eleito em 2023 enfrentou críticas por práticas autoritárias e pela limitação da liberdade de imprensa (Freedom House 2024). A tensão entre o Executivo e o Parlamento, somada à incapacidade das instituições de controlo como o Tribunal Constitucional e a Comissão Eleitoral de actuar de forma independente, agravou a crise de confiança pública (African Arguments 2025).
Reconfiguração do poder civil-militar
Após o golpe, o Conselho Militar de Transição (CMT) instaurou um governo provisório composto por oficiais e tecnocratas. A retórica de “salvação nacional” foi acompanhada pela suspensão do Parlamento e pela imposição de medidas de censura temporária (BBC News 2025). Contudo, tal como em golpes anteriores em Mali e Burkina Faso, observou-se um padrão de prolongamento da transição, revelando o risco de militarização do poder (ISS Africa 2025).
Implicações regionais e internacionais
O golpe teve repercussões imediatas na região da África Austral. A SADC e a União Africana condenaram o acto e suspenderam Madagáscar das suas actividades (AU 2025).
Contudo, observadores apontam que as sanções tiveram pouco efeito prático, dada a limitada dependência externa do regime militar. A nível internacional, países como França e Estados Unidos emitiram declarações de “profunda preocupação, mas evitaram medidas concretas de isolamento, receando perder influência num país de posição estratégica.
Conclusão
Os golpes de Estado recentes em África francófona são tanto rupturas internas, como actos simbólicos de descolonização tardia. A França quer uma nova relação com África, mas continua presa aos fantasmas do império fracassado.
O golpe de Estado de 2025 em Madagáscar expõe as fragilidades persistentes das democracias africanas e o papel ambíguo das forças armadas na política. Mais do que um evento isolado, ele representa a continuidade de um padrão histórico de instabilidade e de tensão entre legitimidade e força. A incapacidade de consolidar instituições sólidas, somada a crises socioeconómicas e à ausência de uma cultura política democrática, cria um terreno fértil para o retorno de regimes híbridos.

Jaime Antonio Saia
Licenciado em Relações internacionais e Diplomacia pela Universidade Joaquim Chissano (Maputo, Moçambique) Mestrando em Resolução de Conflictos e Mediação. Analista de política internacional na TVM ( Televisão de Moçambique), Soico TV (STV), na Média Mais TV, além de colunista da Revista Zambeze. Pesquisador do CERES (Centro de Estudos das Relações Internacionais) e palestrante em áreas sociais e políticas em Moçambique.
Autor do livro As Relações Internacionais desde Moçambique.Com ampla experiência em Gestão de Empresas.
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